Sociedade

Atire a primeira pedra quem
já não pecou por ser otimista

DANIEL LIMA - 19/03/2021

Quando se trata do vírus chinês o otimismo é parente muito próximo da ignorância que, por sua vez, é estreitamente ligada ao imponderável. Por isso estou nessa categoria: sou um ignorante que desprezou o imponderável, daí ter optado pelo viés otimista quando no ano passado começaram a saltar das planilhas dos cientistas projeções sobre o montante de vítimas fatais do Coronavírus.  

Projetei para o Grande ABC, com base no melhor cenário possível dos especialistas, não mais que 588 mortes. Já chegamos a quase 10 vezes isso. Uma barbaridade. Estou entre os infectados que se salvaram. Mas também estou entre os infectados que se salvaram e estão morrendo de medo de serem infectados de novo, agora, segundo a ciência, mais duramente ainda. 

Passo pelo corredor polonês de pressão psicológica da família que já programou a data em que terei de me vacinar. Acho que não tenho escolha. Sou da turma que desconfia de vacinas feitas na correria, como são as vacinas de combate à pandemia, mas não há coisa melhor na praça.  

Medo de morrer  

Se na infecção inicial estava saudável e resistente, porque mantenho atividades físicas razoavelmente fortes, desta vez estou cambaleante e convalescente por razão que todos sabem.  

Meu medo de morrer na praia é enorme. Só diz que não tem medo do vírus chinês quem é ignorante. E nesse caso a ignorância é de outra cepa, diferentemente da ignorância de projeção numérica de mortes.  

Uma coisa, a projeção numérica de mortes, virou loteria; outra coisa, a ignorância sobre o que se passa nestes dias, é uma mistura de alheamento e renitência estúpida. Ou seja: vou ter de encarar a vacina que vier e está acabado.  

Muito além da expectativa 

Mas vamos voltar ao que interessa hoje. O que interessa é mostrar porque cai do cavalo naquele texto de sete de abril do ano passado, quando peguei o atalho do conforto da confiança em dias menos tormentosos e sapequei não mais que 588 mortes por Coronavírus na região.  

Segui o receituário de especialistas, como se verá na matéria abaixo. Acho que ninguém naquela altura do campeonato poderia esperar algo diferente. Quase 600 mortes no Grande ABC já era uma quantidade enorme. O vírus chinês não completara 30 dias de letalidade no Brasil.  

Selecionei aos leitores os primeiros trechos daquele artigo. Está aí a prova provada, provadíssima, de que errei clamorosamente.  

Meu consolo é que jamais cometi tamanho tropeço em qualquer outra análise e que, também, estou acompanhado de muita gente da mídia que, igualmente, optou pelo otimismo de covas que se abririam.  

Duro mesmo, cá entre nós, é o legado de acadêmicos que constam de fontes do jornalismo regional, cujas projeções, sem imponderáveis e condicionantes pandêmicas, já cometeram derrapagens estratosféricas. Mais que isso: mesmo com passivos enormes, garbosamente desfilam novos números que, repetidamente, se esborracham nas paredes da realidade.  

Trataremos disso, mais uma vez, qualquer dia destes. Agora, fiquem com os melhores (ou piores) momentos do texto de abril do ano passado. E atire a primeira perda quem não errou ao se meter em ser otimista.  

Morrerão mesmo 588 no

Grande ABC e 24 em Salto? 

 DANIEL LIMA - 07/04/2020 

Do ponto de vista estritamente matemático é uma ilusão acreditar que corro menos risco de ser vítima do Coronavírus em Salto, Interior do Estado, a 130 quilômetros de São Bernardo, do que no Grande ABC. Mas a matemática mesmo enganadora ajuda quem está distante do Grande ABC a acreditar que conta com vantagem probabilística. Até porque não me fio apenas na matemática. Como os leitores poderão ler. Dito isso, mesmo se fosse ignorante em todas as outras indicações que supostamente mediriam os riscos de estar aqui ou aí, teria uma vantagem psicológica que faz a diferença. Mas vou me fixar apenas, por enquanto, na matemática.  Depois invado outros terrenos, os quais me dão ainda mais conforto, agora de fato.  Será? 

Entre as melhores projeções que detectei até agora a possibilidade de Salto registrar 24 mortes parece muito melhor do que estar no Grande ABC, onde estão previstas 588. Convenhamos que é uma senhora vantagem, mesmo que ilusória. O conforto psicológico atenua a pressão ambiental. Para cada quatro mortos em Salto, seriam 100 no Grande ABC. 

Vamos, portanto, à raiz dos números. Trata-se da equipe de epidemiologistas do Imperial College, de Londres. Eles analisaram o impacto da covid-19 em 202 países, entre os quais o Brasil. A última versão do cálculo foi tão contundente que levou o primeiro ministro, Boris Johnson, infectado pelo novo Coronavírus, a apertar o nó da estratégia de isolamento no Reino Unido. A observação, nestes termos, compôs ampla reportagem publicada no final de semana pelo jornal Valor Econômico. No estudo dos técnicos britânicos, foram traçados três grandes cenários. No primeiro, nada seria feito contra a pandemia. Os infectados somariam sete bilhões de habitantes do planeta e 40,6 milhões morreriam. Na segunda hipótese, seria adotada uma estratégia de isolamentos parciais, reduzindo em 42% as internações entre indivíduos. Se as medidas abrangessem apenas idosos, o número de mortes cairia para 20 milhões. E o total de doentes graves superaria em oito vezes a capacidade dos hospitais do mundo desenvolvido. 

Como sou bonzinho (com interesse muito pessoal, cá entre nós, nesse caso), preferi optar pela terceira alternativa dos especialistas britânicos. O quadro parte de uma redução de 75% dos contatos entre indivíduos (sempre segundo a reportagem do Valor Econômico). Se essa barreira for fixada nos 250 primeiros dias de contágio, a infecção atingiria 420 milhões e provocaria 1,9 milhão de mortes. Se adotada depois desse prazo, os números saltariam de forma espetacular. Alcançariam, respectivamente, 2,4 bilhões e 10,5 milhões. 

Agora é que chegamos ao caso do Brasil, associado ao terceiro grupo de alternativas dos efeitos do Coronavírus. Os especialistas do centro britânico estimaram 44,2 mil mortes. No pior cenário, seria o total de um milhão. Vamos ficar com as 44,2 mil vítimas do vírus. Basta dividir o total pela população arredondada de 212 milhões de habitantes para se chegar a 0,021% de mortes. Como o Grande ABC participa com 1,32% do bolo nacional da população, a tradução em termos macabros seria de 588 mortes. Já Salto, com população relativa no País de 0,0055%, duas dúzias de moradores seriam atingidas. A população do Grande ABC é 41,5 vezes maior que a de Salto. 



Leia mais matérias desta seção: Sociedade

Total de 1097 matérias | Página 1

21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!
20/01/2025 CELSO DANIEL NÃO ESTÁ MAIS AQUI
19/12/2024 CIDADANIA ANESTESIADA, CIDADANIA ESCRAVIZADA
12/12/2024 QUANTOS DECIDIRIAM DEIXAR SANTO ANDRÉ?
04/12/2024 DE CÃES DE ALUGUEL A BANDIDOS SOCIAIS
03/12/2024 MUITO CUIDADO COM OS VIGARISTAS SIMPÁTICOS
29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO
19/11/2024 NOSSO SÉCULO XXI E A REALIDADE DE TURMAS
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS
08/11/2024 DUAS FACES DA REGIONALIDADE
05/11/2024 SUSTENTABILIDADE CONSTRANGEDORA
14/10/2024 Olivetto e Celso Daniel juntos após 22 anos
20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?
18/09/2024 Eleições só confirmam sociedade em declínio
11/09/2024 Convidados especiais chegam de madrugada
19/08/2024 A DELICADEZA DE LIDAR COM A MORTE
16/08/2024 Klein x Klein: assinaturas agora são caso de Polícia
14/08/2024 Gataborralheirismo muito mais dramático
29/07/2024 DETROIT À BRASILEIRA PARA VOCÊ CONHECER