O que pensam os universitários do Grande ABC sobre o Grande ABC? Ninguém melhor que os próprios universitários para responder à pergunta. E, diferentemente do Show do Milhão, que estigmatizou a classe como se estudantes de Terceiro Grau fossem um bando de ignorantes, o resultado da pesquisa mostra que eles estão bem informados sobre a realidade regional.
Quase mil universitários -- exatamente 861 -- responderam à pesquisa e erodiram o senso comum que coloca em dúvida o grau de conhecimento da classe. Pelo menos em se tratando de pontos essenciais do desenvolvimento econômico do Grande ABC, eles provaram que não tem fundamento a etiqueta de ignorância colada pelo programa animado por Sílvio Santos.
Foram ouvidos universitários de três instituições de ensino do Grande ABC. Duas estão relacionadas com o Poder Público como autarquias (o Centro Universitário de São Caetano, antigo Imes, e a Fundação Santo André). A terceira é a Uni-A (Centro Universitário de Santo André), antiga Faculdades Integradas Senador Flaquer. São estudantes de áreas econômicas, casos de Comércio Exterior, Administração de Empresas, Ciências Contábeis, Economia e Gestão Empresarial, além de Direito.
O resultado final da pesquisa deixa evidenciadas algumas situações atuais, históricas e prospectivas. A primeira pergunta aborda a expectativa dos estudantes com o futuro do Grande ABC numa atividade decisiva ao equilíbrio social e econômico: o mercado de trabalho. Como nas questões subsequentes da pesquisa, a proposta de LivreMercado foi construir três cenários diferenciados e, dessa forma, contemplar todas as alternativas possíveis ao alcance dos estudantes.
O resultado final sobre a expectativa para o mercado de trabalho revela forte preocupação dos jovens, porque a preferência de 48,7% pela alternativa C é sintomática. Vejam o enunciado que teve a preferência dos estudantes:
Se continuarmos a perder indústrias, como está acontecendo há muitos anos, não tenho dúvidas de que conseguir emprego de qualidade e com boa remuneração no Grande ABC vai ser cada vez mais difícil. Afinal, a indústria é a base da economia e um setor que gera riquezas para as demais atividades.
A opção quase majoritária dos estudantes deixa explícito que a evasão e o aniquilamento que marcaram o setor industrial da região nas duas últimas décadas atingem diretamente não só a auto-estima da maioria dos jovens como também embrutece os sonhos sobre ocupação profissional.
A alternativa B sobre o mercado de trabalho no Grande ABC não radicaliza a essencialidade da atividade industrial como indutora dos projetos pessoais e profissionais dos estudantes, mas faz soar o alarme da inquietação. Nada menos que 27,7% dos estudantes optaram pelo enunciado:
Embora acredite que os setores de comércio e de serviços sejam importantes para o desenvolvimento econômico do Grande ABC, não posso deixar de lado a possibilidade de encontrar dificuldades profissionais porque, sem o poderio industrial de outros tempos, há natural entorpecimento das demais atividades. Entretanto, nem assim o Grande ABC terá comprometida sua força econômica.
A escolha dos universitários por essa alternativa formulada por LivreMercado enseja pelo menos dupla interpretação, dualística por sinal -- há sentimento de orfandade industrial que não pode ser desprezado, mas também resiste a confiança de que o Grande ABC é território que admite embalar propostas de fortalecimento econômico.
O fato derivado da opção dos estudantes pelas alternativas B e C não deixa margem para dúvidas -- para azar dos poucos letrados estatisticamente que enxergam a desindustrialização da região como miragem, há nítida percepção de que as perdas industriais estão escancaradamente marcadas no Grande ABC e que não é qualquer pesquisador comprometido apenas com fabricação de ilusões que vai eliminar uma realidade dolorosamente construída por uma conjunção de fatores. Contribuíram desde a atividade sindical e o custo da terra até as deseconomias em escala de regiões metropolitanas, sem falar na guerra fiscal que acelerou o deslocamento do eixo de investimentos rumo ao Interior do Estado e também, principalmente, para o Interior de Minas Gerais e do Paraná.
Provavelmente poucos dos universitários que escolheram as alternativas C e D têm ferramentas de pesquisas técnicas e analíticas que os levaram a consubstanciar a definição sobre o esvaziamento industrial do Grande ABC. Mas isso se torna dispensável quando se observa o choque provocado por galpões industriais desocupados e antigas instalações produtivas substituídas por supermercados, templos evangélicos e casas de bingo, entre outras atividades que geram, quando geram, muito menos valor agregado.
Apenas um quarto dos estudantes pesquisados (exatamente 23,4%) preferiu o enunciado da alternativa A para a questão formulada na pesquisa sobre o mercado de trabalho, que é o seguinte:
O desenvolvimento econômico do Grande ABC está cada vez mais vinculado ao crescimento dos setores de comércio e serviços. Sei que isso é muito positivo, porque a perspectiva de se abrirem novas vagas é real, compensando as perdas industriais que sofremos nos últimos 20 anos. Acho que temos condições de crescer sem depender tanto da indústria.
Por ser fechada, isto é, sem campo para desdobramentos de posições, a pesquisa com os estudantes não detectou as razões da confiança na força construtiva do setor de serviços. É possível que esse quadro se relacione com a possibilidade de o Grande ABC deixar a fragilidade de serviços de baixa qualificação e ingressar, como a cidade de São Paulo, num modelo mais próximo de produção de riqueza, como são as atividades de marketing, propaganda, design, moda, turismo de negócios, consultorias especializadas, engenharia, logística, eventos e convenções, entre outras áreas batizadas por especialistas de terciário avançado.
Se efetivamente for essa a dimensão do setor de serviços interpretado pelos estudantes da Fundação Santo André, Uni-A e Centro Universitário de São Caetano, o recado que fica aos administradores públicos é quase uma intimação -- que tratem de se articular, individual ou coletivamente, para acrescentar ao perfil econômico da região essas modalidades centralizadas na Capital do Estado. É o terciário avançado que contribui significativamente para amenizar as perdas industriais também sofridas pelos paulistanos nas duas últimas décadas. Em abril do ano passado, em entrevista a LivreMercado, o então prefeito de Santo André Celso Daniel enfatizou a necessidade de reunir o terciário avançado no mix econômico regional.
A segunda pergunta-eixo da pesquisa respondida pelos universitários instala as instituições mais conhecidas da região no banco dos réus. Câmara Regional, Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, Agência de Desenvolvimento Econômico e Fórum da Cidadania estão com a cotação em baixa junto aos universitários. Um sentimento que, longe de expressar posição isolada, reflete a frustração da comunidade como um todo. As respostas sobre o grau de satisfação dos universitários em relação à integração regional analisam enfaticamente a situação atual do Grande ABC. Diferente do quesito relativo ao mercado de trabalho, que traça perspectivas para o futuro.
Apenas 5,5% dos 861 universitários pesquisados concordam com a alternativa A, cujo enunciando é o seguinte:
Não tenho dúvida de dizer que as instituições políticas, sociais e econômicas do Grande ABC estão suficientemente unidas para recolocar a região na trilha do desenvolvimento socioeconômico. Eventuais contratempos não vão atrapalhar os planos que já foram elaborados e algumas iniciativas que já saíram do papel.
A pesquisa de LivreMercado foi feita entre maio e junho do ano passado e a maioria dos estudantes não recebia com regularidade as edições da revista. Apenas nos meses subsequentes eles foram incorporados ao cadastro. Isso significa que a interpretação expressa nas posições guarda relação muita estreita com a linha editorial de LM. O resultado não deixa de ser surpreendente, porque os formadores de opinião da região tendem a afirmar que a classe estudantil não acompanha os fatos econômicos, sociais e políticos em grau satisfatório. Há um amálgama aparentemente imperceptível que liga os jovens estudantes à realidade regional em dimensão muito mais contundente do que se poderia imaginar. Convém, por isso mesmo, prestar um pouco mais de atenção às possibilidades de ocorrerem movimentos significativamente mais maduros do que imaginam todos aqueles que se julgam detentores de conhecimento na região.
Menos mal para os atores sociais, econômicos e políticos do Grande ABC que a alternativa B relacionada à integração regional minimize a responsabilidade. Para 55,9% dos entrevistados, prevaleceu a seguinte colocação:
Embora entenda que tenha havido movimentação de setores políticos, sociais e econômicos para dar ao Grande ABC a integração que tanto se exige, ainda não estou plenamente convencido de que o cronograma de ações tenha obedecido o mesmo ritmo de planejamento. Ainda está faltando muita coisa para garantir que finalmente estamos integrados.
A mensagem da preferência dos estudantes pesquisados parece insofismável: a expectativa de que se trabalhe regionalmente não pode entrar para a conta de um passivo institucional sem que isso provoque perfurações no prestígio dos agentes envolvidos. Mais ainda: à medida que se instalou a expectativa de que o Grande ABC precisa justificar sua própria denominação, reunindo os sete municípios em estratégias e táticas que estejam sincronizadas com a necessidade de fortalecimento dos conceitos de regionalidade, mais ainda os administradores públicos, empreendedores e lideranças sociais serão responsabilizados por eventuais fracassos. Enfim, que a regionalidade não é algo abstrato para enfeitar discursos, mas uma peça de pragmatismo que não pode ser confundida com o biquíni, que mostra tudo, menos o essencial.
Para provar que a maioria sintonizada com a alternativa B exige leitura cuidadosa e que o enunciado escolhido não significa contemporização, basta observar a preferência pela alternativa C que, teoricamente, foi construída com forte dosagem crítica. Nada menos que 38,4% dos estudantes pesquisados decidiram-se pelo seguinte enunciado:
Essa história de que os prefeitos da região estão unidos é bobagem. Eles só pensam em seus municípios e, na verdade, só têm força em seus respectivos municípios. Externamente, nossos deputados estaduais e federais são ignorados. E a sociedade como um todo assiste a tudo sem efetivamente participar de necessárias mudanças.
Como se observa, é expressivo o contingente de jovens universitários que dedicam aos administradores públicos o mesmo desvelo de um árbitro de futebol que conhece a fama de indisciplina de Marcelinho Carioca, Beletti e outros jogadores que não são exatamente flor que se cheire. Quase 40% dos estudantes estão de dedo em riste em direção às autoridades públicas, chamando-as sem rodeios de individualistas. Além disso, desconfiam tremendamente da força política dos deputados locais e da capacidade da sociedade como um todo provocarem mudanças de rumo de direção.
A terceira pergunta-eixo foi direcionada para uma atividade cuja participação histórica no processo de desenvolvimento econômico, social e político do Grande ABC é importantíssima: o movimento sindical, principalmente o relacionado ao setor metalúrgico e às lideranças que se sucederam a partir do chamado Novo Sindicalismo, com Luiz Inácio Lula da Silva. Prevaleceu nas respostas dos estudantes posição nem de radicalismo à esquerda nem de radicalismo à direita. A alternativa B foi apontada por 55,86% e tem o seguinte enunciado:
Não se pode tirar o mérito do movimento sindical que mudou a face do Grande ABC a partir das greves comandadas por Lula. Entretanto, por mais que tivessem razão os trabalhadores, creio que faltou flexibilidade de modo a evitar que o radicalismo espantasse muitas empresas e chegássemos ao ponto atual de desindustrialização regional inquestionável.
As posições à direita e à esquerda das interpretações sobre o movimento sindical praticamente empataram. Enquanto 21,71% dos estudantes ficaram com a alternativa A, outros 22,41% preferiram a opção C.
O enunciado da alternativa A é o seguinte:
O movimento sindical do Grande ABC contabilizou mais resultados positivos do que negativos ao longo da história mais recente, a partir de Lula, porque deu dignidade aos trabalhadores e mostrou para muito empresário que é preciso ter respeito pelo fator trabalho, oferecendo a seus representantes muito mais que a responsabilidade de produzir, mas também o direito de usufruir das riquezas.
O enunciado da alternativa C coloca:
Dizer que o movimento sindical ajudou a dar personalidade e respeito ao trabalhador do Grande ABC é apenas parte da verdade que, de forma alguma, deve servir de desculpa para o que tivemos ao longo dos anos. Os sindicalistas simplesmente espantaram as indústrias da região e até hoje pagamos esse pato. Por isso mesmo, o saldo do movimento sindical é negativo.
Três coordenadores -- A pesquisa com os universitários contou com coordenação de campo dos professores Ary Silveira Bueno e Valquíria Stafocher e o consultor educacional Jaime Guedes. Valquíria atuou diretamente com os estudantes do Imes de São Caetano, Ary Silveira na Fundação Santo André e Jaime Guedes na Uni-A. Os resultados refletem a soma de pontos de cada alternativa exposta, mas há algumas diferenças de interpretação ditadas pelo perfil dos universitários de cada instituição.
Dois exemplos são significativos: sobre o mercado de trabalho, estudantes da Fundação Santo André praticamente equilibram as respostas entre as três alternativas; sobre integração regional, só 5,8% dos alunos da Uni-A optaram pelo enunciado de confiança nas instituições regionais, enquanto 41,7% radicalizaram posição pelo ceticismo e descrédito. Já sobre o movimento sindical, há forte semelhança entre os índices das três escolas em relação à média geral.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!