O Sesi de Diadema está disposto a reverter a triste constatação de que brasileiro não cultiva o hábito da leitura. A entidade colocou em prática iniciativa simples mas eficaz para ajudar a combater o endêmico problema da baixa escolaridade do trabalhador brasileiro. O projeto Caixa-Estante leva livros até o chão de fábrica e contabiliza no segundo ano de atuação estatísticas capazes de fazer corar burocratas do setor público acostumados com muita retórica, pouca prática e nenhuma sensibilidade. Foram 54 empresas atendidas, 10.427 livros disponibilizados, 9.053 lidos e cerca de 25 mil trabalhadores que tiveram a oportunidade de entrar em contato com o mundo mágico da palavra transformada em drama, ação, romance e primordialmente em informação.
A Caixa-Estante está sintonizada com a era do conhecimento. É também exemplo bem-acabado de que nem sempre é necessário muito dinheiro, planos mirabolantes e conclusões de estudiosos renomados para remendar alguns dos incontáveis buracos que ferem de morte o tecido social. Em casos como esse, sobressaem-se a capacidade de percepção e a boa vontade. Encravado no meio de uma das áreas mais carentes de Diadema, o CAT (Centro de Atividade) José Magalhães Teixeira, como é oficialmente chamada a unidade local do Serviço Social da Indústria, coleciona várias histórias de responsabilidade social para com a cidade do Grande ABC mais afetada pelo crescimento desordenado e demandas sociais.
"A literatura também precisa ir até onde o povo está" -- declara em tom de analogia a diretora do Sesi de Diadema, Maria Miriam Ferrari. A mulher que abriu as portas da entidade para a comunidade carente -- e aprendeu a decifrar os anseios dos moradores muito além das aparências -- captou mais essa mensagem e cooptou empresários para a empreitada. A Caixa-Estante do Sesi Diadema completou um ano em março último e já tem meta estabelecida para o segundo ano de atividade: aumento de 60% no atendimento.
Nominalmente parece ser simples pular de 54 para pouco mais de 80 empresas em 12 meses. Mas como o projeto baseia-se numa relação de troca, não basta que o Sesi ofereça os livros. É preciso que as indústrias abram as portas para receber a caixa de leitura e estejam dispostas a estimular o hábito entre os funcionários. Não à toa, o universo de empresas atendidas até agora pela Caixa-Estante significa pouco mais de 10% da atividade produtiva formal de Diadema. Há ainda muito chão a percorrer, mas a cidade leva a vantagem da proximidade. O Sesi Diadema é a única unidade do Grande ABC a colocar a Caixa-Estante à disposição. Ao todo, existem 12 serviços semelhantes espalhados nas 50 unidades do Serviço Social da Indústria no Estado de São Paulo.
"É imprescindível que as empresas abram as portas e escalem um funcionário para se tornar o agente motivador do processo. Primordialmente alguém que goste de ler" -- explica a organizadora da Caixa-Estante, Cristina Bordini. Cada lote enviado às empresas é composto em média por 70 títulos de gêneros variados que permanecem à disposição dos funcionários durante quatro meses. O acervo selecionado para o primeiro envio sempre leva em conta a multiplicidade de assuntos. A partir da segunda troca procura-se abastecer as caixas com os gêneros que tiveram maior aceitação, sempre com o cuidado de evitar a limitação dos assuntos. Os títulos são do acervo do próprio Sesi, que reúne sete mil livros.
Cada funcionário pode retirar quantos livros desejar durante o período em que a Caixa-Estante estiver na empresa. Há regras claras de permanência e devolução, mas a equipe do Sesi Diadema calcula que quatro meses é tempo suficiente para que cada funcionário leia até cinco livros em média, consideradas a quantidade de páginas de cada exemplar e obviamente a disponibilidade de tempo de cada trabalhador. As contas, no entanto, nem sempre são exatas. As listas de espera estão se tornando comuns e os recordes começam a ser contabilizados. Já houve registro de funcionário que chegou a ler 15 títulos no período.
Cada vez que as caixas são substituídas, o Sesi fornece o certificado Leitor em Destaque para quem retirou mais livros. A diplomação acaba por se transformar em espécie de objeto de desejo dos participantes do projeto e complementa a política de incentivos. A procura crescente leva a equipe do Sesi a concluir que a propalada falta de compatibilidade do brasileiro com a leitura tem causas que ultrapassam o limite da opção pessoal. "Livros e revistas custam caro e o orçamento da maioria das famílias não tem sobras para investimento em cultura. Numa cidade como Diadema, por exemplo, o dinheiro mal dá para o básico" -- simplifica a diretora Maria Miriam Ferrari, que conhece como poucos a realidade de um município onde um terço dos 360 mil habitantes mora em favelas.
A dificuldade financeira que restringe, entre outras coisas, o acesso à boa literatura deve ser realmente levada em conta no momento de diagnosticar as razões que dificultam a ascensão cultural das classes menos favorecidas. Recente pesquisa realizada pelo governo do Estado de São Paulo com moradores da periferia da Capital detectou que 60% dos entrevistados têm o hábito de ler revistas e 46% lêem livros. Mas a prática está diretamente vinculada à presença de bibliotecas públicas nessas áreas carentes. O estudo revelou que também é grande o interesse pela Internet, teoricamente espaço democrático de informações e pesquisas. Só que apenas 20% dos moradores da periferia têm acesso à rede mundial de computadores para acessar sites educativos, de revistas ou de jornais gratuitamente.
Baixa escolaridade -- Os desdobramentos socioculturais da Caixa-Estante desmistificam a tese de que o Grande ABC é um terreno fértil de mão-de-obra qualificada. A idéia cultivada durante décadas por triunfalistas esbarra até hoje na realidade encontrada dentro das empresas. É cada vez mais comum as corporações patrocinarem cursos de educação fundamental para diminuir o turn-over, avançar na produtividade e trabalhar com gente preparada. Dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) apontam que 51% dos estudantes do País não completam a educação básica e apenas 12% da população entre 18 e 24 anos está nas universidades.
"Nossos funcionários tinham dificuldade até para ler o quadro de avisos" -- revela Vania Buri Rebelato, do departamento de recursos humanos da Brasmetal. A empresa fabrica chapas laminadas de aço e está entre as que aderiram à Caixa-Estante. As professoras do Telecurso são as encarregadas de difundir os livros entre os 350 funcionários. A Brasmetal passou a dar ênfase à educação dos trabalhadores há cinco anos e já conseguiu que mais de 95% deles completassem o Ensino Fundamental (1ª a 8ª série). Até então, havia colaboradores que não sabiam ler nem escrever.
A melhoria na escolaridade aumentou a auto-estima do quadro funcional, facilitou a obtenção dos certificados internacionais de qualidade e naturalmente despertou o interesse por projetos como a Caixa-Estante. "Os funcionários solicitam livros para as esposas e filhos e frequentemente procuram títulos que possam auxiliar nos trabalhos escolares das crianças. É tocante ver um pai recém- escolarizado preocupar-se em levar cultura para o filho" -- emociona-se Vania Rebelato.
Na Seeber Fastplas a situação é semelhante. Fabricante de pára-choques e aerófolios para veículos, a empresa tomou a iniciativa de inserir os 430 colaboradores das unidades de Diadema, Sorocaba e Hortolândia no mundo do conhecimento e das informações desde 1997. A empresa mantém pequena biblioteca, mas potencializou o incentivo à leitura com o programa do Sesi. A democratização do acesso a novas informações trouxe aos funcionários o real entendimento de palavras como produtividade e competitividade. A analista de recursos humanos da Seeber, Silvana Gomes Rodrigues, revela que muitos só despertaram para as reais dificuldades do mercado de trabalho após intensificarem o contato com a leitura.
"Nossa maior dificuldade é fazer as pessoas entenderem que não basta ter formação escolar para ser alfabetizado" -- emenda o gerente-geral da Karina Cosméticos, Renê Lopes Pedro. O executivo não utiliza meias palavras para relacionar a baixa escolaridade às dificuldades das empresas em cumprir metas e diz que já chocou muitos colaboradores com a constatação. Mas as palavras resultantes da vivência de anos na administração de crises e transformações econômicas têm respaldo científico. O último resultado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) colocou o Brasil em último lugar no ranking entre 32 países submetidos ao teste. A prova mediu a capacidade de leitura de estudantes de 15 anos. Do total de 626 pontos possíveis, os brasileiros marcaram apenas 396, perdendo para México e Letônia.
A Karina Cosméticos foi a primeira indústria a aderir ao Caixa-Estante. A empresa elegeu a educação como elemento chave para promover transformações na área produtiva. Depois que a leitura passou a integrar o cotidiano do chão de fábrica, foi possível até melhorar as noções básicas de higiene. Dos 1,5 mil funcionários que a Karina emprega em três unidades, 90% completaram o Ensino Fundamental e 50% o Ensino Médio. "As empresas estão cada vez mais espremidas e precisam de gente preparada que entenda a importância de ir atrás do conhecimento e da informação" -- enfatiza Renê Pedro.
A equipe do Sesi Diadema também firmou parceria com o Seap (Studio e Escola de Arte Paulista) para levar atividades culturais às empresas participantes do projeto. São dois tipos de trabalho. O contemplativo é composto de exposições itinerantes, como a recente mostra sobre a Coréia do Sul que encontra motivação no clima da Copa do Mundo. Já o trabalho interativo leva atividades monitoradas de artes plásticas aos funcionários. São casos em que pintura em tela, teatro e outras ações reúnem funcionários de todos os níveis hierárquicos para revelar habilidades individuais e reforçar a integração entre os departamentos das empresas.
O Sesi Diadema está em atividade desde novembro de 1996 e foi aos poucos transformado num patrimônio comunitário, tamanha a interação com a vizinhança carente. Esse verdadeiro oásis em meio ao cinturão de pobreza que cerca o Jardim Campanário atende em média 15 mil moradores por mês nas atividades esportivas, culturais e de lazer. O CAT José Magalhães Teixeira integra rede de 50 unidades semelhantes no Estado e 221 escolas de educação fundamental. São mais de 430 mil alunos matriculados nas atividades de esporte e lazer, além de 2,5 milhões de atividades socioculturais já desenvolvidas em todo o Estado de São Paulo.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!