Os irmãos Eloi e Névio Carlone pensavam numa forma de se livrar das despesas da chácara em que a família passava os finais de semana no Riacho Grande, em São Bernardo, quando descobriram um bom negócio: transformar a propriedade de lazer num centro de entretenimento. A receita foi temperada com 300 quilos de carne e se transformou no boi no rolete, churrasco monumental que é a principal atração da Estância Alto da Serra, considerada uma das maiores casas noturnas do País e que atrai milhares de pessoas nos finais de semana com música country, viola e o estilo sertanejo de se divertir. Mais do que isso, entretanto, os irmãos Carlone montaram em poucos anos um empreendimento turístico que pode servir de referência ao desenvolvimento de áreas de preservação natural pouco aproveitadas no Grande ABC ou simplesmente invadidas.
A abertura das importações no início da década passada provocou impacto no setor têxtil brasileiro e atingiu a família Carlone, dona de quatro tecelagens no Estado de São Paulo: em Salto, Nova Odessa, São Bernardo e São Paulo. Apenas a Tecelagem Sírius ficou em poder da família, que começou também a rever o uso de uma propriedade de 250 mil metros quadrados no Distrito do Riacho Grande, às margens da Represa Billings. "Era um espaço que usávamos para lazer somente nos finais de semana e cujas despesas já não podíamos absorver" -- conta Eloi Carlone. A solução mais imediata foi o aluguel da propriedade para eventos fechados, principalmente confraternização de estudantes, casamentos e aniversários, algo comum nas chácaras do Riacho.
O estalo para definir o perfil do futuro empreendimento só surgiu quando os irmãos Carlone decidiram fazer um boi no rolete -- gigantesco churrasco de um boi inteiro. A receita era simples e deu bons resultados. Bastaram apenas dois quilos de cebola picadas, um quilo de pimentão vermelho, 30 folhas de louro, um litro de uísque, um quilo de alho descascado, quatro maços de cebolinha verde e outros quatro de salsinha, 400 gramas de mostarda em pasta, 150 gramas de noz moscada e quatro litros de vinho branco, além, é claro, de um boi com aproximadamente 300 quilos. "Recebemos pouco mais de 200 pessoas e fizemos outro boi no rolete depois de 15 dias. Foi quando pensamos em promover um baile à noite, criando um espaço fidelizado no estilo country-sertanejo" -- lembra Eloi, ele próprio um apaixonado pelo mundo dos cowboys e violeiros e que não dispensa o uso do chapéu, botas de bico fino e calça jeans onde quer que vá. No primeiro baile, em abril de 1999, cerca de 300 pessoas compareceram e três meses depois já eram mais de quatro mil homens e mulheres vestidos a caráter.
O churrasco diferente e farto foi o imã para juntar rapidamente público numeroso que pouca gente tinha até então percebido: eram principalmente jovens que viviam estilo de vida meio sertanejo e meio cowboy, criticado por muitos mas adotado por muito mais gente. Hoje, nas noites de sextas, sábados e domingos, o estacionamento para dois mil veículos é pequeno para o número de carros, caminhonetes e peruas que chegam a ocupar por três ou quatro quilômetros os dois lados do acostamento da Rodovia Índio Tibiriçá, que liga São Bernardo a Suzano. Entre 12 e 18 mil pessoas frequentam os bailes da Estância nos finais de semana, público de grande partida de futebol do Campeonato Paulista ou do Torneio Rio-São Paulo, por exemplo. A chácara familiar se transformou num centro de diversões e convenções, com sete mil metros de área construída e direito até mesmo a uma vila country, com lojas, bares e restaurantes típicos.
20 mil latas de bebidas -- Em seis anos, a chácara alugada para festas de universitários se transformou num centro de lazer com 70 funcionários fixos e outros 270 que trabalham nos finais de semana. Cozinha industrial com 300 metros quadrados e quatro câmaras frigoríficas abrigam 20 mil latas de bebidas, toneladas de carne, frutas e verduras. Eloi Carlone ressalta que tudo foi construído sob orientações ambientais da Cetesb, inclusive a instalação de tratamento de esgotos.
Há seis meses, a Estância Alto da Serra começou a organizar eventos e convenções para empresas. Há espaços para reuniões de 50 ou seis mil pessoas. Foram criadas três salas para reuniões com capacidade para 120, 135 e 240 pessoas. Entre os clientes já atendidos estão nomes como Ford, Toyota, Volkswagen, Honda, Filtros Fram, Philips, Bradesco, BCN e Credicard.
Outra fonte de renda que a empresa começa a explorar é a marca Estância Alto da Serra, presente em milhares de carros, principalmente dos adeptos do estilo sertanejo-chique. A família Carlone descobriu o que só agora começa a aparecer para o mercado: as comitivas, grupos formados principalmente por jovens, que comparecem aos bailes e outros eventos vestidos a caráter, com botas, chapéus e calças jeans. "Foram as comitivas que nos ajudaram no começo, ao sugerirem nomes de artistas sertanejos para se apresentar na Estância" -- conta Eloi Carlone. É para esse público que tem significado a logomarca preta e laranja da Estância, com o perfil de um cowboy. Além de decorar carros dos membros das comitivas, a estampa está presente em botas, chapéus, camisetas, chaveiros, bonés, cintos e calças com a grife Estância Alto da Serra que são vendidos na boutique da vila country do local.
O negócio tem perspectivas de crescimento num País que mistura estilo country com sertanejo com a mesma facilidade com que as lanchonetes servem misto-quente e hambúrguer. Basta ver o crescimento vertiginoso da famosa Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, que ocorre em agosto na cidade do Interior de São Paulo. Nos anos 50, a festa durava dois dias, apenas para marcar o aniversário de Barretos. Hoje são 10 dias e legião de um milhão de visitantes. A Festa do Peão de Boiadeiro também comercializa a marca por meio de uma grife.
Cada vez mais, o estilo country-sertanejo ganha adeptos no Brasil. O rodeio, como é exibido atualmente em Barretos e também em eventos especiais na Estância, começou em seu formato atual no Centro-Oeste dos Estados Unidos no século XIX. A mania começou a chegar ao Brasil nos anos 50 e se intensificou na década seguinte com o desembarque da chamada country music pela voz até então solitária do cantor Bob Nelson. Aos poucos, foram surgindo bandas brasileiras de country music como Cowboy Group e Nashville Express. Hoje o ator e empresário Odilon Wagner é o responsável pela nova onda de expansão da country music, divulgada em festivais como o GM Country Festival e o Skol Country Festival.
Cruzeiro country -- É na esteira dessa febre que a Estância amplia os negócios. Este ano iniciou novo empreendimento com a organização de um cruzeiro country no navio Costa Tropicale, na rota Santos-Búzios-Santos. Levou 300 amantes da música para tournée animada por três duplas sertanejas. "Começamos a vender passagens em novembro junto com 700 agências de viagens, que completaram os 1,4 mil lugares do navio. Sem ter perfil de empresa de turismo, acho que começamos bem" -- brinca Eloi Carlone. O empresário ficou tão animado com o cruzeiro, realizado entre dias 2 e 5 de março, que em 2003 pretende reservar o navio com atrações como rodeio virtual.
Os planos não param na praia. Os irmãos Carlone querem construir um navio de 90 metros de comprimento e 20 de largura, que ficaria atracado num dos lagos da Estância. Pelos planos, a embarcação será construída em parceria com investidores num sistema de apart-hotel. Terá 250 apartamentos em seis andares, suficientes para abrigar 500 pessoas. Além de colocar um navio no alto da serra de São Bernardo, Eloi Carlone quer construir o maior monumento religioso do Brasil: uma estátua de Nossa Senhora Aparecida com 36 metros de altura. Devoto da santa, Eloi conhece a religiosidade da maioria dos adeptos da linha country. "São formas de ajudar a região a criar novos núcleos de consumo. Acredito que outros empresários se interessem em investir no turismo da região" -- aposta.
Os irmãos Carlone também estendem seus negócios pela música e preparam o lançamento, junto com a Abril Music, do primeiro CD da Estância Alto da Serra, com tiragem de 150 mil cópias. O repertório inclui músicas de Bruno e Marrone, Edson e Hudson, Cristian e Ralph, além de nomes revelados pela própria casa como Erik e Henrique, Touceira e Zé Bento, Anderson e Marcelo, João Pedro e Juliano e Wilson Carlos. O CD já é vendido na Estância. Outra investida é na área da televisão. Dois programas estão sendo negociados com a TV Cultura e a Canbras, empresa de TV a cabo que atua no Grande ABC e Baixada Santista. Eloi Carlone define os programas como agromusicais, animados pelos mesmos artistas que se apresentam na Estância.
O filão country-sertanejo está sendo mapeado com cuidado pelos irmãos Carlone com vistas a otimizar negócios na área de turismo e lazer. A receita já foi testada com sucesso em todos os churrascos e bailes dos finais de semana com o peso do boi no rolete e a paixão dos aficcionados pelo estilo de vida que mistura Willie Nelson com Chitãozinho e Xororó. O único laço que aperta o setor é a alíquota cheia de 5% do ISS (Imposto Sobre Serviços), uma luta que a Aetur (Associação das Empresas de Turismo do Grande ABC) trava junto à Prefeitura.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!