Guido Fidelis e Virgínia Pezzollo bem poderiam inspirar qualquer roteiro de ficção não fosse a realidade experimentada no cotidiano que dividem desde a adolescência. Jornalistas de paixão lapidados pela formação do Direito, levam a vida sob a égide do prazer muitas vezes impulsionados por ventos aventureiros que alargam qualquer sorriso de prazer. Pela primeira vez o casal lança trabalho simultaneamente e eleva a própria adrenalina sem o confortável e sereno apoio do companheiro. Afinal Tudo A Declarar e Procissão do Silêncio foram levados a público na mesma hora e local, em novembro último na Câmara de Cultura Antonino Assumpção, em São Bernardo.
Guido Fidelis talvez não traga tão à flor da pele a ansiedade do lançamento e noite de autógrafos porque coleciona 20 obras literárias antes de Tudo a Declarar, que reúne 35 crônicas dedicadas ao caos diário. Virgínia por sua vez não esconde o frio na barriga que a persegue desde quando a filha também jornalista Lara Fidelis, num ato maroto e bem-intencionado, alcançou os originais acumulados na gaveta que ainda guarda acervo para mais três publicações.
A escritora diz que a literatura a expõe e confessa temer a crítica depois de anos bem-sucedidos de artigos e análises sobre a conjuntura política e econômica do País.
Procissão do Silêncio traz avalanche de sentimentos onde o fio afiado e preciso do jornalismo de Virgínia estripa emoções nunca cúmplices das idas e vindas financeiras. “São contos sobre a condição humana” — define a escritora. Na verdade o que motiva a troca da avaliação do factual por momentos de criatividade são fragmentos vivenciados pela autora que acabam traduzidos numa prosa lúdica e madura. “Os que me conhecem vão se surpreender” — desafia.
Guido Fidelis oferece um sabor mais cítrico, fresco, com ações que poderiam ser ouvidas por meio de um copo bem acomodado contra a parede do vizinho. Nas entrelinhas salpica pertences da bagagem que traz desde os tempos do jornal Última Hora, da observação acurada sobre o modus humano e de fatos que alegram e entristecem a existência. Como a violência, que veio à tona na literatura nacional muito antes de o massacre do Carandiru empolgar Dráuzio Varella.
Já em 1980 Fidelis assina É Um Assalto e depois A Morte Tem Lábios Vermelhos, thriller indicado ao prêmio Jabuti em 1988, rasga as chagas sociais e põe por terra a ilusão das relações humanas. “Quando o tema policial foi banalizado parti para outro” — dispara o escritor. Com O Enigma da Vitória Régia estreou no segmento de aventura.
Fidelis escreve sob demanda e pressão. Cria, estuda, pesquisa e destila obras a partir de pedidos que podem ser técnicos como compêndios sobre tributação ou Reconstrução do Mundo que envolve viagens por todo o Brasil, muitas feitas na companhia de Virgínia. “Certo dia nos convidaram para ir para Fernando de Noronha e topamos na hora. Chegando lá ainda encaramos curso de mergulho” — conta. A produção de um livro pode levar de 60 dias a três anos. “Às vezes enrosca” — admite Fidelis.
Fãs um do outro, Fidelis e Virgínia nutrem gosto diferenciado na hora de ler. Ela fica com Clarice Linspector e ele sem qualquer paixão exclusiva. “Guido é eclético, lê de tudo, Fernando Pessoa, Garcia Llorca, de Shakespeare a Harry Potter” — comenta Virgínia. Em comum, o casal traz a crítica ao mercado nacional de literatura. Além do preço proibitivo, as baixas tiragens mantêm os escritores brasileiros em desvantagem em relação à indústria internacional. “A avalanche de best-sellers que vem dos Estados Unidos exerce grande força na mídia e conduz a crítica a análise favorável” — cutuca Virgínia com propriedade de articulista. Fidelis que já pôs o pé na estrada em peregrinação por escolas para incentivar o hábito de leitura que é importante para qualquer profissão vai além: “Quem não lê não consegue se expressar” — sentencia o escritor. Mas a política praticada pelos vários governos que apadrinha uns poucos é desanimadora. “Esse ciclo precisa ser quebrado” — diz.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!