A chegada do supersecretário da Prefeitura de Santo André, José Police Neto, vereador de quatro mandatos em São Paulo e homem de confiança de Gilberto Kassab, um dos intervencionistas na Administração de Paulinho Serra, tem levado alguns formadores de opinião a praticar duplo erro.
O primeiro é o xenofobismo municipal, que também é regional.
O segundo é o gataborralheirismo municipal, que também é regional.
O desvio avaliativo retira o principal ponto do foco de avaliação: Police Neto serve para ocupar o cargo em questão?
Police Neto tem competência à tarefa à qual foi designado?
Police Neto tem competência à tarefa de que Santo André e a região tanto precisam?
Police Neto é um agente público que destilaria uma política reformista no modus operandi mais que superado, ultrapassado, vencido, em Santo André e no Grande ABC?
Police Neto estaria apenas a serviço de interesses político-eleitorais e, como variante disso, fortaleceria em Santo André e na região o vírus do triunfalismo inconsequente, de viés individualista e grupal?
Operação desmanche
Police Neto é a confirmação de uma operação de desmanche do poder Executivo de Santo André na forma com que a população imagina, de que o titular é mesmo titular e não apenas um fantoche do entorno que o controla.
Vou um pouco mais longe: o contexto de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Grande ABC, área na qual nenhum Município pode ter retirado seletivamente para eventuais políticas prioritárias, permite que alguém que venha de fora possa ser bem-aproveitado e contribua com medidas reformadoras?
Primeiro, vamos explicar os conceitos em questão. Afinal, de que se trata xenofobismo e de que se trata gataborralheirismo?
Cara e Coroa
Xenofobismo está nos dicionários da língua portuguesa e em todas as línguas. Trata-se, de forma simples, de medo do estrangeiro. Não foram poucas as vezes em que a mídia regional tratou os estranhos à vida local como forasteiros.
O tom foi sempre pejorativo, muitas vezes desrespeitoso, traduzido que poderia ser em algo como “invasor”, “quem você pensa que é” e tantas outras ações que poderiam ser consideradas abjetas.
O xenofobismo municipal e regional no Grande ABC sempre foi e continuará a ser um jogo de conveniências. Depende principalmente do prefeito de plantão e do gosto da mídia em sintonia como uma porção de coisas que tornam análise nem sempre justas.
O gataborralheirismo, como o xenofobismo, reúne semelhante característica discriminatória em forma de moeda avaliadora. A diferença é que a designação depende do lado em que a moeda cai ao solo. Cara e coroa, para ser mais didático. A moeda da tolerância, da democratização de decisões, da meritocracia e da indignação, essa moeda não cai de pé. Nem haveria como.
Para combater a candidatura à reeleição de Celso Daniel à Prefeitura, em 2000, importou-se o deputado federal Celso Russomano. Quem sempre combateu os forasteiros com xenofobismo municipalista e regional tratou de envergonhadamente apoiar o oponente, à falta de um representante do conservadorismo de Santo André.
Russomano apanha feio
Entenda-se conservadorismo no campo político no Grande ABC como a estratégia de encabrestar o prefeito de plantão. Os oposicionistas, supostos reformistas, não querem outra coisa também. É uma luta por poder com embalagens ideológicas da moda.
Celso Russomano virou o libertador da hora àquela eleição. Arranjaram-lhe até um domicílio eleitoral fajuto. Constava, portanto, da lista de primeira necessidade antipetista. Os agentes políticos locais não teriam a menor possibilidade de sucesso eleitoral. Era preciso buscar um reforço. Fosse do outro lado, seria chamado de forasteiro.
Russomano e sua turma não deram conta do recado eleitoral porque Celso Daniel fez quatro anos brilhantes, em oposição aos quatro anos medíocres do primeiro mandato. Nadou de braçadas mesmo tendo a mídia regional, em larga escala, opondo-se ao PT.
Acima dos conceitos
Não se pode atribuir ao gataborralheirismo rebelde o sucesso de Celso Daniel nas urnas. Todos sabem ou deveriam saber que o maior prefeito regional da história estava acima dessas etiquetagens. Era um administrador com olhos no mundo. Mesmo com os vieses conhecidos.
Exatamente por não se enquadrar na partitura conceitual de xenófobo e tampouco gataborralheiresco, Celso Daniel superou Russomano e os articuladores de campanha. Foi uma lavada, para ser mais preciso. A maior votação relativa em Santo André desde a redemocratização. Uma marca que áulicos de Paulinho Serra tentam sufocar com fake news que desconsideram os votos disponíveis. Algo como esquecer o desgaste da moeda em forma de inflação para calcular o PIB e tantas outras coisas.
São tantos os casos em que xenofobismo e gataborralheirismo se chocam que o melhor é dar um salto no tempo e conferir agora com a chegada de José Police Neto. Quem tanto condenou o desembarque de forasteiros agora idolatra o primeiro-ministro imposto por Gilberto Kassab. Police Neto é colocado em posição de destaque. O que isso significa?
Neologismo de muitas faces
Convém lembrar que a definição do verbete gataborralheirismo, num dos sentidos psicossociológicos em que o instalei, é o tratamento servil aos que vem de fora. Os índios extasiados ante bugigangas dos descobridores de novas terras.
Gataborralheirismo é, portanto, um neologismo deste jornalista. Deriva do livro “Complexo de Gata Borralheira”, que escrevi em 2002. Gataborralheirismo tem algumas faces que se cruzam e provocam atritos. É, numa das versões, o sentimento de nativos embevecidos com estranhos, como se estivessem diante de um mito, de um deus do Olimpo.
Uma outra versão de gataborralheirismo, e paradoxal, que também consta de o “Complexo de Gata Borralheira”, trata do reverso do encantamento acrítico, em forma de autoafirmação suicida.
Os índios basbaques decidem reagir à sedução de quinquilharias e exibem os próprios badulaques, artesanais, aos invasores das terras. A emenda é pior que o soneto. Ante à automaticidade da superioridade externa emerge a compulsoriedade de suposta prevalência interna.
Entre o xenofobismo e o gataborralheirismo existem nuances que precisam de escrutínio cuidadoso.
Confundindo as bolas
É indispensável distinguir um do outro. E a melhor forma de os colocar nos respectivos recipientes é recomendar que não se confundam as bolas, situação que se dá conforme o exemplo rudimentar acima.
Quem não enxerga as próprias limitações e as próprias vantagens comparativas está fadado ao fracasso. O Grande ABC é o centro de um teatro de absurdos. Um tabajarismo sem limites.
Police Neto é o homem que Paulinho teve de aceitar na Administração de Santo André. Cada vez mais manda menos na Prefeitura. É um preço alto que está pagando porque quer, com a recompensa de um arranjo político-eleitoral, evitar que no futuro seja apenas ex-prefeito? Vou responder às perguntas acima numa próxima edição. Antecipo que Police Neto não vai gostar. Nenhum primeiro-ministro importado ou nativo gostaria. Política com olhos nas urnas e Desenvolvimento Econômico Estratégico não costumam dar liga. Não se trata nem de xenofobismo nem de gataborralheirismo. É a economia em cruzamento com a política tendo a sociedade como agente principal.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!