O que pode haver em comum entre os atores Anthony Quinn e Tony Curts, o jogador de futebol Raí e a família imperial Orleans e Bragança, além da fama? O elo suplementar entre celebridades tão ecléticas passa por ateliê instalado em tranquilo bairro de Mauá, onde Rosa Maria da Paz dá vida aos quadros que compõem o acervo particular de gente famosa, agradam colecionadores e transitam no seleto e fechado mercado das artes plásticas. A artista que se auto-intitula uma operária da pintura vive mais um momento de clímax nos 20 anos de carreira. Até 11 de outubro expõe coleção que retrata o universo dos jogos infantis na conceituada Caribé Galeria de Arte, na Capital.
O cenário impresso nos 29 quadros da série Jogos e Brincadeiras cai como luva neste mês da criança. Tema e data, no entanto, são apenas coincidência. A infância integra o trabalho de Rosa Maria da Paz desde que se desvencilhou da fase acadêmica para buscar estilo próprio. Alguns críticos e apreciadores já identificaram traços de Di Cavalcanti e até de Volpi na obra da artista mauaense. Mas foi a mestre em História da Arte, Dalva de Abrantes, quem talvez tenha melhor definido esse lado criança que invade a obra da artista. "É a cabra-cega, ciranda, roda-pião, pipa, ioiô, marcha soldado. Cenas congeladas no tempo do era uma vez um gato xadrez" -- escreveu a acadêmica no convite da exposição na Galeria Caribé.
A simplicidade com que a estudiosa descreve a fase atual de Rosa da Paz torna-se compreensível na medida em que os quadros e os respectivos detalhes são visualizados. Nas obras de Rosa Maria da Paz criança é criança, rola na terra, tem os pés descalços, a cara suja e o olhar maroto de quem aprontou mais uma travessura. Não está confinada à frente da televisão ou do computador nem perambula sem rumo pelas ruas. "Não quero fugir da realidade, mas procuro resgatar o espírito infantil que hoje não vejo mais e faz tanta falta para nossas crianças" -- descreve.
As brincadeiras de criança que Rosa Maria expõe nas telas não se materializam apenas como fruto das próprias lembranças e das referências de interlocutores. Para rememorar costumes infantis escondidos pela era da tecnologia e da informação via Internet, a artista costuma substanciar a inspiração com apontamentos acadêmicos. Antes de iniciar um trabalho Rosa se embrenha pelo mundo da pesquisa em busca de subsídios que dêem sustentação às asas da imaginação.
É engano imaginar que artista vive apenas da criatividade. Além do material utilizado na pesquisa, a constante leitura de livros técnicos está incorporada à rotina profissional de Rosa Maria da Paz da mesma forma que pincéis, tintas e telas. O talento é fundamental porque agrega valor e imprime estilo próprio à obra do artista. Mas dominar técnicas de desenho e pintura e escolher corretamente a matéria-prima também são etapas fundamentais do trabalho. "Obra de arte não é produto descartável e precisa estar protegida contra a ação natural do tempo" -- explica a artista de Mauá.
A proteção mencionada começa no cuidado com as telas, que precisam de tratamento especial anti-mofo. Rosa utiliza tintas acrílicas americanas de secagem rápida porque, além da qualidade, aprecia a luminosidade dos tons do produto internacional. Ela tem cuidado especial com as cores e preferencialmente pinta durante o período em que o ateliê está inundado por luz natural. A providencial generosidade da mãe-natureza evita distorções na tonalidade. Como companheiro das horas de reclusão no espaço de trabalho, apenas o rádio sintonizado em notícias. Professora de História por formação, Rosa não se admite desplugada do mundo real.
O tradicional banquinho que forma ao lado da paleta um dos principais símbolos dos artistas plásticos não integra a lista de ferramentas de trabalho de Rosa Maria da Paz. Ela tem o hábito de pintar em pé, em movimentos de vaivém, principalmente porque trabalha com telas de grande dimensão. A artista já assinou painéis com até 3,40 metros, mas o tamanho de cada quadro nem sempre é decisão própria. Obedece lógica de mercado que leva em conta o público-alvo e o espaço que o comprador dispõe para o quadro. A dimensão é variável importante na complicada equação que determina o preço de cada obra. O preço de Rosa da Paz em exposição na Caribé Galeria de Arte varia de R$ 1 mil a R$ 5 mil por tela.
Profissionalização -- A exposição da série Jogos Infantis é a terceira individual de Rosa Maria da Paz na Caribé Galeria de Arte. Antes de se tornar artista requisitada por esse conceituado espaço de São Paulo, Rosa percorreu caminho similar ao da maioria que se aventura pelo mundo artístico. Depois de frequentar espaços alternativos por mais de 10 anos, chegou com a cara, a coragem e as obras debaixo do braço -- como faz questão de frisar -- à Galeria Portal na Rua Estados Unidos, no requintado bairro dos Jardins. Foi aceita e vendeu 16 dos 21 quadros expostos na primeira mostra individual em local onde arte é tratada como negócio e investimento. Um dos quais comprados pelo mito hollywoodiano Anthony Quinn.
A partir daí a carreira tomou novos rumos. Além de personalidades, colecionadores passaram a se interessar pelo trabalho da artista mauaense. Rosa possui obras mencionadas no Anuário Internacional de Artes de Paris e no Dicionário de Artes da Unesco. Também conquistou medalhas de ouro em exposições realizadas nos Estados Unidos e na França, entre outros prêmios internacionais, além de mais de uma dezena amealhados em solo brasileiro.
"Cada vez que alguém elogia meu trabalho, tenho uma sensação nova. É como se fosse a primeira vez" -- confessa. A declaração com leve toque de desabafo remete a uma daquelas lembranças de início de carreira. Rosa tem na memória detalhes do primeiro elogio. "Você tem futuro" -- disse o conceituado pintor andreense Euclides Rios ao se deparar com quatro quadros que a artista levou para a primeira exposição na Casa de Cultura e Museu Barão de Mauá, no início dos anos 80. Mais tarde, Euclides Rios se tornaria um dos professores da artista.
Rosa Maria da Paz decidiu entrar para o mundo das artes plásticas porque buscou no talento nato alternativa para carreira profissional que a permitisse estar ao lado dos dois filhos, hoje com 26 e 30 anos. Professora de História, declinou dos bancos escolares em favor da educação dos meninos. A família sempre desempenhou papel preponderante na vida da artista, que enxerga o lar como o santuário que acolhe e protege das incertezas do mundo.
A sensibilidade que Rosa transporta para as telas está claramente estampada no jeito espontâneo de descendente de italianos. Como não poderia deixar de ser, Rosa Maria da Paz é falante e expressiva. Também empresta a habilidade manual às porcelanas e objetos de decoração. Quando não está pintando, sempre se vê às voltas com alguma criação artesanal. As paredes da sala exibem menos de uma dezena de obras próprias que retratam fases de casario, abstratos, geométricos e, claro, crianças.
A projeção profissional de Rosa Maria da Paz rendeu-lhe o cargo de assessora cultural da Secretaria de Esportes e Cultura de Mauá entre 1993 e 1996. A incursão pelo mundo da política não seduziu a pintora a ponto de torná-la ávida por ocupar novamente um cargo público. Prefere esquecer contratempos e os inevitáveis espetáculos de disputa de ego que incendeiam bastidores do poder e lembrar-se apenas das compensações do trabalho. Rosa coordenou a restauração da capela da Santa Casa de Mauá, um dos patrimônios culturais do Grande ABC por abrigar os painéis sacros de Emeric Marcier. "Ocupei cargo público para fazer alguma coisa por minha cidade. Sou ligada demais às raízes e tudo que faço sempre está relacionado à história do meu povo" -- descreve.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!