Sociedade

Pesquisa confirma: São Caetano
é o maior fracasso contra vírus

DANIEL LIMA - 01/04/2021

Esmiúço os números da pesquisa divulgada anteontem no Diário do Grande ABC pelo Instituto ABC Dados. E há novas conclusões e análises. São Caetano, como alertei em abril do ano passado, é o maior problema da região no combate ao Coronavírus. E fracassa terrivelmente. Reiterando: um fracasso retumbante. O índice de letalidade de São Caetano é mais que o dobro do brasileiro. E 47% superior à média da região, que tem Diadema na posição de vice-lanterna. Tudo a ver com o que escrevi há um ano.  

Não adianta esconder os dados nem tampouco usar artimanhas outras. A contextualização dos resultados do ABC Dados é letal. O vírus chinês desqualifica a gestão do Paço Municipal no Município mais rico da região. O caos sanitário está exposto nos balanços da pandemia e na opinião dos moradores. Vou tratar disso. 

Mas, antes de tratar disso, vou tratar tangencialmente “daquilo”. O “daquilo” é a comprovação de que jornalismo de relações públicas é um mal insidioso à sociedade tanto quanto o jornalismo militante. O fracasso de São Caetano é o fracasso da maioria dos veículos de comunicação da região que faz vistas grossas ao que a pesquisa escancara.   

Crise escandalosa  

O processo de lambe-lambe precisa ter limites. As verdades não podem ser sonegadas e quem as coloca na mesa de consumo da sociedade não pode ser criminalizado, quando não odiado, quando não vilipendiado pelos bandidos sociais. Pior que isso: quem o faz tem a cabeça a prêmio porque os bandoleiros em minoria derrotam a maioria silenciosa.  

A crise sanitária em São Caetano é um escândalo que completa um ano e não existe nada de efetivo catalogado como reação coordenada, planejada e específica à realidade do Município.  

Agora, vamos aos números do Instituto ABC Dados. Segundo os resultados, apenas 23% da população de São Caetano aprova as políticas locais de enfrentamento ao vírus chinês. Levo em conta para chegar a esse total os 5% de “ótimo” e os 18% de “bom”. Somente esse contingente atribuiu avaliação positiva do desempenho do prefeito em relação à pandemia. São Caetano só perde numericamente para Diadema (17%) e Mauá (20%), mas segura a lanterninha regional quando qualquer mortal lança mão de estudos básicos que destrincham os três municípios em várias categorias socioeconômicas.  

O maior PIB per capita da região, a riqueza de infraestrutura física e de recursos humanos, também per capita, e tantos outros atributos, colocam o Município muito à frente não só de Diadema e Mauá como dos demais. O fracasso é evidente. 

Há contrapontos a minimizar a atuação de São Caetano. Todos, aliás, igualmente postos aqui neste site desde os primeiros tempos da pandemia. A densidade demográfica é inimiga de São Caetano (e de Diadema), a média de idade é de alto risco (23% da população conta com 60 anos ou mais, contra 14% do Grande ABC e 12% do Brasil) e o ambiente metropolitano de alta mobilidade recrudesce os perigos.  

Ações diferenciadas  

Tudo isso é verdade. Mas exatamente por ter essas características contraprodutivas no combate ao vírus São Caetano negligenciou metodologias mais adequadas, entre outras uma ação ostensiva de testes de verdade, não o marketing ineficaz. Há exemplos internacionais adaptáveis a São Caetano. Japão, por exemplo.  

Uma manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) que definiria com precisão a decepção de São Caetano no combate ao vírus seria mais ou menos assim: “Bolsonaro é melhor que prefeito em São Caetano”. Querem algo mais contundente e vergonhoso para um gestor público municipal em se tratando do vírus chinês? 

Pois essa é uma das verdades contidas na pesquisa do Instituto ABC Dados. Embora tenha nas sete cidades apenas 23% de aprovação no desempenho contra a Covid (mesmo placar municipal do prefeito Tite Campanella), Bolsonaro registra 32% em São Caetano. Ou seja: há uma diferença favorável ao presidente da República de nove pontos percentuais. O que não é pouco.  

Traduzindo: os moradores de São Caetano aprovam mais largamente a atuação do presidente da República, uma calamidade na pandemia, do que a do próprio prefeito.  

Três meses no cargo  

Para atenuar a situação já grave, o prefeito de São Caetano não se perde inteiramente na poeira da decepção porque no confronto com o governador João Doria, com 15% de ótimo e bom, os 23% registrados são mais palatáveis. 

Tenho uma certa dificuldade para escrever o nome do prefeito de São Caetano responsável pelos números tanto de óbitos quando de repercussão popular do Coronavírus. Até que ponto o prefeito interino Tite Campanella tem responsabilidade nos resultados se está no cargo há apenas três meses? Ou seja: durante os 12 meses em que a pandemia se faz presente no País, o atual ocupante do Paço Municipal não chegou a 30% do percurso de atividades especificas?  

Os leitores precisam entender tanto essa especificidade ditada pela Justiça Eleitoral como também dos demais municípios da região que tiveram troca de guarda em janeiro último, casos de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. O questionamento é o mesmo, claro. Entretanto, no fundo, no fundo, para os moradores do Grande ABC, não interessa qual é o nome do chefe municipal, mas as ações colocadas em campo.  

Resultados de hoje  

O jornal impresso e digital Reporter Diário publica a cada manhã o balanço do dia anterior do Coronavírus no Grande ABC. O acumulado é cada vez mais preocupante. Com 517 mortes, São Caetano registra proporção de 319,22 óbitos por 100 mil habitantes. Fosse o Brasil uma reprodução de São Caetano, ao invés de 321.886 baixas letais o total alcançaria 676.746 mil. Tudo porque o índice de mortalidade do Brasil, de 151,83 para cada grupo de 100 mil habitantes, é 110,24% inferior ao de São Caetano. Em relação à média do Estado de São Paulo (166,52 de mortes para cada 100 mil habitantes), a letalidade em São Caetano é um pouco menos contundente.  

O conjunto dos sete municípios do Grande ABC sofreu 6.082 baixas fatais desde março do ano passado. A novidade em relação até dois meses atrás é que Santo André superou São Bernardo em infortúnio, após longa jornada em que, incrivelmente, apontava índice excessivamente abaixo. Agora a situação parece caminhar para a normalidade estatística. Santo André registra 1.685 mortes, com média de 233,58 baixas por 100 mil habitantes, ante 1.853 mortes e média de 219,42 de São Bernardo. Diadema contabiliza 191,68 mortes por 100 mil habitantes, Mauá 194,95, Ribeirão Pires 169,13 e Rio Grande da Serra 132,20.  

Um ano atrás  

Para completar, reproduzo o texto que editei em 23 de abril do ano passado. Trato do vírus chinês especialmente quanto ao paralelismo entre Diadema e São Caetano. O jogo estava relativamente parelho, mas, sempre considerando os índices por cada grupo de 100 mil habitantes, São Caetano disparou enquanto Santo André e São Bernardo a ultrapassaram. 

 Diadema (com o Água Santa) deu um drible da vaca no São Caetano e, com a parceria da Federação Paulista de Futebol, tomou na mão grande a vaga do rival na Série A1 do Campeonato Paulista desta temporada. Já no jogo da vida, Diadema está melhor que São Caetano sem precisar da ajuda de terceiros, de mutretagem. No placar de mortalidade por Coronavírus, Diadema ganha fácil da vizinha mais rica. O placar de nove mortes em São Caetano e oito em Diadema é ilusão de ótica de quase igualdade. Tudo porque a população de Diadema, de 423.363 habitantes, é 2,6 vezes maior. O placar real desse jogo é uma goleada que vamos tentar explicar. Há vários aspectos que sustentam os dados que dão a Diadema a condição de que é melhor endereço de vida segura ante o ataque do vírus chinês quando comparada ao que se convencionou chamar de paraíso urbanístico e social da Grande São Paulo, caso de São Caetano. 

Mais memória  

 O placar de letalidade do Coronavírus envolvendo os dois municípios ainda é parcial, porque a pandemia vai demorar um bocado para ir embora. Entretanto, pelo andar da carruagem as raias numéricas convencionais não se distanciarão nesse quase-empate, mas vão esconder contrastes que colocam Diadema em situação mais vantajosa no enfrentamento. Uma morte a mais em São Caetano torna o jogo praticamente empatado numericamente, mas a diferença demográfica é esclarecedora. Por que afinal Diadema mais pobre que São Caetano (ou menos rica segundo os triunfalistas) contabiliza proporcionalmente um número expressivo menor de mortes pela covid-19? 

Mais memória  

 Dirão que tudo é decorrente da população mais idosa de São Caetano. Um argumento e tanto, que também uso. Os moradores de São Caetano com mais de 60 anos são 37.075, ou exatamente 23,07% do conjunto da população. Não é pouca coisa. O quociente está empatado com os dados de países europeus que mais sofreram com a pandemia, casos de Espanha e Itália, e quase o dobro da média brasileira, com população de idosos de 29.037.825 milhões – 13,8% do total. Diadema, que é o que que interessa no confronto com São Caetano, conta com 44.126 moradores com mais de 60 anos – 10,42% da população. Menos da metade de São Caetano, portanto. 

Mais memória   

 A distância que separa a participação relativa da população de idosos de São Caetano e de Diadema sugere ou encaminha à conclusão de que está aí a raiz da explicação. Faltam dados no Grande ABC sobre o mapa da mortalidade por faixa etária, mas a seguir a tendência nacional e internacional, não há outra explicação mais consistente porque os idosos vão embora em proporções muito maiores. Italianos e espanhóis que o digam. Os mais velhos estão mais próximos do obituário do que os mais jovens no mundo inteiro. E olhem que os especialistas não fazem as contas direito sobre a gravidade do problema etário. Vou tentar explicar mais adiante que o bicho é pior do que parece. 

Mais memória  

 Como os jovens estão mais confortáveis nos balanços de mortalidade da covid-19, Diadema acumula mais um ponto de vantagem considerável. A soma dos moradores de São Caetano até 39 anos de idade é de 74.491 (46,35% do total), enquanto em Diadema são 273.845 (64,68% da população total). Convenhamos que é uma diferença e tanto. De 10 pontos percentuais. Ou de 28,33%. E então, pergunto, como ficam os vetores econômicos? Qual o peso no balanço geral? Será que a qualidade de vida em São Caetano não teria força suficiente para contrabalançar o resultado? Enquanto o melhor medidor de riqueza acumulada (o PIB do Consumo, especialidade da Consultoria IPC, do pesquisador Marcos Pazzini) aponta que São Caetano conta com consumo per capita anual de R$ 37.348,85, Diadema registra R$ 23.617,95. É uma baita diferença. Precisamente o seguinte: cada morador de São Caetano é 36,76% mais endinheirado que o morador de Diadema.  

Mais memória  

 O resultado se explica porque as condições socioeconômicas dos moradores de São Caetano estão num patamar elevadíssimo no confronto com Diadema. São Caetano conta com quase sete vezes mais famílias de classe rica relativamente a Diadema. São 7,5% ante 1,1% de Diadema. Com quase três vezes mais moradores que São Caetano, Diadema agrega em números absolutos apenas 1.623 famílias de classe rica, contra 4.482 de São Caetano. No extremo socioeconômico oposto, enquanto a soma de pobres e miseráveis em São Caetano não passa de 38,3% da população (é verdade, há deserdados no Município mais rico da região), em Diadema a participação relativa desses segmentos chega a 49,5%. Ou seja: praticamente a metade da população. 

Mais memória  

 Diferentemente do que se poderia imaginar, na medição da classe média tradicional há empate técnico entre os dois endereços municipais. São Caetano conta com 23,7% de moradores de classe média convencional, enquanto Diadema chega a 23,2%. Prometi explicar o erro generalizado cometido por agentes de saúde em geral. Eles contabilizam a letalidade do vírus exclusivamente por faixa etária. Vou optar por um conceito específico em vez de números para traduzir o equívoco de forma objetiva. Para se aferir o índice de gravidade dos óbitos por faixa etária (gravidade é mais que relatividade, ou uma combinação disso) não basta pegar a soma das mortes nas respectivas faixas etárias e dividir pelo total de baixas. Essa participação relativa não diz tudo. A correção informativa coloca em situação mais delicada e por que não atemorizadora os idosos em geral. Afinal, se eles representam determinada participação relativa da população (23% em São Caetano, por exemplo), mas no placar geral ultrapassam essa linha-âncora, o que temos é um fator agravante.  

Mais memória  

 Se são 23% de participação e 60% dos óbitos (resultado aleatório que coloco à falta de dados oficiais), o potencial de impactação do vírus é muito maior ainda. E proporcionalmente muito menor na medida em que em faixas etárias mais jovens a participação relativa de mortos desaba ante o confronto com a participação relativa maior de determinadas faixas de idade no conjunto da população. O resumo desse apêndice conceitual é que o placar da letalidade da covid-19 por faixas etárias é uma operação menos simples do que a apresentação do ranking percentual de mortos com base no total que não resistiu ao vírus. Pode parecer uma bobagem, mas não é. Não pode ser considerado bobagem o grau de letalidade exponencialmente maior quando se leva a equação sugerida ao campo estatístico mais bem-elaborado. E tampouco muito menos potencialmente grave nas camadas mais jovens da população. Conclusão: a juventude média da população de Diadema pesa potencialmente tão forte quanto a velhice de São Caetano como explicações para a distância do grau de letalidade da covid-19 nos dois endereços economicamente mais contrastantes do Grande ABC.  

Mais memória  

 Talvez se não fosse tão pronunciadamente mais endinheirada que Diadema, São Caetano estaria em situação comparativa ainda mais dramática. Outros fatores são intangíveis ou exigiriam muita pesquisa, caso da infraestrutura sanitária dos dois municípios.  No aspecto de densidade demográfica, temos endereços siameses, com Diadema de 13 mil moradores por quilômetro quadrado ante 10 mil de São Caetano. São dois municípios brasileiros com maiores índices de ocupação de espaço. Perdem para a favela de Paraisópolis, com 40 mil. Mas aí é outra história. 



Leia mais matérias desta seção: Sociedade

Total de 1097 matérias | Página 1

21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!
20/01/2025 CELSO DANIEL NÃO ESTÁ MAIS AQUI
19/12/2024 CIDADANIA ANESTESIADA, CIDADANIA ESCRAVIZADA
12/12/2024 QUANTOS DECIDIRIAM DEIXAR SANTO ANDRÉ?
04/12/2024 DE CÃES DE ALUGUEL A BANDIDOS SOCIAIS
03/12/2024 MUITO CUIDADO COM OS VIGARISTAS SIMPÁTICOS
29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO
19/11/2024 NOSSO SÉCULO XXI E A REALIDADE DE TURMAS
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS
08/11/2024 DUAS FACES DA REGIONALIDADE
05/11/2024 SUSTENTABILIDADE CONSTRANGEDORA
14/10/2024 Olivetto e Celso Daniel juntos após 22 anos
20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?
18/09/2024 Eleições só confirmam sociedade em declínio
11/09/2024 Convidados especiais chegam de madrugada
19/08/2024 A DELICADEZA DE LIDAR COM A MORTE
16/08/2024 Klein x Klein: assinaturas agora são caso de Polícia
14/08/2024 Gataborralheirismo muito mais dramático
29/07/2024 DETROIT À BRASILEIRA PARA VOCÊ CONHECER