Definida como a arte de lidar com a escassez – pelo simples motivo de que inexistem recursos disponíveis para atender o espectro reconhecidamente ilimitado dos anseios humanos – a economia está para as ações cotidianas como a lei da gravidade para a física. Goste-se ou não, concorde-se ou não, preceitos econômicos como o imperativo de eleger prioridades não podem ser negados ou subvertidos na medida em que esta ciência se impõe com a inexorabilidade da finitude da vida.
E não há exagero nessa afirmação aparentemente metafísica: a economia só existe porque somos seres materiais (para além da essência espiritual) submetidos às amarras do tempo e do espaço, assim como as coisas e os animais.
Se fossemos exclusivamente seres espirituais desconectados da dimensão tempo/espaço, não precisaríamos de alimentos, roupas, moradia e tantos outros produtos e serviços. Neste cenário hipotético que não é deste mundo, o trabalho seria desnecessário e estaríamos dispensados de obrigações econômicas. A rigor, o fato de pagar contas é o que nos torna humanos.
Dando conta do recado
Ao longo da história, mecanismos foram sendo naturalmente desenvolvidos e adotados por um número crescente de sociedades a fim de dar conta de necessidades materiais e de serviços cada vez mais complexos. Entre estes mecanismos figuram dois dos mais determinantes: a especialização do trabalho e a economia de mercado.
O princípio da especialização do trabalho remete à necessidade de centrar foco no desenvolvimento de um leque limitado de atividades ou campos de estudo a fim de atingir nível de competitividade no ambiente de livre mercado. Essa máxima vale para individuais, regiões e nações.
O livre mercado é o cenário em que se desenrolam as ações da especialização do trabalho. É o ambiente em que indivíduos dispõem de liberdade para escolher o que vão consumir e para se dedicar ao que quiserem produzir.
Tais preceitos tornam o inter-relacionamento humano praticamente compulsório. Como ninguém consegue dar conta de tudo que precisa para viver, todos são obrigados a se relacionar por meio de redes de suprimento. Isso confere à economia de mercado um viés humanitário que vai muito além de conquistas civilizatórias como o desenvolvimento de medicamentos e a multiplicação de alimentos, responsáveis pela melhoria das condições de vida e aumento da longevidade nos últimos 200 anos.
Lápis pedagógico
O economista norte-americano Milton Friedman (1912-2006) utilizou produto dos mais simples para ilustrar a riqueza do conceito humanitário inerente a estas redes invisíveis de suprimento.
“Tomemos o exemplo de um lápis. Não há uma única pessoa que poderia fazê-lo sozinho. A madeira veio de árvores cortadas no Estado de Washington. Para cortá-las, foi preciso usar serra, feita a partir de minério de ferro extraído num outro canto do planeta. O grafite é oriundo de minas localizadas na América do Sul. A borracha, na extremidade oposta do lápis, veio da Malásia, graças a homens de negócios que trouxeram a árvore produtora de seu habitat natural -- a América do Sul -- com ajuda do governo britânico. Milhares de pessoas espalhadas pelo mundo cooperaram para a existência de um simples lápis. Pessoas que falam línguas distintas, dotadas de culturas e visões de mundo radicalmente antagônicas, e que por isso poderiam se matar caso se encontrassem” – destacou.
A maior prova da importância humanitária embutida no livre comércio foi dada na década de 1950, quando Alemanha e França lideraram a criação de um grupo para promover o comércio de aço e carvão entre seis países europeus. A iniciativa teve motivação preventiva: a ideia era estreitar laços de interdependência a fim de evitar o recrudescimento de diferenças que culminassem em novos embates nos campos de batalha.
Com a Alemanha nazista e a França em campos opostos, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) tinha deixado um saldo de quase 70 milhões de mortos, dos quais 45 milhões de civis e 24 milhões de militares, referentes a 50 nacionalidades distintas em cinco anos e oito meses de duração.
Cortando relações
Outro exemplo prático da importância humanitária inerente ao livre comércio – só que com sinal trocado - são os embargos econômicos. Embargos econômicos ocorrem quando governos decidem interromper o fluxo de mercadorias e serviços a determinados países como forma de punição por posturas ou medidas que atentem contra valores universais como a liberdade e os direitos humanos.
Os tempos atuais são pródigos em fornecer comprovações adicionais. Ao defender medidas vistas como protecionistas ou nacionalistas, o presidente Donald Trump vira alvo fácil de parcela considerável da opinião pública internacional que o acusa de defender os interesses de seu país em detrimento dos demais. Todo esse barulho, gerado até por críticos vorazes do capitalismo e do que consideram “imperialismo americano”, significa um reconhecimento tácito dos benefícios do livre comércio para players menos desenvolvidos conectados com a mais poderosa economia do planeta.
Retrocesso à vista
Na Europa, o abalo institucional provocado pelo Brexit fez soar o sinal de alerta para ouvidos e mentes sensíveis. Na esteira da inevitável desconexão comercial entre o Reino Unido e os outros 27 países da União Europeia, fica um vácuo que, na pior das hipóteses, poderia vir a ser ocupado por conflitos sempre constantes na história europeia. O risco à paz mundial pode se acentuar caso outros países decidam seguir o mesmo caminho de isolamento 60 anos depois do início da criação do bloco econômico.
O século passado deixou claro que aqueles que tentaram trafegar na contra mão da economia colidiram contra a parede da realidade ao transgredir princípios humanitários e de eficiência produtiva. Humanitários porque a implantação do comunismo respondeu por mais de 100 milhões de mortes em países como União Soviética, China, Cuba, Camboja, Vietnam, Coréia do Norte, entre outros. O número de baixas entre os opositores do regime ditatorial supera e muito o da Segunda Guerra Mundial.
E transgrediram princípios de eficiência porque o modelo de produção centralizada estatal revelou-se um sucesso estrondoso na socialização da pobreza e na igualdade pela miséria.
Interesses próprios
Á luz do conceito humanitário do livre comércio fundado no princípio da especialização é possível parafrasear Adam Smith. Este filósofo e economista escocês autor do clássico "A Riqueza das Nações" escreveu no século XVIII: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses”.
Para Smith, o grande lance do capitalismo estava justamente na capacidade de canalizar interesses individuais de maneira a promover, involuntariamente, o bem comum. (Na mão diametralmente oposta à do regime que propalou ser capaz de promover o bem comum por meio da supressão das liberdades e dos interesses individuais).
Tal “mágica” se dá pela atuação do que Smith chamou de “mão invisível”, uma força capaz de alocar produtos e serviços da forma mais eficiente possível no cenário da livre concorrência, chamada mercado. No século XXI, pode-se afirmar que a “mão invisível” do mercado não apenas cumpre esse papel original de forma insubstituível, mas também acaricia, abraça e sinaliza a preferência pela paz entre diferentes povos.
Obviamente que o capitalismo está longe da perfeição, como reflexo de seres imperfeitos do qual é formado. Mas negar que a preservação da liberdade de escolha represente o melhor dos mundos possíveis é o mesmo que tentar contradizer a lógica newtoniana segundo a qual uma maçã cai em direção ao solo ao desprender-se da árvore com o argumento de que a maçã despenca para cima.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!