Glaucya Taraskevicius chegou meia hora atrasada à entrevista marcada para o final da tarde num café de Santo André. O dia estava chuvoso, o trânsito infernal, não havia vagas para estacionar nas proximidades e as justificativas pareciam perfeitas para a situação. A arquiteta, no entanto, não teve dúvida em revelar a verdade. Gastara tempo além do previsto na manicure e se desculpou da forma mais natural possível, sem a menor preocupação de que a atitude pudesse ser interpretada como ato de desrespeito ou pior, de futilidade. E não foi.
Era o primeiro contato de Glaucya com a reportagem e o que ficou claro nas mais de três horas de conversa foi revelado naquele momento. Apesar de ter motivos de sobra para se comportar dentro das regras do politicamente correto, fez e faz questão de ser ela mesma o tempo todo. Não esconde o que pensa, nem o que é e somente em situação extrema sucumbiria ao mais famoso dilema shakespeariano do ser ou não ser. Na maioria esmagadora do tempo, porém, prevalece invariavelmente a primeira opção.
O celular da arquiteta não é daqueles que tocam sem parar. Pelo menos foi assim no começo da noite em o habitual cafezinho foi trocado por uma sopa quente no pão italiano. Mal a conversa começara, no entanto, veio a primeira chamada. Ela olhou para o identificar e pediu licença. “É o Salles, preciso atendê-lo” — explicou com a mesma voz tranquila com que saudou o marido. “Oi amor. Tudo certo, já estou aqui” — disse naturalmente, sem se importar mais uma vez com eventuais julgamentos sobre o tom do diálogo. Também fez questão de explicar ao interlocutor o motivo da ligação e, a partir daí, abriu o caminho para que se quebrasse qualquer resquício de formalidade que porventura ainda pudesse se interpor ao encontro.
Projeção diferenciada
Glaucya Taraskevicius se casou há sete meses com o advogado e secretário de Comunicação de São Bernardo, Raimundo Salles, homem público e influente na política regional. Sabe que o casamento lhe conferiu projeção diferenciada e nem por isso se deixa contaminar por um mundo no qual aparências e suscetibilidades costumam ser tão frágeis quanto casca de ovo. “Muitos me conhecem apenas como a esposa do Salles. Mas isso não me incomoda. Sei quem sou e do que sou capaz. Por isso, posso estar sempre ao lado de meu marido sem o temor de que minha identidade seja ofuscada” — diz com firmeza e maturidade pouco comum para quem ainda não rompeu a barreira dos 30 anos.
Tem consciência também de que a atual condição poderia lhe abrir muitas portas na região, inclusive na carreira profissional. Mas não quer ouvir qualquer palavra, por menor que seja, que possa sugerir suposto tráfico de influência. Sua base de trabalho está na Capital, cidade para a qual se mudou aos 18 anos, após ter morado durante toda a infância e adolescência em Santo André. Agora está de volta para tomar conta da própria casa e da família recém-formada, composta também por um enteado de nove anos.
Família, aliás, é tema sobre o qual mais gosta de discorrer. Principalmente se for para abordar a importância dos valores transmitidos de pais para filhos e que formam a sustentação do livre arbítrio de cada indivíduo. Filha da miscigenação pouco comum entre um descendente de lituano com uma italiana, convive desde criança com exemplos e atitudes que justificam chamar o lar de porto seguro. “A desestruturação familiar nem sempre é consequência da pobreza. Mas quando as duas características andam juntas, cria-se bola de neve difícil de ser amenizada” — entende a arquiteta em perfeita conexão com as mais variadas nuances socioeconômicas.
Mundo político
A conclusão está baseada em vivência enriquecida por currículo no qual o tradicional peso dos anos dá lugar à intensidade característica da juventude. Glaucya é presidente do PSDC (Partido Socialista Democrata Cristão) de Santo André, comanda executiva formada por sete mulheres e tem participação ativa em ações sociais desenvolvidas a partir da formação partidária.
Ela e o grupo entenderam que sob o escudo da sigla política que estatutariamente abriga os crentes em Deus e os defensores da família seria mais fácil avançar num trabalho de formiguinha formatado para extrapolar o ato pontual da caridade. “Queremos experimentar a atividade política sob ótica diferenciada e mostrar a importância de ter uma sociedade organizada. De nada adianta reclamar ou colocar a culpa em alguém se não houver o mínimo de participação e de engajamento” — considera, sem a pretensão de levar o discurso ao palanque, já que não almeja ocupar cargo eletivo pelo menos no médio prazo.
Também descarta a preocupação de ver a fala comparada à mesmice que rege a maioria dos debates sobre minorias e se adianta à pergunta iminente. “Não somos feministas. Somos femininas” — pontua com precisão. Quando o tema é mulher na política, Glaucya também mostra a contundência dos que atribuem significado próprio à velha história da igualdade de direitos. Longe do senso comum, observa a desproporcionalidade da representação feminina na vida pública como consequência de cultura que ainda precisa ser modificada pela própria mulher.
Chama a atenção para o fato de as cotas garantidas pela legislação valerem quase nada diante da mania que muitas ainda têm de considerar política bicho-de-sete-cabeças, assunto sem graça, coisa de homem, enfim. “A mulher é boa administradora, ágil, multifuncional, equilibrada e em geral se deslumbra menos com o poder. E essas características fazem muita diferença” — admite, ao descartar qualquer resquício de indireta na declaração. Pelo contrário e como de praxe, deixa explícita a convicção de que o toque feminino tem feito falta no quadro funcional dos gabinetes públicos. Sobretudo em cargos de comando e em situações nas quais seria fundamental contar com a sensibilidade e perspicácia do sexo que ela jamais ousaria considerar frágil.
Full time
Glaucya ainda não parou para contabilizar quanto tempo tem dedicado às ações sociais decorrentes da atividade política. Os compromissos aparecem e crescem naturalmente e são encaixados em agenda quase full time, tomada em sua maioria pelos compromissos de trabalho. A arquiteta administra escritório em São Paulo e percorre muitos quilômetros por dia para dar conta das obras sob sua responsabilidade. São prédios localizados em Moema, Alphaville, no Litoral, Tocantins e no Grande ABC que ganharão acabamento personalizado por meio de projetos desenvolvidos pela especialista em decoração de interiores.
É claro que o gosto e o estilo da clientela têm preferência. Mesmo assim, Glaucya gosta de frisar que todo ambiente precisa ter uma história e a mistura dos estilos clássico e contemporâneo ajuda a personalizar os ambientes. Aqui também ela gosta de resgatar valores. Assim, aquele móvel ou objeto de decoração que pertenceu a várias gerações da família pode compor uma sala arrojada e contribuir para aumentar o aconchego e a vontade gostosa de chegar em casa o mais breve possível.
Sensação que garante ter reproduzido no apartamento onde reside em Santo André e no qual gostaria de permanecer por mais tempo do que consegue. Com vida social intensa, devido aos próprios compromissos e aos do marido, o casal dificilmente passa um dia sem comparecer a uma festa, uma inauguração, uma reunião ou qualquer outro tipo de evento.
São em média três convites diários, sempre acompanhados do desafio de saber a hora certa de declinar do compromisso para simplesmente vestir o pijama e se esparramar no sofá da sala. “Ultimamente o que mais gosto de fazer é ficar em casa” — confessa, para desespero dos que fazem questão de sua presença e com a mesma transparência de quem revelou ter perdido a hora na manicure.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!