Sociedade

Gata Borralheira mata mais
que a Cinderela no trânsito

DANIEL LIMA - 20/07/2017

E não é que a borralheiresca Província dos Sete Anões mata mais gente em acidentes de trânsito do que a Cinderela São Paulo, Capital do Estado? Os dados deste texto são do primeiro semestre deste ano. Isso significa que as informações estão sujeitas a variáveis? É pouco provável que se alterem realidades do dia a dia de forma abrupta, numa espécie de cavalo de pau. 

Por isso o melhor mesmo é acreditar que o confronto entre a região e a Capital tem fundamentação sólida. Matamos mais gente no trânsito que São Paulo. Restaria saber desde quando frequentamos esse prostíbulo de descaso.   Tenham certeza de que não se limita a essa temporada. Nossas omissões começam no passado e ganham status de pós-graduação. 

Fiz uma junção dos dados publicados no Diário do Grande ABC (sobre as estatísticas exclusivamente locais) e na Folha de São Paulo (sobre os números exclusivamente da Capital) e fui adiante ao levantar as frotas de veículos dessas duas geografias interdependentes. 

Não tem sentido para quem é regionalista como eu, metropolitano como eu, federativo como eu e mundialista como eu fixar-me apenas em informações locais. 

Vitória vexatória 

Os vasos comunicantes da economia, da infraestrutura física e social e de tudo que se compreende como emblemas práticos da vida metropolitana, não podem ser subestimados quando há intersecção possível de ser elaborada. Daí a ideia de cruzar os números para chegar à conclusão de que finalmente ganhamos de São Paulo em alguma coisa – mesmo que seja uma coisa vexatória. Nosso Complexo de Gata Borralheira é insuportável para o bem e para o mal.

Para chegar à conclusão de que o trânsito de São Paulo mata menos que o da Província dos Sete Anões peguei os dados do primeiro semestre deste ano nas duas localidades e também as respectivas frotas de veículos mais atualizadas, do primeiro semestre do ano passado. 

Aparentemente, a distância é mínima: a Província matou 117 pessoas no trânsito nos primeiros seis meses deste ano, enquanto na Capital foram 411. Como São Paulo tem frota de veículos de 8,3 milhões e a Província de 1,8 milhão, a diferença é 4,64 vezes superior favorável à Capital. No remelexo dos dados, constata-se que a diferença de mortes no trânsito em São Paulo no período de estudo foi 4,11 vezes superior à da Província. Ou seja, um resultado proporcionalmente inferior às frotas de veículos. 

E as frotas flutuantes? 

Essa é uma conta simples, reconheço. Haveria nuances a ponderar, mas serve de indicativo da calamidade da segurança veicular na região. Por ser Província, não Capital, deveríamos ter números bem menos escandalosos quando confrontados com São Paulo. 

Uma subjetividade numérica que não aparece na conta que fiz porque se trata exatamente de subjetividade, sujeita portanto a interpretações perigosas, diz respeito à frota flutuante. Ou seja: além das frotas físicas estatisticamente medidas na Província e na Capital, há um fator que não pode ser desconsiderado: os veículos de todos os tamanhos e usos que se utilizam dos dois territórios e que se inserem na chamada frota flutuante. Inclusive no troca-troca diário de territórios entre os usuários de veículos. 

Muito mais gente motorizada da região frequenta as ruas e avenidas de São Paulo do que o inverso. A degringolada econômica da região chegou a tal ponto que um quarto da População Econômica Ativa dos sete municípios trabalha na Capital. Os paulistanos que trabalham na região são contingente bem menos expressivo. 

Descaso assustador 

A centralidade econômica, cultural e social da Capital do Estado eleva às alturas a ocupação diária das vias públicas. O trânsito em São Paulo, cidade de negócios, é reconhecidamente muito mais dinâmico (se se pode chamar algo caótico de dinâmico) que o da Província. Pelas leis das probabilidades, o potencial de acidentes e mortes no trânsito de Capital é muito superior ao que oferecemos de risco patente da Província. Então, por que matamos mais gente? 

Não quero fazer deste texto um tratado sobre os riscos de dirigir veículo ou ser pedestre em São Paulo e na Província dos Sete Anões, mas está na cara que também fracassamos quando se trata de cuidar de vidas humanas, para não dizer de vidas animais como um todo. 

Deixei de correr minha corrida costumeira na Estrada Velha de Santos porque fiquei traumatizado com tantos cachorros mortos à beira do caminho. O que deveria ser um exercício de prazer estava virando um martírio. 

O Clube dos Prefeitos investiu uma nota preta durante a gestão de Luiz Marinho para supostamente reduzir os níveis de mortes no trânsito da região. Realizaram um programa chamado “Travessia Segura”, mas os resultados não foram transparentes como deveriam. E não o foram também satisfatórios, exceto para os veículos de comunicação que se empanturram de ganhar dinheiro com peças publicitárias. 

Joga-se muito para a plateia, com a omissão, quando não com o alardeamento festivo, da mídia. A conveniência de interesses cruzados na Província tem o poder de mascarar o que pareceria inviolável. Vende-se gato por lebre com desfaçatez repetitiva e impune. 

Trocando experiências 

Comparar os efeitos deletérios do trânsito da região com os da Capital é obrigação. Desfilar números exclusivamente da região não quer dizer nada para quem vive numa metrópole. Diria mais: dados de capitais metropolitanas de São Paulo, como Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, deveriam ser transplantados ao Clube dos Prefeitos, em busca de diálogo produtivo e de soluções. Será que aqueles três municípios são mais assassinos que a Província em termos de segurança no trânsito?

As vizinhas metropolitanas Guarulhos, Barueri e Osasco também poderiam servir de referências a estudos. Será que o fato comprovado nas estatísticas que produzo à exaustão de que aqueles três municípios cresceram em geração de PIB (Produto Interno Bruto) muito acima da Província neste novo século não teria vínculos explicativos também por conta da qualidade de vida sobrerrodas? 

Por mais que haja distinções no uso do espaço público entre municípios igualmente diversos, qualquer especialista no assunto não descartará jamais a ideia de que se produzam estudos que identifiquem políticas públicas eventualmente vitoriosas no combate à incidência de acidentes e mortes no trânsito e, com isso, possam ser adaptadas pelos demais municípios. 

Produto Intelectual Líquido 

Viram que essa ideia poderia facilmente ser inserida no conceito do PIL (Produto Intelectual Líquido), indicador que lançamos outro dia como estímulo e provocação aos gestores públicos e às instituições em geral?

O que não podemos aceitar passivamente é o rotineiro transmitir de informações sobre mortes no trânsito sem que alguma coisa decorra disso para obstar essa corrida macabra que infelicita milhares de famílias. Pedestres e motoqueiros são vítimas preferenciais, conforme as estatísticas. Nada surpreendente, aliás. São os elos mais fracos de uma corrente enferrujada.  

Chegamos ao fundo do poço de irresponsabilidade a ponto de se verificarem mais cadáveres nas ruas e avenidas da região do que nos escaninhos dos homicídios. 

Até quando vamos continuar a ostentar a marca de Província dos Sete Anões que só os imbecis juramentados rejeitam? 



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