O banqueteiro Raul Fornero poderia muito bem ser roteirista de cinema. Quem já presenciou algum dos banquetes desse profissional de 40 anos de Santo André sabe exatamente que o verbo criar tem as mais diversas conjugações. Inspiração e idéias mirabolantes colocadas em prática são frutos de viagens, literalmente. As de Raul Fornero dão lugar à combinação de cores e texturas. O habitual é substituído pelo inusitado. Fornero se especializou em metamorfosear sonho em realidade. Nada mais instigante para um apaixonado pela sétima arte.
Guardadas as devidas proporções, os banquetes servidos por Raul Fornero ganham dimensões de obras cinematográficas. A surpresa faz parte do roteiro gastronômico. O banqueteiro chama a atenção de olhares e paladares de convidados com pratos envolvidos pela mistura entre o doce e o salgado. “Não tenho medo de ousar” — explica o banqueteiro.
A audácia é materializada em cardápios como mousse de rúcula com lombo defumado de javali coberto com molho de gorgonzola ou com uma simples salada com broto de feijão coberto com molho shoyo, mel e sorvete de limão. Aficcionado por academia e yoga, Fornero aboliu qualquer prato que contenha fritura. “Não é saudável” — explica.
Arsenal de ideias
A viagem ao mundo da imaginação de Raul Fornero não termina sobre a mesa. A gastronomia é apenas um dos detalhes do arsenal de idéias do banqueteiro. Ele incorporou há quase três anos toda a paixão adormecida pelo cinema e decidiu também cuidar do figurino e da decoração dos ambientes das festas. Os banquetes de Fornero se tornaram eventos singulares.
No jantar de aniversário de 50 anos da Petrobras, os quase mil convidados chegaram em um vagão de trem na Estação Ferrovia, na Capital. Foram recepcionados por modelos caracterizados nos anos 40. Cada ambiente retratou uma década. Como os fotógrafos dos anos 60 e músicas ao som de banda de formatura comum nos anos 80.
Exagero? Imaginem, então, uma festa baseada no livro “Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley, em 1931. A obra é fábula futurista para retratar sociedade completamente organizada por grupos sociais distintos e separados. Os funcionários da Festo acompanharam a viagem de Fornero. Ele abusou do branco no pré-coquetel com TV de plasma, recepcionista virtual e até tubo de ensaio com gelo branco. Num passe de mágica, os convidados foram levados a ambiente totalmente colorido. Detalhes são peças-chaves de Raul Fornero.
Festas personalizadas
O que dizer da vernissage de Odamar Versolatto? Garçons vestiam aventais pintados pelo artista plástico de Santo André. “Já desenvolvi festa em que a decoração foi toda baseada em cima da gatinha japonesa Hello Kitty” — lembra Raul Fornero, que promove média de 10 eventos mensais. Em dezembro, salta para 20.
Como grandes cineastas ou roteiristas, o banqueteiro tem um ritual de trabalho. Não dispensa reunião com o cliente. No primeiro e único contato antes do evento é detectado a cor preferida e tipo de jantar exigidos pelo anfitrião. Em cima de sonhos e fantasias, Fornero se tranca entre quatro paredes. Ao seu lado, apenas computador e a TV, de preferência ligada em algum filme. É deitado num quarto na casa no Bairro Paraíso, em Santo André, que o banqueteiro começa a viagem de criação de pratos e decorações.
Pai de dois filhos, Raul Fornero não lê nenhuma revista ou assiste qualquer programa sobre o segmento de banquete porque não quer se influenciar na criação. Não se pense em solicitar cardápio sobre o que será ou foi servido. “Meus pratos são parecidos, porém nunca iguais” — assegura o profissional que tem 40% da carteira de clientes centralizada na Capital.
Nada de celular
O compromisso com o trabalho chega ao extremo de não possuir mais celular. “Amigos e clientes têm o número do meu telefone residencial. Nunca é bom ser incomodado em alguma reunião ou na academia” — explica.
Raul Fornero tem tanta confiança nas habilidades gastronômicas que raras vezes prova do seu talento. “Não sou eu que preciso gostar, mas o cliente”. Quase sempre coloca menos açúcar ou sal nas receitas. “Se precisar, basta adicionar” — define. Tempo é o que não falta para criar. Sofre de insônia. “Durmo apenas entre três a quatro horas diárias. Sobram mais horas para imaginar novos cardápios” — brinca.
Roteiro real
Como num filme campeão de bilheteria, a vida de Raul Fornero carrega cenas dramáticas com final feliz. Nunca conseguiu estudar o que sempre quis: o cinema. Por causa de inúmeros percalços na vida, trilhou outro caminho. Iniciou três cursos superiores — Filosofia, Matemática e Engenharia —, mas não terminou nenhum. Formou-se em Agronomia pela UniTau (Universidade de Taubaté). O curso não foi levado à frente como profissão, mas foi no Vale do Paraíba que começou a ganhar afinidade pela arte de criar. Transformou-se em organizador de festas de formatura da instituição de ensino. Morou com amigos numa república e se viu obrigado a encontrar fonte de renda alternativa. Não pensou duas vezes: começou a preparar salgados para bares de Taubaté.
Ironicamente, a comida que mais tarde seria matéria-prima da profissão foi retirada em grande parte de seus hábitos alimentares. O prazer de comer o que gostava restringia-se a somente cinco horas diárias, durante quatro meses de tratamento de hemodiálise. “Era o momento que meu rim funcionava perfeitamente. Tinha que aproveitar esses instantes” — relembra. Há duas décadas recebeu transplante renal do próprio pai, sempre contrário ao desejo do filho aprender cinema.
Raul Fornero atuou até como paisagista. A química do banqueteiro com a arte cinematográfica, entretanto, emergiu ao ser sócio no restaurante Pacivits, na Avenida Portugal, em Santo André. Incorporou ao visual da casa inúmeros performistas. Aos poucos, os clientes do espaço solicitaram o trabalho de Fornero. O banqueteiro coloca em prática há mais de 10 anos toda a aptidão de roteirista da gastronomia. “Em vez das telonas, minha criação foi transportada para pratos e decorações ousadas nos banquetes”.
Tímido, Raul Fornero carrega personalidade forte. Não admite erros da equipe. Tem controle de todo o trabalho. De como os garçons estarão vestidos, qual bebida será servida e, principalmente, o que é feito na cozinha. O espaço mais visitado pelo banqueteiro também poderá lhe render novos roteiros, muito além de almoços diários com os filhos. Será a estrela principal de programa de TV. “Mostrarei minhas técnicas até para um público não-acostumado com meu trabalho” — garante.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!