O Ano Internacional do Voluntário forneceu combustível novo à antiga prática da solidariedade humana, que nestes tempos globais despiu o figurino de mera filantropia e contaminou também as empresas rebatizada de responsabilidade social. O destaque inusual que o voluntariado ganhou na mídia em 2001 não retrata com fidelidade, entretanto, o despertar da cidadania participativa também nas micro e pequenas empresas. Não é por que não estão organizadas em torno de prestigiadíssimas entidades como Instituto Ethos e Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) que as pequenas organizações estão no meio do caminho. "Apesar de não ter gestão social metodológica e profissionalizada como nas grandes empresas, o microempreendedor tem se dedicado à cidadania empresarial. Só não faz mais por puro desconhecimento" -- detecta a professora universitária de Planejamento de Comunicação e diretora da M.Govatto Marketing Social, Ana Claudia Govatto, que prepara para dia 25 deste mês a segunda edição do Simpósio Sobre Responsabilidade Social, no Centro Universitário Imes, em São Caetano. A participação é gratuita, como no primeiro encontro realizado em março no auditório da Uniban em São Bernardo.
Tudo o que a consultora Ana Claudia Govatto pretende é lotar de novo o evento, pois acredita que essa nova prática empresarial faz bem às transformações sociais e, inclusive, à saúde dos negócios. Pesquisa do Instituto Ethos, criado há 12 anos para promover ações empresariais socialmente responsáveis, detectou que 31% dos consumidores já levam em conta a postura social da empresa. Nos Estados Unidos e Europa há até fundos éticos de investimentos, que só aplicam em empresas do time da responsabilidade social. Desde janeiro deste ano o Unibanco está catalogando empreendimentos brasileiros para apresentar a esses fundos. "O problema é que só aparecem as grandes empresas. As pequenas acham que ações sociais requerem muito dinheiro, quando, ao contrário, a questão é de postura empresarial. Muitas pequenas sequer sabem que, ao desenvolver a capacidade humana dos funcionários, já agem pautadas pela ética e pela valorização social" -- coloca Ana Claudia Govatto.
Com a consultora concordam Wagner Furiati Nabarrette e Yoshio Matuda, sócios na SomaVídeo de São Bernardo, que trabalham com oito funcionários na produção de imagens, fotografias, filmes e catálogos, entre outros, e há um ano transformam em voluntariado parte da atuação profissional. A SomaVídeo não cobra fotos e filmagens que faz de eventos que entidades beneficentes promovem para arrecadar fundos e seus funcionários entram com mão-de-obra voluntária. "Não se trata de doação de recursos, mas de entrega emocional. Se todos doarem uma hora de trabalho na forma de repasse de conhecimento, de presença num mutirão pela saúde ou pelo corte de grama da escola do bairro, já terá ajudado nas transformações sociais de que precisamos" -- considera Wagner Nabarrette, 31 anos, que participava de ações comunitárias esporadicamente, como cidadão. Decidiu, então, colocar a SomaVídeo na rota de creches como a do Jardim das Orquídeas e de entidades como o Centro Comunitário Madre Maria Inês Tribiolli, os dois em São Bernardo. A empresa também doa 100 litros de leite todo mês a um asilo de São Caetano.
Segundo o Gife, que reúne 57 fundações de pesos pesados como Bradesco, Ford, Xerox, Iochpe e Natura, os investimentos das associadas no Terceiro Setor -- como se chamam organizações sem fins lucrativos que têm como função a promoção social -- somaram R$ 593 milhões no ano passado. O resultado é 15,7% maior que o feito em 1997 e priorizou áreas como educação, cultura, saúde e meio ambiente, além do fortalecimento do Terceiro Setor. Um fato novo anunciado pelo vice-presidente do Gife, Leo Voigt, é que as empresas com compromisso social começam a também privilegiar currículos de candidatos a empregos que participam de algum trabalho comunitário. O Restaurante Golden Food, de São Bernardo, foi além e decidiu reforçar a equipe de seis funcionários com contratação de portadores de deficiência. A proprietária Fátima Regina Veiga aderiu à campanha Adote Um Cidadão desenvolvida pela Txai Company, escola de informática e idiomas de São Bernardo, junto com a Prefeitura para treinar pessoas especiais para o mercado de trabalho. Durante um ano a jovem Roberta Borges de Carvalho, surda-muda, preparou os sucos na copa do Golden Food e esse primeiro degrau profissional rendeu-lhe emprego em empresa maior. "Foi uma experiência excelente para a equipe, pois a Roberta se entrosou muito bem e nos ensinou a derrubar preconceitos" -- conta Fátima Veiga, que está inscrita para empregar outro candidato excepcional. Enquanto isso, divulga o Adote Cidadão nos menus do restaurante e na camiseta do programa exposta logo à entrada.
Filantropia e engajamento -- O voluntariado ganhou impulso na década de 90 com a organização do Terceiro Setor na forma de ONGs, sindicatos e grupos de direitos civis que cresceram no vácuo das deficiências dos poderes públicos em socorrer as feridas sociais. A evolução tecnológica da informação incumbiu-se de disseminar rapidamente as informações e multiplicou as ações como nunca.
O presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, que participou do 1º Simpósio Sobre Responsabilidade Social promovido pela M.Govatto, reconheceu que as empresas acabam fazendo muito do papel que compete ao Estado, mas considera secundária essa fronteira de atribuições diante do que chamou de iminente extinção do ser humano. Citou a devastação das florestas, a poluição ambiental e o efeito estufa que degela os pólos, a crise energética e de água potável, além da desigualdade social. "As soluções deverão sair de nós próprios. A espera de soluções por parte somente dos órgãos públicos é inviável" -- considera. É assim que Oded Grajew justifica o crescimento da responsabilidade social corporativa. O que era filantropia e projeto colaborativo individual passou a permear toda a empresa e transformou-se em estratégia de gestão empresarial, afirma o dirigente do Ethos, que serve de exemplo sobre o salto nessa conscientização: as 11 empresas associadas em 1988 transformaram-se em 415 hoje.
A antropóloga Leilah Landim, pesquisadora do Iser (Instituto de Estudos da Religião) e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, conceitua que a diferença em relação à solidariedade de antes -- a maioria movida por sentimento religioso -- é o crescimento do modelo norte-americano de voluntário engajado. "A motivação hoje é mais social, sem laço afetivo com o beneficiário. É um modelo de compromisso cívico que prevê iniciativas que valorizam resultados práticos" -- comenta.
Não é por outra razão que 50% dos norte-americanos estão engajados em serviços voluntários sociais, número que no Brasil calcula-se ter chegado a 22% da população no ano passado. Uma das ações que mais estampam a eficácia de ações cívicas perseguida pelos americanos pode ser encontrada no McDia Feliz promovido pelo McDonalds. A bilheteria de um dia com vendas de Big Mac é revertida para entidades de combate ao câncer infantil em todo o mundo. Uma das empresas que abraçaram a causa no Grande ABC é a Laser Ocular, clínica de Santo André que desde 1997 doa parte da verba para organizar o evento e compra tíquetes de lanche e camisetas. Este ano os médicos e sócios Edmundo Velasco Martinelli e Fernando Tarcha abriram um pouco mais o corredor humano que formam dentro da clínica em torno da causa e todos os 20 funcionários trabalharam na semana da campanha com a camiseta-símbolo do McDia Feliz acompanhada da logomarca da Laser Ocular. "Foi uma forma de criar um ambiente favorável entre a equipe e os clientes e ampliar a divulgação da campanha" -- comenta Edmundo Martinelli.
Pioneira na região na técnica Lasik de cirurgias a laser para miopia, hipermetropia e astigmatismo, a Laser Ocular exibe uma veia social plural. Por sugestão da recepcionista Cintia Rodrigues Alves, montou este ano campanha interna de doação de óculos de pacientes que fazem cirurgia de correção. "Das cerca de 400 intervenções que fazemos por mês, 50% aderem à doação" -- comemora Edmundo. Os óculos beneficiam o Grupo Eurípides Barsanulfo, que cuida no Grande ABC da Casa Fraternal Maria de Nazareth, Casa do Tio Oscar e Casa Fraternal Maria de Magdala, entidades de amparo a crianças e adultos carentes e idosos. Nesse verdadeiro show benevolente, a Laser Ocular ainda dá mão forte à campanha contra os balões promovida anualmente nas festas juninas pelo Corpo de Bombeiros e empresas Pólo Petroquímico de Capuava. O patrocínio envolve as visitas dos bombeiros a 48 escolas de Santo André e Mauá para conscientizar sobretudo crianças e jovens sobre os perigos do balão.
"É muito confortante ver essa postura de trabalho próprio ou de apoio a projetos sociais das pequenas empresas de forma tão eficiente quanto o que fazem as grandes. As pequenas devem entender que, juntas, têm muita força" -- saúda Ana Claudia Govatto, que se dedica como consultora a desenvolver estratégias de gestão da responsabilidade social corporativa e de marketing social. As inscrições para o simpósio no Imes podem ser antecipadas pelo e-mail simposiosocial@uol.com.br. Estão programadas exposições de cases da General Motors, sobre Cidadania Corporativa; Lara Central de Tratamentos de Resíduos, sobre meio ambiente; e Real Food, que vai abordar A Empresa e o Desenvolvimento Social. Ana Claudia vai dividir a intermediação dos painéis, que se desenvolvem das 8h30 às 13h, com o pró-reitor e professor do Imes Silvio Minciotti e com o editor-chefe do Diário do Grande ABC, Irineu Masiero.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!