Euclydes Rocco Júnior é um arquiteto que também aprendeu a desenhar com as palavras. O andreense de 59 anos exercita nas horas vagas a compatibilidade nata que o aproxima da escrita para promover o bem comum. As mesmas mãos que habilmente projetam edifícios também deslizam na construção de roteiros teatrais que bem poderiam integrar o circuito profissional das artes cênicas. Euclydes Rocco, no entanto, fez sua bem-sucedida escolha profissional há três décadas. Tornou-se respeitado no mundo da arquitetura, mas não abdicou do prazer de ver o público desmanchar-se em deliciosas gargalhadas com os textos que escreve.
O teatro é hobby para Euclydes Rocco Júnior, passatempo que passou a exercitar com mais frequência nos últimos cinco anos. Desde que o ator Antonio Petrin o convenceu a adaptar o texto Me Suicido ou Não? para o teatro, o arquiteto apurou o gosto pelo poder das letras e do palco. Era 1998 e a peça foi montada em benefício da Feasa (Federação das Entidades Assistenciais de Santo André) como forma de potencializar a arrecadação de fundos da conhecida Feira da Fraternidade. A partir daí, Rocco integrou definitivamente o batalhão de anônimos que move o universo da solidariedade e aceitou como mais recente desafio a coordenação da leitura dramática do livro Complexo de Gata Borralheira, do jornalista Daniel Lima.
Assim como todas as montagens teatrais de Euclydes Rocco, Gata Borralheira é espetáculo sem fins lucrativos. Mas diferentemente das peças anteriores que levam a assinatura do arquiteto, não se trata de comédia leve que faz emergir situações do cotidiano. Complexo de Gata Borralheira satiriza as razões que levaram o Grande ABC a nutrir sentimento de inferioridade em relação à vizinha Capital. A montagem programada para o Teatro Municipal de Santo André será encenada em homenagem a Celso Daniel neste 16 de abril, data em que o prefeito assassinado completaria 51 anos.
"O final é realmente emocionante" -- instiga Euclydes Rocco para aguçar a curiosidade. Ele insiste que o rótulo de teatrólogo não lhe cabe inteiramente. Mesmo assim, encarou o desafio de adaptar Gata Borralheira para os palcos e não hesitou em convocar o amigo Amaury Alvarez como auxiliar da tarefa. Alvarez é profissional de teatro e está encarregado de condensar e de transformar em drama o didatismo explícito no texto original.
Se há os que enxergam desprendimento na atitude de buscar parcerias para levar adiante projeto totalmente voluntário, a visão está correta. A veia teatral de Euclydes Rocco só se tornou conhecida do público porque ele sempre contou com a boa vontade do próximo para dar toque profissional aos eventos beneficentes. Foi assim com Me Suicido ou Não?, Grandessíssimo Filho, Mamãe Eu Quero, Faca de Dois Cabos e o Irmão do Meu Pai -- todos em benefício da Feasa e encampados pela legião quase sempre anônima que habita os bastidores da benemerência. "Gostaríamos de levar as apresentações também para São Caetano, São Bernardo e outras cidades. Temos um trabalho de meses que se esgota em número limitado de espetáculos" -- lamenta o arquiteto-teatrólogo.
Ser ou não ser -- Euclydes Rocco escreve desde os tempos do colegial, atual Ensino Médio, cursado nas salas do Américo Brasiliense, escola pública símbolo de uma geração de jovens estudantes da Santo André de bons tempos passados. Nunca escondeu ou camuflou o gosto pelas palavras, mas não sucumbiu ao drama existencial shakespeariano do ser ou não ser. Não teve dúvidas sobre a profissão: formou-se em Arquitetura pela USP (Universidade de São Paulo) e iniciou carreira na Ford como projetista de revendas. Depois passou pela Prefeitura de Santo André, trabalhou em escritório paulista que projetou os prédios da Unicamp, esteve na equipe do renomado arquiteto Paulo Mendes da Rocha e finalmente firmou-se com escritório próprio na Capital. O arquiteto morou 25 anos em Santo André e mudou-se para São Paulo após o casamento com Maria Thereza Fraga Rocco, professora de Teoria da Linguagem na USP, com quem tem os filhos Luís Paulo e Carolina.
Euclydes Rocco sempre manteve acesos os laços com Santo André e o Grande ABC. O portfólio apresenta dezenas de obras espalhadas por todo o País, mas os projetos que ele mesmo elege como os mais significativos são o novo Paço Municipal de São Caetano, a Câmara de São Bernardo, a praça de acesso a São Caetano e o novo prédio da Fefisa em Santo André, no qual chegou ao preciosismo de marcar o local exato do assentamento de cada bloco para evitar desperdícios. Rocco provavelmente esqueceu de relacionar o Edifício Torre di Rocco, que leva o nome da família e está localizado em frente à Praça do Ipiranguinha, em Santo André. O prédio tem sacadas cujo desenho sugere o movimento de ondas e tornou-se marco por ter resgatado a utilização de cores contrastantes que haviam desaparecido das construções. "Criatividade é tornar exequível aquilo que passa pela sua imaginação" -- costuma lembrar com frequência.
Também estão no Grande ABC dois importantes projetos sobre os quais o arquiteto se debruça nos dias atuais: o Complexo Educacional de Ensino Fundamental de São Caetano e o edifício do Cepes (Centro de Estudos, Pesquisa, Prevenção e Tratamento em Saúde), da Faculdade de Medicina do ABC, já começam a ganhar forma pelas mãos do arquiteto. Ele procura ser polido quando indagado sobre a obra predileta. Evita eleger diretamente uma das construções, mas não esconde que está sendo seduzido pela proposta do centro educativo de São Caetano que vai abrigar, além de escola tradicional, um planetário, centro cultural, museu de ciências e atividades de estímulo às vocações.
As construções assinadas por Euclydes Rocco talvez sejam insuficientes para detectar suas preferências. Geralmente, o arquiteto-teatrólogo projeta para realçar e tornar habitável e funcional aquilo que passa pela cabeça de cada cliente. Mas o gosto por cores escuras, por exemplo, acaba revelado na decoração do apartamento onde mora na região dos Jardins, em São Paulo. Euclydes Rocco trabalha esporadicamente com arquitetura de interiores. Permite-se, entretanto, usar essa habilidade para especialização -- da qual já foi até professor na Universidade Mackenzie -- na própria residência. Sempre com o devido palpite da mulher Maria Thereza.
Em pouco mais de duas horas de conversa, o arquiteto revela-se homem de alguns paradoxos. Gosta da multiplicidade do significado das palavras, mas ganha a vida com trabalho que exige beleza visual e precisão matemática. Admira a contemporaneidade dos hospitais da rede Sara projetados pelo companheiro de profissão Lelé Figueira, mas assume-se como um saudosista de carteirinha. Todos os anos reúne a velha turma do Américo Brasiliense e cultiva rara coleção de LPs, alguns de 10 polegadas e em rotação 78, com clássicos de Ray Coniff e The Platters.
"Não gosto apenas das músicas. Gosto principalmente das recordações que me trazem" -- confessa. Sob essa ótica há de se imaginar que o filme Picnic, de 1955, traduzido para o português como Férias de Amor, o remete a momentos realmente significativos. Rocco já perdeu a conta de quantas vezes assistiu a fita protagonizada por Willian Kolden e Kin Novack que conta a história de um vadio que chega ao Kansas e desperta a libido adormecida da ingênua mocinha.
Euclydes Rocco Júnior também integra o rol dos poucos privilegiados que utilizam as próprias pernas para locomover-se até o trabalho. O escritório estabelecido em vila de casas nas proximidades da badalada Rua Oscar Freire está a pouco mais de duas quadras de sua residência. Ali, no quartel-general da criação, há até espaço reservado para servir alpiste aos passarinhos que chegam sem fazer cerimônia. Um oásis em meio à ebulição de uma das áreas mais nobres de São Paulo? O arquiteto prefere analisar de outra forma. "O homem tornou-se tão cosmopolita que às vezes nem sabe que seu companheiro de trabalho é seu vizinho. Faz tudo no shopping e nem se dá conta de que está dentro de uma cidade medieval, cujas paredes assemelham-se às muralhas e os seguranças, aos guardas" -- teoriza.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!