Sociedade

Um vizinho mais
que indesejável

FERNANDO BELLA e VERA GUAZZELLI - 05/05/2002

A segurança pública continua no topo da pauta de debates do Grande ABC. Passado o traumático período pós-morte do prefeito Celso Daniel, a comunidade agora se envolve em discussão com o Poder Público para questionar locais escolhidos para instalação de um distrito policial e de dois CDPs Vertical (Centros de Detenção Provisória). A Associação Viva Bem São Bernardo e a Associação dos Empresários do Pólo Industrial do Sertãozinho abriram fogo contra qualquer cadeião em suas respectivas áreas geográficas. Já moradores e comerciantes do Bairro Jardim são contra a mudança do 4º Distrito Policial da Vila Palmares para a área nobre de Santo André. Na contra mão dos protestos, a comunidade do Parque dos Pássaros, em São Bernardo, financiou com recursos próprios a construção da 3ª Companhia do 6º Batalhão da Polícia Militar para aumentar a segurança do bairro. 

Há certa unanimidade sobre o assunto. Todos querem policiamento por perto e bandidos na cadeia, mas poucos suportam a idéia de ter marginais confinados vizinhos de casa. A lenha mais recente foi lançada ao fogo pelos moradores e comerciantes do Bairro Jardim, em Santo André. Eles se mobilizaram para protestar contra a instalação do 4º Distrito Policial na esquina da Rua Padre Vieira com Avenida D. Pedro II. O distrito transferido da Vila Palmares não terá carceragem, mas mesmo assim é visto como elemento desagregador da qualidade de vida do entorno basicamente residencial.  

O fato de uma delegacia de polícia teoricamente trazer mais segurança para a localidade parece não convencer a comunidade do Bairro Jardim. Há temor generalizado de que os imóveis percam valor imobiliário em função do maior movimento de veículos e obviamente da frequência nem sempre qualificada de um distrito, já que a Polícia Civil atende desde uma briga de bêbados até homicídios. A recém-criada Abaja (Associação do Bairro Jardim) já identificou outro imóvel na Rua Catequese e fora da perímetro residencial do bairro, onde considera mais viável a instalação da delegacia. "Sugerimos a mudança à Prefeitura na tentativa de contribuir com a solução do impasse. É o primeiro ato da Associação" -- argumenta o vice-presidente Luiz Marcatto Neto.

No igualmente nobre Parque dos Pássaros, em São Bernardo, a situação ganha contornos paradoxais. Organizada pelo NAL (Núcleo de Ação Local), a comunidade patrocinou com recursos próprios a construção da 3ª Companhia Militar do 6º Batalhão da Polícia Militar para garantir segurança no bairro e, lógico, evitar a desvalorização imobiliária depois que muitas casas foram colocadas à venda após sucessivos assaltos. Para erguer prédio com 520 metros quadrados de área construída foram gastos cerca de R$ 300 mil. A Prefeitura entrou com a infra-estrutura e o local e o governo do Estado com o efetivo policial. Na inauguração, a comunidade do Parque dos Pássaros contou até com a presença do governador Geraldo Alckmin e outros políticos. A atitude saudada como exemplo de cidadania pelos homens públicos é mais uma prova da ineficiência do Estado, que arrecada 34% do PIB em impostos e não dá conta de serviços públicos básicos como segurança. 


Centros de Detenção -- O anúncio da construção de Centros de Detenção Provisória em São Bernardo e Mauá alimenta outras brigas entre comunidade e Poder Público. A Secretaria de Assuntos Penitenciários do Estado confirmou a convocação da Consladel Construtora, Laços Detetores e Eletrônica para assinar o contrato de construção do cadeião vertical na Rua dos Vianas, em terreno do Ciretran, região central da cidade. A notícia caiu como bomba sobre integrantes da Associação Viva Bem São Bernardo, formada por moradores das imediações. A entidade argumenta com o governo do Estado há mais de dois anos, mas não consegue nada de concreto que inviabilize a construção do cadeião. Para tentar convencer o Poder Público, o presidente da entidade, Masaharu Shiratori, costuma levar sob o braço o que considera a principal arma nessa guerra. É a Lei de Zoneamento nº 4864/00, que proíbe instalação de cadeias em zonas residenciais.

Mesmo com os argumentos contrários da entidade, o governo do Estado considera o Centro de Detenção Provisória de São Bernardo um projeto inovador. Serão pouco mais de 600 detentos alojados em prédio de cinco andares. "Inovador? Enquanto outros municípios estão tirando esse tipo de sistema de áreas residenciais, São Bernardo caminha no sentido inverso" -- reclama a vice-presidente da Associação Viva Bem São Bernardo, Ivete Zoboli, que cita como exemplo a desativação do Complexo Prisional do Carandiru, em São Paulo. A entidade ainda alerta para a capacidade da nova cadeia. "Os detentos que respondem processos em São Bernardo estão em cadeias de outras cidades e serão transferidos para o novo prédio. Mas o número de detentos que serão transferidos ultrapassa o limite estipulado, que é de 682" -- alerta a moradora do Bairro Baeta Neves e integrante da entidade, Marli Souza.

O secretário estadual de Assuntos Penitenciários, Nagashi Furukawa, prefere evidenciar o fato de que a cadeia já existe no local há 25 anos e apenas será reformada e ampliada. O argumento leva a crer que a maioria dos moradores escolheu morar ao lado da cadeia. Outro integrante da Associação Viva Bem, Rogério Zaccarias, lembra que a cadeia citada pelo secretário era uma extensão da delegacia local, tinha capacidade para 100 detentos, abrigava 600 e era campeã de fugas na região. "Tínhamos problemas com fugas, invasões nos prédios próximos à delegacia e até carros metralhados" -- cita.

O que não falta na força-tarefa da Associação Viva Bem são argumentos para tentar inviabilizar a construção do CDP em área residencial. O argumento mais enfatizado é a proximidade com o Centro. "Qualquer problema refletiria nos estabelecimentos presentes em toda a área central" -- exemplifica Ivete Zoboli, citando rebeliões e alertando também para a proximidade com escolas, shopping, posto de saúde, centro de esportes do Baetão, mercado municipal, sacolão e terminal rodoviário.

Mas não é só sobre problemas que a entidade trabalha. No meio do tiroteio contra o Poder Público, a associação encomendou estudo da arquiteta-urbanista Lígia Moreira sobre a possibilidade da construção em outras localidades não residenciais. "Ao invés de fechar os olhos para a ocupação desordenada das áreas dos mananciais, alertamos o Poder Público de que é possível a construção do CDP naqueles terrenos. Até porque teríamos estrutura de saneamento como determinam as leis ambientais, o que hoje não é praticado pelos invasores" -- aponta o presidente Masaharu Shiratori. Apesar da Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público ter emitido parecer favorável ao trabalho da urbanista, entidades ambientalistas e o próprio Estado se posicionaram contra.

Na lista de soluções e sugestões, a Associação Viva Bem destaca o interesse do Sesc (Serviço Social do Comércio) em construir uma sede em São Bernardo. "O terreno que acolherá o CDP tem 10 mil metros quadrados. A medida se encaixa nos critérios pedidos pelo Sesc" -- afirma Masaharu Shiratori. O CDP de São Bernardo terá apenas cinco mil metros de área construída.


Sertãozinho -- Também os empresários do Pólo de Sertãozinho, em Mauá, foram surpreendidos pela notícia da instalação de um cadeião em meio às articulações para reivindicar mais segurança para o distrito industrial. Empreendedores e funcionários, que esperavam ganhar posto policial na principal entrada do bairro até o final do ano, prepararam abaixo-assinado com mais de cinco mil nomes para mostrar o descontentamento com a decisão do Estado em utilizar terreno em área estritamente industrial para construir a cadeia. 

A presidente interina da Aepis (Associação dos Empresários do Pólo Industrial do Sertãozinho), Roseli Mussini, é enfática ao dizer que a detenção pode inibir novos investimentos e que a localização do pólo facilita a rota de fuga em possíveis resgates de presos.  O assunto foi um dos temas principais no recente encontro promovido pela Aepis na sede da Telefônica.


Leia mais matérias desta seção: Sociedade

Total de 1097 matérias | Página 1

21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!
20/01/2025 CELSO DANIEL NÃO ESTÁ MAIS AQUI
19/12/2024 CIDADANIA ANESTESIADA, CIDADANIA ESCRAVIZADA
12/12/2024 QUANTOS DECIDIRIAM DEIXAR SANTO ANDRÉ?
04/12/2024 DE CÃES DE ALUGUEL A BANDIDOS SOCIAIS
03/12/2024 MUITO CUIDADO COM OS VIGARISTAS SIMPÁTICOS
29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO
19/11/2024 NOSSO SÉCULO XXI E A REALIDADE DE TURMAS
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS
08/11/2024 DUAS FACES DA REGIONALIDADE
05/11/2024 SUSTENTABILIDADE CONSTRANGEDORA
14/10/2024 Olivetto e Celso Daniel juntos após 22 anos
20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?
18/09/2024 Eleições só confirmam sociedade em declínio
11/09/2024 Convidados especiais chegam de madrugada
19/08/2024 A DELICADEZA DE LIDAR COM A MORTE
16/08/2024 Klein x Klein: assinaturas agora são caso de Polícia
14/08/2024 Gataborralheirismo muito mais dramático
29/07/2024 DETROIT À BRASILEIRA PARA VOCÊ CONHECER