Sociedade

E tudo começou
com bonequinhas

TUGA MARTINS - 13/09/2005

Desde que se conhece por gente, Débora Gelman sabe que elegância pode garantir o pão de cada dia. Os pais Saul e Lea, donos da Selly Moda, em Santo André, fizeram do negócio referência de estilo no Grande ABC e a menina que brincava de bonequinha de papel já ajustava modelos da década de 70 em silhuetas de traços ainda infantis. 

Pura destreza dos poucos que têm o dom da sofisticação e a percepção aguçada das relações nem sempre harmoniosas entre corpo e guarda-roupa. Foi nessa época que a alta costura começou a dialogar com as ruas e a moda passou a fazer parte do universo cultural como sinônimo de atitude e comportamento.

Cursou psicologia no Objetivo e antes que a era Dancing Days aposentasse as meias de lurex usadas por Sônia Braga e desse passagem aos yuppies, Débora abraçou o negócio da família e encontrou o eco profissional. Travou um tête-à-tête com os mais íntimos desejos de uma geração cuja apresentação tornou-se primordial para remeter a estrato social privilegiado. “Na verdade nunca deixei de trabalhar com psicologia” — diverte-se Débora. 

Academia ajuda 

Sem dúvidas, a formação acadêmica agrega valor à consultoria de moda. Afinal, para responder aos anseios de quem quer ser bem visto, é preciso ouvir muito para promover alquimia capaz de transformar o modo de vestir em símbolo produtor de identidade.

Depois que a Selly Modas encerrou atividades, Débora apropriou-se da experiência de atender público exigente e voltou o foco profissional para consultoria de lojas do Exterior que vendem produtos brasileiros, principalmente no México. 

Da agenda congestionada de compromissos cotidianos consta a organização da Feira de Acessórios e Design, já na terceira edição. O evento é direcionado a público de qualidade como Harrolds e Henry Lafayette. “Temos critério rígido para expositores porque primamos em manter o padrão elevado” — pontua. Na contrapartida, os participantes recebem assessoria permanente para que dêem conta dos compromissos assumidos com empresas internacionais e sustentem a boa imagem da produção de moda top nacional. 

Casada e mãe de dois filhos, Débora respira e transpira moda durante todo o dia. “Sou meu funcionário com maior rigidez de horário” — garante. A inspiração vem dos momentos dedicados ao lazer familiar, agenda cultural, viagens, leitura e principalmente Internet que contribui substancialmente à atualização de conceitos e tendências. “As pessoas se vestem de acordo com o momento que estão vivendo” — afirma, consciente de que a moda se apropria tanto de corpos e objetos quanto de conjunturas políticas, morais, econômicas e científicas.

Sensualidade no Marrocos 

No Marrocos ficou encantada diante de uma cerimônia de casamento na qual pode ver mulheres em dança cheia de sensualidade sem a burca normalmente usada nas ruas. “Eu adoro viajar. Cada pedaço do mundo constrói alicerces para o desenvolvimento de moda” — defende Débora. 

As tendências mais influentes na moda mundial são belgas, inglesas, francesas e italianas. O Japão cria modelos de comportamento e possui alto consumo. “O mundo produz para o japonês consumir e isso potencializa algumas tendências” — avalia a consultora. Já os Estados Unidos têm consumidores mas poucos são os criadores. Não à toa grifes brasileiras se tornam objeto de desejo e se consagram internacionalmente. “Mexicano descolado quer produto europeu ou brasileiro” — afirma Débora. 

Alma cult

Fã assumida de Gabriel García Marquez, Débora Gelman assume na própria vida o desafio de passar valores sociais aos filhos uma vez que o cotidiano apresenta às novas gerações poucas alternativas de dignidade. “Teremos reflexo na moda do que está acontecendo no País” — supõe. Ela acredita que passada a crise política atual, a valorização da embalagem vai cair, as pessoas vão desviar a atenção das roupas e tentarão apresentar diferenciais por meio dos acessórios ou materiais customizados para confecção de modelos únicos. 

A procura por roupas para festas já indica essa direção uma vez que exige criatividade mais acentuada e itens que atribuam personalidade. “Conto com profissionais que desenvolvem tecidos personalizados” — diz Débora. Sobre a mesa, amostras de tramas à base de ráfia, fitas de seda e palha montam mostruário para uma única cliente. 

O trabalho de Débora também desabrocha nos ambientes corporativos. A criação de dress code propõe regras do bem vestir que evitem desde assédio sexual e permitam mobilidade na execução das tarefas. O dress code melhora a linguagem corporal, alerta sobre a importância da imagem e como o impacto visual pode colaborar para a ascensão profissional. “Nos dias de hoje é imprescindível saber da política de dress code da empresa na qual se trabalha ou com as quais mantém contato profissional” — acredita Débora. 

Magia das cores 

As cores escuras passam confiança e poder, os cinzas remetem à intelectualidade, beges são amigáveis, não criam barreira entre interlocutores. No geral, as cores neutras são bem-vindas para situações de trabalho. O funcionário é o rosto da empresa para o universo. 

O código visual ganhou relevância quando nos anos 60 a campanha para presidente entre Nixon e Kennedy saiu do rádio para a TV. Enquanto os debates aconteciam no rádio, Nixon era o favorito. Quando a imagem da televisão começou a mostrar os debatedores, Kennedy saiu ganhando. O visual jovem e as roupas bem escolhidas ajudaram a fazer dele o presidente dos Estados Unidos. Profissionais liberais também lançam mão dessa ferramenta de persuasão em congressos e simpósios. 

Advogados e psicólogos costumam consultar sobre o guarda-roupa mais adequado ao convencimento. “A primeira impressão é a que marca e isso não sou eu que digo, mas a sociedade que exige” — destaca.

A caminho do sucesso

Débora Gelman traz na memória os momentos descontraídos da infância vivida na rua Cesário Motta, dos filhos da família Simões, Carlos, Hélio e Luiz Alberto que a escoltavam até o Américo Brasiliense. “A algazarra da passarinhada da Praça do Carmo traz sensações deliciosas, remonta o prazer de voltar para casa com joelhos e cotovelos encardidos das brincadeiras de antes” — confessa. Hoje a distração vem atrelada à profissão. O hobby da leitura inclui romances e sagas como “Memórias de Uma Gueixa”, de Arthur Golden.

Se fosse possível condensar tudo o que Débora Gelman pensa sobre refinamento, o resultado seria Audrey Hepbnurn e as criações de Hubert Givenchy, conjunto bem trabalhado em Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards. Clássicos à parte, a consultora gosta de descobrir talentos uma vez que sua clientela jamais busca o óbvio. Enaltece a meticulosidade da estilista Stella McCartney e a contemporaneidade underground de Alexandre Herchcovitch. Ao mesmo tempo, não poupa críticas às influências nada saudáveis da TV. “O que passa na televisão norteia a vida das pessoas” — protesta.

Em dieta permanente e abstêmia do consumo de carne vermelha, Débora não resiste à doçura requintada do marzipan. Considera o próprio estilo básico com preferência inquestionável pela qualidade. Os cortes modernos e arrojados do que veste são contraponto à voz de Billie Holliday que encanta o discreto estúdio de trabalho. 

Dali saem dicas preciosas do bem apresentar-se: determine como quer que o mundo o veja; olhe-se no espelho e veja o que realmente é; roupa não pode esconder a personalidade; fique antenado no estilo que lhe causa bem-estar e, principalmente, não caia na lábia de vendedores. 

Outro conceito que Débora defende é o prazo de validade de roupas e acessórios. “Moda não é descartável até certo ponto” — propõe. Ninguém é obrigado a acompanhar a vanguarda só para estar na moda, mas em determinado momento é preciso se desfazer de peças ultrapassadas. “Difícil é convencer as pessoas a abrir mão de roupas que trazem boas recordações” — diz Débora. 



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