Sociedade

Vírus: o que dá para rir dá
para chorar em São Caetano

DANIEL LIMA - 05/04/2021

As manchetes do jornalismo de relações públicas dão destaque que faltou ao mesmo jornalismo de relações públicas: São Caetano está liderando o índice de imunização da população contra o Coronavírus desde que as vacinas entraram em campo. Substituiu-se, portanto, o riso pelo choro de São Caetano liderar o ranking de um dos piores endereços internacionais de letalidade do mesmo Coronavírus.  

Trocando em miúdos: o que dá para rir dá para chorar, mas nem sempre a Imprensa se dá conta disso. Sobremodo, como acentuei, quando o jornalismo de relações públicas dá as cartas de perfil editorial. As redes sociais tratam de esculachar com o radicalismo dos inconformados ou oportunistas.  

O grande desafio para quem faz jornalismo independente é explicar como um mesmo endereço municipal consegue esconder uma tragédia e exaltar talvez prematuramente uma recuperação sem que uma alma viva deste País ouse dizer que se trata de erro de avaliação? É o que veremos em seguida.  

Ação vacinal  

São Caetano do prefeito interino Tite Campanella comemora as manchetes também de televisão que colocam o Munícipio no altar de eficiência no enfrentamento vacinal ao vírus chinês. O marketing de oportunidade se manifesta com a razão típica e defensável de extrair o máximo possível da generosidade alheia, ou da realidade intocável. 

São Caetano do prefeito afastado José Auricchio Júnior escapou da maioria da mídia em geral ao não se ver nas manchetes como um dos endereços mais perigosos do planeta durante esse tempo todo da pandemia chinesa. Os índices recordistas de mortalidade em São Caetano ao longo da longa temporada do vírus foram subestimados pela maioria da mídia.   

Portanto, como naquela música popular, o que dá para chorar também dá para rir como explicações centrais do suposto paradoxo da Covid em São Caetano.  

Vetores decisivos  

Sempre coloquei em primeiro plano, desde as primeiras matérias, no primeiro trimestre do ano passado, três vetores que ajudam a entender o caos de mortes em São Caetano. São, felizmente, no outro lado da moeda, os mesmos vetores que explicam a vertiginosa vacinação supostamente protetora de vidas – algo de que desconfio muito, inclusive ou principalmente da Coronavac, mas não o suficiente para me afastar da agulha, à qual já me submeti.  

Qual é, portanto, o tripé sobre o qual se instalou a desgraça virulenta em São Caetano desde março do ano passado e que segue até estes dias? 

 Densidade demográfica elevadíssima, uma das maiores do País, só perdendo para Diadema. Densidade demográfica é a concentração humana por quilômetro quadrado. Altamente urbanizada e de território de apenas 15 quilômetros quadrados, São Caetano reúne mais de 12 mil pessoas por quilometro quadrado. A média do Grande ABC não passa de 3,2 mil. Diadema tem mais de 13 mil.  

 Elevadíssima proporção de idosos em relação à população em geral, com 23% de participação, praticamente o dobro do Brasil e quase isso do Grande ABC. Como os idosos seguem no cômputo geral as vítimas preferenciais do Coronavírus, não se requere mais explicações.  

 Ambiente metropolitano de alta mobilidade urbana, sobretudo em municípios próximos à centralizadora Capital.  

Leiam e releiam essas três pontas que amarram o pacote de adversidades do vírus chinês e compreendam as razões que fizeram de São Caetano um ponto de preocupadíssimos resultados letais.  

Outro lado da moeda  

Agora, do outro lado da moeda, que tem a mesma tipologia, como se a moeda de faces repetidas, temos as explicações para o elevadíssimo índice de imunização. 

 A densidade demográfica facilita organização e a logística de distribuição e aplicação da vacina Coronavac. Gasta-se menos tempo e recursos humanos, além de dinheiro, em operações rápidas e consistentes. 

 A elevadíssima proporção de idosos diante da população em geral ganhou influxo porque a opção cronológica de imunização contempla exatamente a prioridade dessa faixa da sociedade, a mais visada pelo vírus. 

 O ambiente metropolitano de uma cidade de reduzida, mas compacta população em relação aos vizinhos mais poderosos proporciona carga de participação mais intensa no sentido de que o ambiente pró-vacinação acaba disseminado mais fortemente. O grau de vizinhança é mais estreito e sensibilizador.  

Mais ponderações  

Também pesa nessa equação inicial de maior proporcionalidade de imunização da população de São Caetano a própria demografia. Ao contar com apenas 161 mil habitantes, tem-se potencial enorme de efetividade da vacina em termos relativos. Tanto é verdade que São Caetano, segundo noticiou o Diário do Grande ABC, está em décimo lugar na classificação geral no Estado de São Paulo, atrás de municípios menores, com no máximo 40 mil habitantes. Exemplos se repetem no mundo. Israel, de nove milhões de habitante, está aí.  

Também acho que não são apenas esses aspectos mencionados e mais que comprovados pelo reverso, ou seja, pelo índice de mortalidade, que São Caetano está dando a volta por cima num ranking menos importante que o outro, de óbitos por 100 mil habitantes, mas nem por isso sem méritos.  

Estou desconfiado de que o prefeito interino Anacleto Campanella e a equipe de saúde de São Caetano descobriram saídas para fazer do tripé devastador um tripé restaurador. Caberia a eles, sobretudo ao prefeito interino, ir a campo, reunir a imprensa numa coletiva e mostrar as ações específicas que alteram o rumo de abordagem do vírus chinês na vacinação.  

Um ano de aprendizado  

O aprendizado de mais de um ano de batalhas contra o vírus chinês deve ter feito dos profissionais de saúde de São Caetano um batalhão diferenciado de planejamento e ação no campo da imunização. Talvez não seja e acredito que não é o principal valor, mas deve ter sim uma participação relativa entusiasmadora. Quem sabe outros municípios poderiam utilizar-se de suposta metodologia? 

O que resta é esperar para ver até quanto o indicador de imunização continuará a manter São Caetano entre os principais endereços do Estado e, quem sabe, do País. E, mais que isso: até que ponto haverá um cruzamento bendito entre uma coisa e outra, ou seja, entre vacinação e índice de letalidade do vírus, a ponto de, finalmente, se chegar a um ponto de segurança sanitária mais concatenado com a média de endereços semelhantemente desenvolvidos.  

São Caetano conta com infraestrutura pública de serviços e de recursos humanos de saúde que não pode ser submetido a vexames classificatórios, acrescentando-se a isso as condições de qualidade de vida em geral muito acima da vizinhança regional e do País como um todo. O ranking de imunização deveria parametrizar o índice de letalidade.  

Melhoria dupla?  

A pergunta suplementar refere-se ao comportamento do indicador de imunização quando a participação relativa da população idosa de São Caetano começar a cair porque o estoque vai-se esgotando e, em contraposição, as respectivas populações mais jovens dos demais municípios da região, que são mais encorpadas que em São Caetano, preencherão o calendário de vacinação.  

Teoricamente São Caetano tende a perder parte da vantagem nesse confronto, da mesma forma que entrou em campo em condições adversas no placar de óbitos, pelos fatores já expostos.  

Daí o reforço à conclusão que explicitei desde sempre: o prefeito José Auricchio Júnior comandou uma equipe de saúde que não se apercebeu da possibilidade de fugir da mesmice de outros municípios cujas tipologias demográficas e logísticas diferem demais das de São Caetano. Seguiu um receituário-padrão num Município diferenciado para o mal no ataque ao vírus e para o bem na aplicação de vacinas.  

Ao que parece, o interino Anacleto Campanella ainda não encontrou o caminho da salvação, porque não há sincronia positiva entre letalidade e imunização. Tomara que a vacina faça esse trabalho. Mas, para isso, a Coronavac tem de dar respostas efetivas às mutações do vírus. Algo que está sob a desconfiança da maioria dos especialistas. 



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