Enquanto estava entregue à sorte em estado grave no quarto dos 10 dias de internação no Hospital São Bernardo, em quatro de fevereiro, o advogado de um assassino dilacerava a verdade dos fatos com uma versão rocambolesca. Deu-se mal porque as investigações policiais e o Judiciário enxergaram a verdade cristalina, o agressor está preso e irá a Júri Popular.
Entrevistado pelo Diário do Grande ABC, o advogado de fantasias construiu versão mentirosa e inescrupulosa de um crime covarde.
É isso o que tenho a afirmar de imediato ao somente agora, neste final da tarde de uma segunda-feira, 17 de maio, tomar conhecimento da matéria do jornal no qual trabalhei por quase 20 anos ao ocupar todos os cargos possíveis. Estava à beira da morte quando a reportagem enviesada foi publicada.
Como ombudsman não autorizado da publicação (e de tantas outras), depois de duas vezes atuar como ombudsman oficial, autorizado, o mínimo que posso dizer é que o Diário do Grande ABC me deve o direito de resposta com o mesmo destaque.
Verdade aos leitores
Mais que isso: o Diário do Grande ABC deve a verdade dos fatos aos seus leitores. Verdade sonegada pelo advogado de um assassino. Verdade solapada pelo advogado de um assassino. O Diário do Grande ABC preferiu dar destaque a mentiras.
Conheço muito bem a roupagem jornalística que faz de suposta neutralidade privilégios. E de privilégios disfarçados de neutralidade. A matéria publicada pelo Diário do Grande ABC seguiu essa trajetória. Sempre em detrimento da verdade dos fatos.
Sei que dificilmente obterei a possibilidade de afastar nas páginas do Diário do Grande ABC o diluvio de inexatidões do advogado de Ageu Galera, o jovem assassínio que tentou tirar a minha vida. Há desafetos deste jornalista entre os protagonistas da vida política e econômica da região que constam da pauta do jornal. E eles fazem de tudo para esquadrinhar um alinhamento de esquartejamento profissional. Torceram esses mandachuvas por um desenlace que os tranquilizasse. Jornalismo independente não lhes interessa.
Pontos e contrapontos
Quase quatro meses depois, ainda em fase de recuperação, limitado em meus movimentos, à base de medicamentos para poder escrever estas linhas, recorro ao meu próprio espaço jornalístico para desabafar.
A versão mentirosa e criminosa, facilmente destruível, é um patrimônio do passivo do assassino em questão, da mulher dele e de dois funcionários que, muito após o incidente, e devidamente instruídos pelo advogado, costuraram uma narrativa esdruxula, ofensiva e surrada à dignidade humana. São saqueadores da verdade dos fatos.
A matéria em questão está disponível na Internet, no sítio do Diário do Grande ABC. Sob o título “Advogado de dono de pet shop diz que tiro em jornalista foi acidental”, completado por uma linha auxiliar que arromba de vez a verdade dos fatos: “Defesa de Ageu Rosas Galera, que continua foragido, diz que Daniel Lima entrou em luta com o GCM afastado, e arma disparou sem intenção”. Vamos à reprodução do texto com os indispensáveis reparos.
Versão mentirosa
O advogado Ayrton Perroni Alba, que faz a defesa do dono do pet Shop Dr. Galera, Ageu Rosas Galera, que há três dias atirou no jornalista Daniel Lima, em São Bernardo, disse que o tiro foi acidental. Segundo ele, testemunhas já foram levadas à delegacia para confirmar a versão do GCM afastado e que, por isso, ele não vai se apresentar. "Tudo o que ele falaria já foi apresentado por testemunhas. Se ele for, corre o risco de ficar preso o processo inteiro. Está foragido e acaba sendo o direito dele.”.
A verdade dos fatos
Os dois funcionários do pet shop e a dona do estabelecimento tiveram mais de 24 horas para acertar os ponteiros de mentiras cabeludas com o advogado em questão. Foram horas de preparação. Ignoraram todos os referenciais de civilidade e responsabilidade. Criaram narrativa insidiosa para tentar transformar um assassino em quase herói, como se tivesse ele vencido uma disputa corporal que culminou num tiro acidental. Quanta estupidez.
Versão mentirosa
Segundo Alba, a única versão que a mídia teve acesso foi a apresentada no boletim de ocorrência, baseada apenas no que uma funcionária de Lima falou. "Uma pessoa que mal viu o que aconteceu. Na nossa linha defensiva houve uma discussão ferrenha, não foi banal, ainda não explicado o motivo dentro do processo. Por isso, houve um contato físico entre os dois, com a mulher de Ageu no meio, e houve um tiro acidental."
A verdade dos fatos
Somente alguém que flerta com a insanidade ou que faça da advocacia um exercício de prestidigitação argumentativa poderia ao menos sugerir que a testemunha-chave do caso, Maria Aparecida Nascimento, minha acompanhante, seria peça fora do baralho de informação. Maria Aparecida acompanhou tudo, foi ameaçada pelo assassino que, ante o engasgo do gatilho, decidiu centralizar o ataque ao cliente, no caso este jornalista. Enquanto estava entre a vida e a morte, depois de me ajudar a chegar ao hospital no carro da mulher do assassino, Maria Aparecida contou aos prantos ao delegado o que vira. E o que vira foi um assassino cruel descer a escada, Taurus 38 em punho, e, a 50 centímetros de distância, enquanto segurava a guia de minhas duas cachorras, desferiu um tiro no meu rosto. Nada, absolutamente nada, ocorrera que motivasse o destempero. Reclamei em tom diplomático porque o prazo de duas horas para as cachorras estarem prontas não foi cumprido. Foram quatro horas de espera e uma entrega ríspida que teve como resposta mais uma ponderação, sem estardalhaço. Não houve luta corporal alguma, entre outras razões porque não se criou um ambiente para tal e sobretudo porque sou um homem de palavras, não de gatilho, prefiro o diálogo mesmo que acalorado (o que não foi o caso) ao saque de um revólver.
Versão mentirosa
O advogado disse que o cliente costumava andar com uma arma na cintura, embora estivesse afastado do cargo de guarda civil de Indaiatuba -- o processo está em segredo de justiça e Ageu aguarda audiência - porque, no ano passado, descobriram que ele era ex-policial e passaram a ameaçá-lo. "Por ter porte de arma, começou a andar armado dentro do estabelecimento”. Alba afirmou que, durante todo o período da discussão ele estava com a arma na cintura, e não foi buscá-la para atirar em Daniel, como foi dito por testemunhas. "Ele sobe e desce várias vezes e tenta falar para o Daniel ir embora. Só na última vez que ele sobe, quando desce novamente se apresenta como policial. Continuou a troca de ofensas e Daniel tentou tirar a arma da cintura de Ageu, tanto que chegou a quebrar seu celular, seu cinto. Ageu tira a arma da cintura, coloca afastada e Letícia (mulher) no meio dos dois. Daniel começou a pegar a arma, Ageu a aponta para o alto, para afastar de perigo a esposa, e pensou em atirar para o alto. O meu cliente disse que ele estava tentando pegar no seu braço e deve ter dado um puxão na arma no momento do disparo, e acabou que o tiro pegou na boca do Daniel."
A verdade dos fatos
Apaguem absolutamente tudo que está aí na versão de um advogado que deve ter lido muitas histórias para boi dormir quando se trata de cuidar da vida de quem pretendeu tirar a vida de alguém. O relato é inverossímil, estapafúrdio, mentiroso, asqueroso, desumano e tudo o mais. O sumiço da gravação do ocorrido no pet shop no Jardim do Mar, em São Bernardo, é uma das provas cabais da subversão da verdade. O assassínio Ageu Galera levou embora com a tranquilidade de psicopatas as imagens do crime que só não foi consumado por conta do destino, ou de um milagre, conforme definição de todos os médicos que procuraram me tranquilizar nos dias subsequentes. Mais milagroso que sair vivo do avião da Chapecoense, que poupou a vida de seis dos 77 passageiros e tripulantes. Em casos semelhantes ao do assassinato frustrado por Ageu Galera, a probabilidade de morte é quase total. Vejo nas redes sociais, também com atraso de quase quatro meses, porque ainda estou em convalescença, que não faltaram leitores do jornal a zombar das afirmações do advogado. Ou seja: houve um senso crítico mais sensível à realidade dos fatos do que a matéria publicada pelo jornal – sem direito ao contraditório. Uma matéria editada com o objetivo de me transformar em bandido semelhante ao que me agrediu com a arma. Por que isso? Por que não ouviram o outro lado (a testemunha que foi ouvida na Delegacia de Polícia duas horas depois do incidente ainda sob efeitos emocionais da tragédia, não 24 horas depois como a infamante trupe de um assassino), dando-se tratamento editorial menos relatorial e ao ter a voz de um advogado ilusionista e ofensivo como protagonista?
Complemento do jornal
Daniel Lima, 70 anos, segue internado em hospital da região e seu caso é estável. Ontem, divulgou um vídeo emocionado, dizendo que ia rezar pelo GCM. Segundo ele, só queria levar as cachorras para tomar banho e tosar. "As meninas (as cachorras) já estavam há quatro horas sem se alimentar. Quando as deixei, me disseram que em duas horas estariam prontas. Fui três vezes buscá-las, na quarta fui recebido a bala. Só desejava cuidar delas, como faço todos os dias", relata. Ainda com dificuldades para falar, o jornalista lembrou do momento do disparo. "Nem se eu tivesse sido deseducado, coisa que não fui, poderia ser sido tratado daquela forma. Foi um crime, um ato covarde, um ato terrível. Mas não quero o mal desse menino (do Ageu)." A prisão do GCM foi decretada a prisão temporária do autor e o Poder Judiciário aceitou o pedido. O último boletim médico, divulgado às 16h40, informou que o estado de saúde de Lima, que segue na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), apresenta quadro estável e não necessita de respiração mecânica. O médico especialista de cabeça-pescoço, que acompanha o caso, relatou que o ponto crucial de Lima ter sobrevivido foi o fato do projétil ter batido na placa dentária e descido para a garganta. Não fosse a placa dentária, a bala teria seguido o curso de subir para a cabeça. O projétil lesionou a garganta do paciente, o que o obriga neste momento a se alimentar por sonda, até sua cicatrização. O boletim informa ainda que houve lesão na coluna, porém sem dano neurológico ou que comprometa sua mobilidade. A bala está alojada no ombro, sem necessidade de cirurgia de urgência para sua remoção neste momento.
A verdade dos fatos
Nos primeiros dias de UTI no Hospital São Bernardo, naquele que foi o pior período dessa tragédia que ainda não se encerrou, meu coração estava aberto de verdade ao perdão. Lembrava daquele jovem frio, calado, calculista, com decepção, mas sem ódio. Entretanto, ao tomar conhecimento dos depoimentos da mulher e de dois funcionários à Polícia Civil, e mesmo antes que o assassino se entregasse, no dia 30 de fevereiro, mudei completamente de ideia. É impossível perdoar alguém tendo como contrapartida avalanche de mentiras programadas, de cenários arbitrados por um defensor. Um tribunal do Juri que tenha como premissa a sensibilidade dos leitores do Diário do Grande ABC que se manifestaram imediatamente após ou nos dias subsequentes à reportagem que acabei de reproduzir não determinará outro destino sentencial senão a condenação de um monstro que já deixara pegadas de agressividade impiedosa em Indaiatuba, onde desonrou o uniforme de guarda civil municipal. Um torturador que está preso porque a Justiça não caiu num conto de horror que ultrapassou a recepção de um pet shop. Expandiu-se na Delegacia de Polícia com depoimentos fraudulentos. E ganhou uma reportagem tendenciosa.
O Diário do Grande ABC do qual sou ombudsman não autorizado está devendo uma satisfação aos leitores em forma de verdades sonegadas em contraponto às mentiras construídas pela defesa de um assassinato não consumado.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!