Ombudsman da Folha de S. Paulo, a jornalista Flavia Lima abordou na edição de domingo dois supostos crimes sexuais propagados incansavelmente por um grupo formado por uma advogada feminista que encontrou aparentados que têm como escopo colocar o patriarca da Família Klein e um dos filhos no banco de transgressores. É um vale-tudo sem trégua porque combina vários vetores. Inclusive ou principalmente o assanhamento midiático.
Vão acabar, esses unilateralistas, contabilizando sucessos parciais. Até porque um dos envolvidos, o pai Samuel Klein, morto há sete anos, está completamente fora da arena do contraditório. Entretanto, com o filho Saul Klein a situação é diferente. Tão diferente que as denunciantes representadas pela advogada em questão, estão sendo surradas no Judiciário e na Polícia.
Por isso, o título da seção Ombudsman da Folha de domingo poderia ser menos parcial. Ao invés de “Sobre crimes sexuais invisíveis”, poderia se acrescentar “e inventados”. Há elementos jurídicos e policiais para tanto. O segredo de Justiça que protegeria as informações foi quebrado desde o princípio do Caso Saul Klein por fontes ligadas ao Ministério Público Estadual.
Um título sem viés
Para não parecer repetitivo, vou utilizar uma fórmula mais que didática, transparente, do que foi publicado pela ombudsman. Contrapontos ajudarão a construir uma versão mais equilibrada da edição. Tenho especial prazer em trazer de volta, circunstancialmente, o ombudsman não-autorizado que habita em mim, respaldado pelo ombudsman autorizado que fui durante dois períodos no Diário do Grande ABC.
Esta nova edição que em larga subjetividade envolve o Caso Saul Klein é a décima-sexta de uma série que está desmontando peça por peça uma arquitetura de extorsão ligada ao herdeiro da Casas Bahia. Saul Klein foi dominado durante cinco anos de depressão por uma quadrilha organizada que, numa empresa de entretenimento sexual, reunia articulada rede de uma cafetina e um grupo de advogados especializados em ganhar dinheiro com a vida fácil da clientela de mulheres.
Vamos de forma intercalada, reproduzir o texto da Folha de S. Paulo e os anteparos esclarecedores. Já o fiz, portanto, em relação ao título propriamente dito. Para se encaixar na ditadura gráfica reservada à manchete da seção, o título adaptado à exposição que se seguirá poderia muito bem pegar o caminho de algo como: “Sobre crimes sexuais e inventados”.
Ombudsman da Folha
Em dois artigos publicados pela Folha nesta semana, a advogada Luciana Temer e a colunista do jornal Djamila Ribeiro abordaram o mesmo tema: uma reportagem longa e detalhada da Agência Pública sobre décadas de acusações de exploração sexual envolvendo o empresário Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, morto aos 91 anos em 2014. Não fossem os textos das duas mulheres – que falam sobre silêncios que encobrem crimes com essas características --, o leitor da Folha talvez não tivesse conhecimento das gravíssimas acusações. Publicada na quarta (15), a reportagem da Agência Pública diz que Samuel Klein teria, durante décadas, mantido um esquema de aliciamento também de menores para a prática de exploração sexual, inclusive dentro da sede da empresa, em São Caetano do Sul (SP). Em troca dos encontros, Klein oferecia dinheiro e outros presentes, de ceatas básicas a carros, passando por produtos das lojas da varejista.
CapitalSocial
O modelo sensacionalista de assassinato social ganha versão necrológica e, por isso mesmo, com parentesco próximo ao escárnio no caso publicado a partir da Agência Pública. A defesa da honra do patriarca Samuel Klein é tarefa improvável. Ninguém melhor do que acusado poderia responder às denúncias. Os assassínios preferiram a versão de ataque ao suposto predador. A aparente consistência técnica e factual da reportagem, reproduzida integralmente ou não por outros veículos numa cruzada que lembra muito a mobilização de minorias organizadas, possivelmente não resistiria a um escrutínio bem elaborado. Há inconsistências tratadas como verdades indefensáveis. É um jogo de manipulação semântica próprio de quem parte da escolha de um suposto criminoso à consolidação do enredo, não o contrário, como ensinam os especialistas. Um videio integrado à reportagem mostra um Samuel Klein ainda na meia idade com provavelmente mais de uma dezena de mulheres na piscina da mansão no Guarujá. Nenhuma cena que ultrapasse o limite de uma festa convencional. A reportagem da Agência Pública e afiliadas circunstanciais lança uma penumbra de delinquência sexual insustentável. As provas indutivas não passam de comprovação da ausência de provas materiais. A piscina no Guarujá é apenas um exemplo do quanto se forçou a barra para justificar uma história previamente delineada para incriminar Samuel Klein. Samuel Klein, todos sabiam, era um homem extravagante com as mulheres. Possivelmente as tenha tido em proporções fluviais, mas, até prova em contrário, nada que tenha saído do controle de consentimentos. Sabe-se que não faltavam mulheres a procurá-lo, inclusive mães de moçoilas. A reportagem não deixa uma fresta sequer à reflexão sobre as circunstâncias que teriam proporcionado tantas aventuras. Há nas entrelinhas um ódio subjetivo à riqueza construída pelo sobrevivente do Holocausto. Tudo para alcançar o filho Saul, criando-se ambiente de abusos sexuais e impunidade hereditárias.
Ombudsman da Folha
Diretor, editor e repórter da Agência Pública, Thiago Domenici conta à coluna que a apuração durou quatro meses e foi tocada por seis repórteres, a partir de uma dica recebida sobre a história de Saul Klein, o filho de Samuel acusado de crimes sexuais por mais de 30 mulheres. Curiosamente, as suspeitas sobre o filho, negadas por seus advogados, foram reveladas pela Folha, em reportagem de Mônica Bergamo publicada em dezembro de 2020.
CapitalSocial
O que o diretor da Agência Pública não disse é que as fontes que instruíram a reportagem estão diretamente ligadas ao Caso Saul Klein, ou seja, às denúncias contra o filho de Samuel Klein. A advogada Gabriela Souza mobiliza o entroncamento dos dois casos. Uma forçada de barra evidente. Mas muito bem calculada. À ausência de elementos materiais e ante uma enchente de contraposições que tornam o Caso Saul Klein mais que escandalosa cilada que envolveu o Ministério Público Estadual, Gabriela Souza embrenhou-se no Caso Samuel Klein para obter um efeito-contaminação que não encontra respaldo judicial nem policial.
Ombudsman da Folha
O diretor da Pública diz que, em poucos dias, encontraram mais de dez processos contra Samuel Klein por danos morais em razão de abusos sexuais. Segundo ele, se todas as mulheres procuradas pela Pública tivessem topado falar, seriam ao menos 30 depoimentos para averiguar. Foram dez, sendo que três delas concordaram em ter o nome divulgado. No total, 35 pessoas foram ouvidas, entre supostas vítimas, advogados, ex-funcionários, vizinhos e até taxista. Além de processos judiciais e inquéritos policiais, há documentos, fotos e vídeos de festas, bem como gravações em áudio, que englobam fatos ocorridos pelo menos entre 1989 e 2010 (com Klein já perto dos 90 anos).
CapitalSocial
O que o diretor da Pública não disse é que os processos jamais encontraram respaldo jurídico suficiente para condenação formal de Samuel Klein. Mais que isso: a reportagem construída por seis jornalistas não tocou num nervo exposto do Caso Samuel Klein que o Caso Saul Klein expõe com clareza: por trás de cada denúncia haveria sempre a possibilidade de se esconderem extorsionistas em busca de recompensa financeira e outros favores materiais. Os processos seriam o ponto terminal de tentativas infrutíferas no campo da informalidade coercitiva muito comum no ataque a milionários.
Ombudsman da Folha
A despeito de grande circulação em redes sociais, repercussão em veículos como Nexo, El País e revistas como Marie Claire e Claudia, além de artigos de opinião publicados (todos escritos por mulheres, segundo Domenici), grandes veículos ignoraram a história. Ao contrário do que costuma acontecer em casos dessa dimensão, a grande imprensa não investigou, não repercutiu nem republicou o material. “Dos grandes veículos, incluindo canais de televisão, ninguém falou do assunto até o momento [23 de abril] na sua cobertura diária. Na nossa percepção, a revelação não ganhou repercussão nacional pela falta de cobertura noticiosa”, diz o diretor da Pública.
CapitalSocial
A chamada Grande Mídia não comprou a reportagem da Agência Pública no Caso Samuel Klein, mas já fez gato e sapato no Caso Saul Klein. As incansáveis mulheres que vestiram a camisa dos extorsionistas do Caso Saul Klein (o Judiciário já acenou com essa premissa em decisão do juiz criminalista que liberou o passaporte de Saul Klein e o relaxamento da medida protetiva das denunciantes) não darão sossego. Mais que possíveis penalidades, querem, sobretudo a advogada Gabriela Souza, o estrelato de defensora das pobres e oprimidas meninas. Para tanto, se satisfariam com a condenação pública de Saul Klein, algo que tanto a Folha de S. Paulo quanto o portal UOL já consumaram. Convocar articulistas femininas é uma das variáveis de Gabriela Souza e personagens ocultas na saga contra a família Klein. Sacrificar a memória de um morto faz parte da operação contra o herdeiro.
Ombudsman da Folha
No caso da Folha, a postura chama ainda mais a atenção porque o jornal tem uma parceria com a Agência Pública e, se quisesse, poderia ter publicado a íntegra da reportagem. Roberto Dias, secretário de Redação, diz que considera de interesse público as informações relatadas pela Agência Pública. “Debatemos o caso e decidimos efetuar apuração própria sobre esse assunto, diante das possíveis imputações criminais envolvidas.” Porém, em uma busca rápida por reportagens da Pública na Folha, é possível encontrar textos da agência que envolviam, inclusive, imputações criminais. Uma das matérias, publicada em agosto de 2020, revelava uma série de abusos sexuais de crianças em Minas Gerais. Domenici afirma que a Pública estava com a publicação acertada com a Folha —uma versão reduzida que sairia na semana passada. Ao final, receberam a notícia de que o texto não seria publicado sob a alegação de que foi uma decisão editorial. “Ficamos sem entender”, diz o jornalista. Há mais coisas incompreensíveis. Casos como esse parecem envolver engrenagens que operam por anos sem que seus responsáveis sejam incomodados —nem pela polícia nem pela imprensa. O suposto esquema de exploração sexual descortinado pela Pública corria em paralelo, muitas vezes dependente do negócio principal. É estranho que caso tão bem apurado só apareça na Folha em artigos de opinião, ou seja, não exista em forma de notícia. Republicar a íntegra de um caso como esse pode ser uma escolha. Incluí-lo na cobertura noticiosa é uma obrigação.
CapitalSocial
Já que a Folha de S. Paulo estaria apurando o que é joio e o que é trigo do Caso Samuel Klein, com evidentes estilhaços no Caso Saul Klein, seria importante que corrigisse a barbeiragem da reportagem da coluna de Mônica Bergamo. A colunista deu corda à imaginação em forma de declarações da garota de programa Ana Paula Santos Banana, a Ana Banana, também conhecida como infiltrada da cafetina Marta Gomes da Silva na residência de Saul Klein em Alphaville e na casa de campo em Boituva, Interior de São Paulo. Foi Ana Banana que levou na lábia de mulher rejeitada pelo ex-namorada, exatamente Saul Klein, a história até agora insustentável de abusos contra três dezenas de mulheres. Ana Banana comandou o espetáculo denunciatório nos bastidores. Fez da promotora criminal Gabriela Manssur um estuário de abusos narrativos. O inquérito policial em Barueri está reduzindo cada vez mais o espaço de veracidade das depoentes no Ministério Público não só porque é uma sequência de colagens treinadas e repetitivas como também encontrou a barreira do contraditório de equivalente batalhão de mulheres que negam o viés exploratório de sexo sem consentimento. O que se lamenta tendo em vista que os enunciados da ombudsman da Folha de S. Paulo supostamente teriam equilíbrio e equanimidade é que se dá exatamente o contrário. Estabelece-se claramente um juízo de valor favorável às denúncias tanto no Caso Samuel Klein como no Caso Saul Klein. Nenhuma advertência foi aposta para sinalizar o risco de se comprar versões manipuladas. Uma leitura cuidadosa da colunista da Folha não deixa margem a dúvida de que mais uma mulher comprou a ideia de que pai e filho estão no mesmo barco condenatório. Uma leitura descuidada também chegaria à mesma conclusão. Ou seja: sob qualquer ângulo, a abordagem da ombudsman é um endosso automático às investidas de mulheres que exploram mulheres e se pretendem defensores de mulheres que exploram mulheres simplesmente porque homens brancos e ricos estão na outra margem de gênero. Uma calamidade típica destes tempos em que minorias organizadas são maiorias nem sempre merecedoras de crédito.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!