Sociedade

Valor publica texto imperdível
sobre as conexões bandeirantes

DANIEL LIMA - 21/07/2017

No Caderno Especial de todas as sextas-feiras do jornal Valor Econômico, melhor periódico brasileiro, não faltam exemplos que referenciam qualidade editorial em contraponto a muitas bobagens e imprecisões de outros veículos impressos. Na edição desta sexta-feira o texto assinado por Maria Cristina Fernandes é imperdível. “O Consórcio bandeirante dos Três Poderes” não é uma matéria para ser simplesmente lida. Deve ser metabolizada, refletida e tudo o mais.

Particularmente para este jornalista, é um presente especial. Tenho dito e já escrevi sobre o assunto: há uma porção do Judiciário e do Ministério Público que não me engole desde que mergulhei no caso Celso Daniel e não tive dúvida em opor-me à tese furada do Ministério Público Estadual que atribuiu o assassinato à gestão político- administrativa petista, retirando-o das sequelas de um caótico sistema de Segurança Pública de então, conforme concluiu a Polícia Civil e a Polícia Federal. 

Nem vou me referir a outras medidas que tenho sofrido por denunciar a rede de corrupção que instala a Província dos Sete Anões, como chamo o antigo Grande ABC, num patamar em que meritocracia é motivo de deboche – e a liberdade de opinião um escárnio.  

O que interessa agora, neste artigo, é transpor aos leitores alguns trechos da matéria do Valor Econômico. Insisto na necessidade de os leitores desta revista digital imbuírem-se de sensibilidade e atenção adicionais. Vale a pena enveredar pelo mundo da especulação, no bom sentido do termo, para entender determinadas situações históricas no Estado de São Paulo. Algo que pode estar ameaçado com a anunciada chegada da força-tarefa do Ministério Público Federal (e também da Polícia Federal) por conta de desdobramentos da Operação Lava Jato. Vamos então a alguns trechos da matéria de Maria Cristina Fernandes: 

 (...) Suspensões favoráveis ao Estado são rotina na segunda instância judicial paulista. Pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, Luciana Zaffalon analisou 566 processos que passaram pela presidência do TJ entre 2012 e 2015. Encontrou uma única situação em que o Estado foi derrotado 100% das vezes: ao questionar a aplicação do teto remuneratório no serviço público, em especial das carreiras do Judiciário, as mais bem pagas do Estado.  

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 O governador Geraldo Alckmin foi o principal autor das benesses. Aprovou 91% das propostas que apresentou. Foi contemplado ainda com a possibilidade de suplementação orçamentária sem o crivo da Assembleia, o que, apenas no ano de 2015, resultado em quatro acréscimos às verbas do Tribunal de Justiça do Estado. 

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 (...) O ineditismo de sua tese está na demonstração de como a elite judiciária de São Paulo ao mesmo tempo em que blinda a política de segurança pública do Executivo tem garantido uma politica remuneratória que se vale de subterfúgios para extrapolar o teto constitucional. O dueto é avalizado pela Assembleia, em prejuízo do contribuinte e principalmente, da democracia. 

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 Os últimos sete secretários de Segurança Pública do Estado são egressos do Ministério Público. A tese demonstra que não se trata de uma coincidência. A repressão a manifestações (...) e as políticas prisionais seguem sem questionamentos daquele que deveria ser um dos principais contrapesos ao monopólio da violência no Estado. 

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 (...) A pesquisadora valeu-se do orçamento aprovado e do órgão de controle da magistratura para se aproximar da caixa-preta da toga paulista. Na Alesp, presidida durante a maior parte do período pesquisado por um parlamentar egresso do MP (Fernando Capez), encontrou um fundo especial de despesas do TJ lá aprovado e destinado ao custeio de penduricalhos como auxílio alimentação, creche e funeral. Em relatório o CNJ identificou que a despesa média mensal com magistrado na justiça estadual em 2015 foi de R$ 45.906,00. 

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 (...) Os dados de que dispunha, no entanto, lhe foram suficientes para concluir que a remuneração das carreiras judiciais em São Paulo é superior à média federal e à de cinco países europeus: França, Alemanha, Portugal, Espanha e Suécia. 

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 Além de procuradores que comandam a Segurança Pública há duas décadas, o modus operandi da carreira já ditou as cartas na Secretaria de Governo (Marcio Elias Rosa) e hoje ocupa a Secretaria de Educação. A gestão de Renato Nalini foi responsável pela reforma que levou à ocupação das escolas estaduais no ano passado. A aliança precede a chegada dos tucanos no poder. O PMDB ocupava o Palácio dos Bandeirantes com um titular egresso do MP (Luiz Antonio Fleury Filho) no massacre do Carandiru. Depois do estrago, um procurador do Estado, Michel Temer, seria indicado para conduzir a Segurança Pública, sinal de que o consórcio dos Poderes antecede o PSDB, dá gênese à aliança com o PMDB e se nacionalizou. 

Corregedoria omissa?

Tenho pelo Sistema Judicial o respeito de jornalista que ainda acredita em transformações que indiquem a existência de forças suficientes para a aplicação das regras do jogo democrático nesta Província.  Em 13 de junho de 2013, por exemplo, recorri ao Corregedor-Geral do MP na expectativa de ser ouvido. Não fui atendido, claro. Nesse período, coincidentemente ou não, fui o endereço preferencial de queixas-crimes de um empresário denunciado na Máfia do ISS de São Paulo. Todas favoráveis a ele em segunda instância, quando não em primeira. Reproduzo alguns trechos daquele desabafo sob o título “Vou ao Corregedor-Geral do MP contra perseguição de promotores”. Leiam: 

 Este é um desabafo endereçado principalmente e por enquanto ao Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado de São Paulo, que acaba de mandar abrir investigações sobre o escândalo do leilão arrematado de forma fraudulenta pela MBigucci.  Não sei que caminhos jurídicos tomarei, se forem necessários. Vou consultar especialistas. Provavelmente irei a instâncias máximas do Judiciário e também do próprio Ministério Público para afirmar com todas as letras: alguns integrantes dessa importante instituição para o equilíbrio do ordenamento jurídico do País não me perdoam e me perseguem porque não me alinhei à tese de que o assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, deu-se por conta de suposta rede de propinas no Paço Municipal. Só existe uma possibilidade de integrantes do Ministério Público da região, sobretudo vinculados ao caso Celso Daniel e suas ramificações mais próximas, não estarem a me mover perseguição: se não entenderem absolutamente nada de investigação criminal para esclarecer pelo menos três casos denunciados por este jornalista: as irregularidades ambientais e processuais-burocráticas do condomínio Residencial Ventura, no Bairro Jardim, em Santo André, as aberrações jurídicas e administrativas da Cidade Pirelli, também em Santo André, e os mais que provados desvios licitatórios que levaram a MBigucci a arrematar por valor muito abaixo do mercado um terreno privilegiadíssimo, hoje estimado em pelo menos R$ 70 milhões e sobre o qual anuncia decisão de construir o chamado Marco Zero, em São Bernardo. 

Mais desabafo ao Corregedor-Geral 

 Disponho de fontes para assegurar completa indisposição de alguns integrantes do Ministério Público a tudo que este profissional apresentar como atividade jornalística, como poderia ser definido um trabalho histórico porque mais completo que o de qualquer outra mídia sobre a cobertura do caso Celso Daniel. Alguns deles não teriam esquecido o quanto colidimos durante os anos de desdobramentos daquele assassinato. Já outros, mais sensatos, entenderam as especificidades de abordagens dos mundos profissionais que vivemos. 

Mais desabafo ao Corregedor-Geral 

 (...) Costumo dizer aos mais próximos que a síntese de que Sérgio Gomes da Silva foi quase tão vítima quanto Celso Daniel é que nem mesmo a revista Veja, numa edição histórica, teve a ousadia editorial que normalmente não lhe falta nas bolas divididas, para afirmar que o crime se desenrolou conforme a versão dos integrantes do Gaerco. Ao colocar um imenso ponto de interrogação sobre a motivação do assassinato, a publicação da Editora Abril revelou senso de responsabilidade que as esquerdas não costumam lhe atribuir. 

Mais desabafo ao Corregedor-Geral 

 (...) Mergulhei no caso Celso Daniel certo de que poderia ser mal visto pelo Ministério Público local, mas jamais imaginei que chegasse ao ponto que chegou. Sempre acreditei que ao realizar as denúncias dos três casos mencionados, seria prontamente chamado a novos esclarecimentos, a um compartilhamento de informações. Qual nada. Houve sim hostilidades sutis, como no caso da MBigucci, quando não total descaso. A promotora Mylene Comploier me convidou apenas uma única vez para prestar informações, depois de insistência minha, por conta de um primeiro e precipitado engavetamento do processo. À apresentação de mais provas e documentos, e de novo engavetamento, simplesmente me ignorou. Mesmo depois de lhe enviar 123 mil caracteres do pacote final de matérias que tipificam o crime cometido em São Bernardo – tudo consubstanciado por provas materiais.  

Mais desabafo ao Corregedor-Geral 

 Não é esse Ministério Público insensível a informações que a sociedade deseja como instrumento de construção de contraditórios que favoreçam decisões do Judiciário. Esse Ministério Público que conheço na Província do Grande ABC, fortemente contaminado pelo caso Celso Daniel, não é o exemplo que me leva a estimular uma de minhas filhas, estudante de Direito, a ingressar na carreira. O MP que aprecio e que coloco como meta para que ela tenha um objetivo de responsabilidade social é o MP que coleciona ações para desbaratar quadrilhas de colarinho branco, de empreiteiras, de emendas parlamentares, de tudo o que a sociedade aprecia como ancoradouro de esperança, principalmente no combate à metástase de setores públicos sempre em conluio com quadrilhas de espertalhões da iniciativa privada. Vou remeter cópias deste texto a variadas instâncias do Ministério Público porque não posso acreditar que seja apenas uma coincidência a inaptidão investigativa dos casos relacionados, principalmente porque, como jornalista que não se contenta com apenas transcrever declarações nem sempre confiáveis de terceiros, fui a fundo ao trabalho de campo entre outros motivos porque não engano os leitores e tampouco me satisfaço com superficialidades. 

Mais desabafo ao Corregedor-Geral 

 Não acredito sinceramente que esteja a ver fantasmas sobre a retaliação que tenho sofrido de alguns integrantes do Ministério Público da região. Nada que uma corregedoria longe dos tentáculos da Província do Grande ABC não possa avaliar. Quem se habilitará em proporcionar esse direito inalienável a quem quer apenas continuar a prestar serviço de interesse público, essência do jornalismo? Esse é um desabafo que pode contribuir para desanuviar o ambiente mas que também tem uma carga de potencialização de hostilidades. É melhor correr o risco do que manter-me em silêncio, um silêncio que representa ônus para os consumidores de informações. Peço sempre a Deus que entre tirar-me a vida e me sonegar a coragem, que execute a primeira alternativa. 



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