Não precisaria ser um lavajatense (ou seria exatamente por isso?) e muito menos jornalista para ter o direito constitucional de fazer a pergunta que consta do título acima. Basta respirar os ares fétidos da Província dos Sete Anões. O promotor público da Habitação de Santo André, Fábio Franchi, estimula a responsabilidade e a criatividade de quem busca a resposta sugerida. Afinal, quem seria Fábio Franchi? Veja as alternativas:
Um zeloso funcionário público que não dá ponto sem nó, por isso tem de tomar todos os cuidados para não fornecer informações que comprometam tanto ele quanto a instituição que representa, o Ministério Público Estadual.
Um descuidado funcionário público fora do alcance de respostas que a sociedade mesmo que desorganizada como a desta Província dos Sete Anões tanto sonha.
Um atormentado funcionário público envolto em tantos processos que mal dispõe de tempo para explicar o andamento de determinados inquéritos.
Restrinjo-me às três alternativas excludentes entre si, embora pudesse, com a fertilidade da experiência de lidar com agentes públicos e privados, preparar um decálogo para tentar enquadrar sem possibilidade de equívoco o comportamento funcional do promotor público em questão.
Protagonismo esperado
Escrevo com a tranquilidade de quem não carrega em eventuais interpretações subjetivas qualquer tipo de maliciosidade em detrimento do promotor público Fábio Franchi, mas o faço por pura imposição ditada pelo interesse público.
O promotor público é responsável pela apuração de irregularidades no mercado imobiliário de Santo André. Supostamente, claro. Escrevo supostamente porque a imensidão de irregularidades denunciadas jamais ultrapassa a linha divisória de atuação do Ministério Público. Se há trabalhos executados e penalidades aplicadas, só Deus sabe.
Depois de longa invernada o Diário do Grande ABC de hoje publica uma reportagem sobre irregularidades no mercado imobiliário. E, surpreendente, o promotor público Fábio Franchi aparece como protagonista. O que ele acaba de denunciar deveria ser rotina. O caso que sintetizo em seguida faz parte do roteiro de falcatruas de instâncias da Prefeitura de Santo André e agentes privados.
Sob o título “Acionada, Justiça analisa fraude em empreendimento de Santo André”, o Diário do Grande ABC informa que a Justiça averigua irregularidades apontadas em denúncia envolvendo empreendimento imobiliário no Bairro Casa Branca, em Santo André, alvo de ação civil do Ministério Público. “Decisão do dia 4 concede liminar a pedido da Promotoria e bloqueia valores relacionados às empresas responsáveis pelo projeto, até o montante de R$ 12,7 milhões”.
Segue a notícia do Diário: “O processo é decorrente de inquérito para verificar fraudes na construção do Edifício Residencial Way Casabranca, investigado por supostamente ter burlado a legislação municipal. A medida abrange as empresas Tatuí Santo André Empreendimentos Imobiliário, Reluma Incorporadora e Attica Construção Civil.”
Palavras do promotor
Agora, vamos chegar ao promotor público sobre o qual ainda tenho mais informações aos leitores. Vamos a novos trechos da reportagem do Diário do Grande ABC:
O caso foi aberto em setembro de 2015 pelo promotor Fábio Franchi. Segundo a acusação, o conjunto obteve aprovação como habitação de mercado popular, voltado à população com renda familiar mensal entre seis e dez salários mínimos, mas desvirtuou estas características. O conceito tem a finalidade de possibilitar a produção de unidades com menor custo nas áreas centrais, e diante disso, permitir maior inclusão de pessoas de baixa renda. Depois de encaminhado o projeto, conforme a apuração do MP, um dos dois dormitórios com closet foi transformado em suíte, o que facilita a venda, é muito mais rentável, porque agrega valor, torna-se mais caro, descaracteriza por completo a proposta social e traz maior lucro ao empreendedor. Caso o plano não se enquadrasse nos requisitos, o máximo permitido seria 50 apartamentos. “Com a venda de 26 unidades excedentes, as empresas arrecadaram pouco mais de R$ 6,3 milhões”, informa a Promotoria – afirma o jornal.
Administração Pública fora
Para o promotor público da Habitação de Santo André, Fábio Franchi, conforme a reportagem do Diário do Grande ABC, “houve enriquecimento ilícito de todos os réus, com a construção e venda fraudulenta de 26 unidades além do permitido”. Ainda segundo o jornal: “O valor imputado refere-se ao preço de cada unidade (R$ 244 mil), multiplicado pelo volume excedido de apartamentos. O MP não viu envolvimento da Administração Pública”.
Lembram-se os leitores do início deste artigo sobre as três alternativas do desempenho funcional do promotor público Fábio Franchi? Ótimo, então agora vou explicar a razão básica da indagação do título deste trabalho jornalístico.
Resumidamente, desde setembro do ano passado estou à espera de informações de Fábio Franchi sobre megaempreendimento imobiliário repleto de irregularidades. Trata-se do Royale Residence, que consta de várias matérias desta revista digital. Vai completar um ano e o promotor da Habitação de Santo André não se manifesta.
Mais que isso: também informei-o sobre gigantesco estoque de irregularidades no mercado imobiliário de Santo André, do tipo que o representante do MP aponta agora no caso do Bairro Casa Branca, e nada também me foi oferecido em resposta. Santo André é uma Sodoma e Gomorra de falcatruas imobiliárias e o promotor público aponta, por enquanto, apenas um caso.
Fontes credenciadas
Quem está dizendo que Santo André é a expressão máxima de bandidagens imobiliárias é este jornalista, mas sou apenas a extensão de pelo menos duas fontes que podem ser inqueridas pelo promotor público da Habitação de Santo André (e ele sabe disso faz muito tempo). O primeiro é o delator do escândalo do Semasa, advogado Calixto Antonio Júnior. O segundo é o ex-presidente do Semasa, engenheiro Ney Vaz.
Na escala de valores e de fundamentação técnica, Ney Vaz é o mais recomendável e confiável. Na escala de conhecimento dos subterrâneos de gestão pública, porque integrou o governo do prefeito Aidan Ravin e é um dos denunciados pelo Ministério Público de Santo André, Calixto Antonio Júnior é insuperável.
Recorrer a matérias que já escrevi sobre as declarações de Calixto Antonio Júnior talvez seja uma boa pedida para fortalecer a demanda investigatória do promotor público da Habitação de Santo André. Sob o título “Denunciante do caso Semasa vai ao MP com artilharia pesada”, escrevi em 20 de agosto de 2012 um artigo do qual retiro alguns trechos autoexplicativos:
O advogado Calixto Antonio Júnior volta às 14h desta terça-feira ao Ministério Público de Santo André para renovar o depoimento prestado ao promotor criminal Roberto Wilder Filho sobre a Máfia do Semasa (...) Calixto saiu do noticiário político desde que o calendário eleitoral ganhou prioridade e as irregularidades na autarquia de água e esgoto da Prefeitura de Santo André passaram a ser interpretadas como uma agenda incômoda a vários atores políticos. (...) Um dos pontos nucleares do depoimento de Calixto Antonio Júnior ao Ministério Público nesta terça-feira, segundo adiantou com exclusividade para CapitalSocial, é o manancial de delitos à liberação de grandes empreendimentos imobiliários em Santo André nos últimos anos, durante o período mais fértil do setor embalado por muito crédito. Repetindo o que afirmara no depoimento no Legislativo de Santo André, Calixto vai reiterar ao MP que basta uma devassa nos trâmites burocráticos das 40 maiores obras privadas em Santo André nos últimos anos para escarafunchar meandros da corrupção que emanava, segundo afirma, do chefe do Executivo.
Palavra de quem conhece
Agora, uma referência denunciatória de Ney Vaz, ex-superintendente do Semasa. No último dois de junho deste ano escrevi sobre irregularidades no Royale Residence, conjunto de oito torres de classe média-média ao lado do Shopping ABC. Eis o trecho do artigo em que faço citação a Ney Vaz:
A barafunda ambiental no mercado imobiliário de Santo André, confirmada pelo profissional que mais entende do assunto na região, o engenheiro Ney Vaz, ex-superintendente do Semasa em períodos que não contemplaram escândalos, estimula que não só o Royale como outros empreendimentos imobiliários formam o que poderia ser chamado de glorificação de abusos.
Embora resumida numa única frase (“O MP não viu envolvimento da Administração Pública”) a reportagem do Diário do Grande ABC de hoje traduz a declaração do promotor da Habitação Fábio Franchi que dialoga com a inusitada conclusão do MP de Santo André na denúncia oferecida à Justiça no caso do escândalo do Semasa.
Ou seja: enquanto o Brasil inteiro toma conhecimento da gênese que fez do chamado Petrolão o maior caso de corrupção da história, e enquanto em São Paulo o Ministério Público denunciou servidores públicos e empresários delituosos no caso da Máfia do ISS, aqui na Província dos Sete Anões a roubalheira sacramentada e ainda longe de ser abrangentemente punida conta com apenas um lado do balcão de negociatas. Impressionante, para não dizer outra coisa.
Que milagre é esse?
Qual seria o milagre que torna o Paço Municipal de Santo André imune a dores de cabeça criminais no caso mencionado na reportagem de hoje do Diário do Grande ABC?
O que tem a dizer o prefeito Paulinho Serra sobre o assunto. Sim, o delito apontado pelo MP não se deu durante seu mandato, que se iniciou em janeiro último, mas como a roubalheira tem origem nos escaninhos públicos (alguém duvida?) não há saída ética senão, independentemente da vontade do Ministério Público, ir a fundo às investigações. E, com isso, mais adiante, auxiliar o MP na conclusão da operação.
Ou seja: até prova contundentemente em contrário, o novo escândalo imobiliário em Santo André não contaria mesmo com apenas um dos lados do balcão, no caso, neste caso, de empresários supostamente inescrupulosos. Contrariamente, portanto, ao que se deu no escândalo do Semasa, no qual os bandidos sociais só vestiam indumentárias públicas. Os mercadores imobiliários eram homens santos.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!