O antigo ensinamento de que assuntos relacionados à política, futebol e economia devem ficar de fora das rodas de discussões religiosas não é levado ao pé da letra por Levi Correa de Araújo. O pastor que preside a Primeira Igreja Batista de Santo André quebrou alguns dogmas para inserir o rebanho que dirige na reflexão de temas que despertam a consciência cidadã. Sem deixar de lado os ensinamentos do Evangelho e sempre subsidiado pelas passagens bíblicas, o pastor Levi tem mostrado aos 2,4 mil fiéis que ser cristão é bem mais do que ter fé e frequentar a igreja aos domingos.
A pregação do pastor Levi é contundente tanto no templo quanto fora do local sagrado de orações. O homem que dirige a maior Igreja Batista do Estado de São Paulo não se deslumbra com quantidade e almeja bem mais que uma casa cheia de gente. O desafio do pastor Levi é demonstrar o ponto exato de convergência entre a dualidade do espiritual e do material. É tornar compreensível para sua comunidade que ninguém vive só com a cabeça no céu ou apenas com os pés na terra. "Todo cristão tem essa dupla cidadania e precisa aprender a desenvolver isso" -- afirma o pastor que resolveu colocar à prova todas as convicções. Levi Correa está disposto a pagar o preço de ser profundo nos relacionamentos, de expor opiniões, ouvir críticas, argumentar e criar ambientes de reflexões.
A emoção e a riqueza de detalhes que subsidiam os argumentos e as atitudes do pastor Levi não denotam qualquer indício de rebeldia ou exibicionismo. Pastor Levi é um apaixonado assumido por Jesus Cristo e quer praticar seus ensinamentos sob o manto de conceitos como tolerância e inclusão social. Os primeiros minutos de conversa com o homem de 39 anos, que se tornou líder religioso aos 27 e não tem o menor pudor em tripudiar sobre os palmeirenses em pleno culto quando seu Corinthians leva a melhor, pode dar a falsa impressão de que é especialista em marketing pessoal.
Mas basta captar a essência das mensagens enriquecidas pelo providencial conhecimento das teses tanto teológicas quanto antropológicas para desfazer a idéia inicial. Levi Correa de Araújo tem retórica afinada, mas dispensa o proselitismo. Para entender sua posição de coerência basta ver a forma como empurrou a obviedade para o segundo plano na análise que fez sobre o crescimento da população evangélica no País de 8,1 milhões em 1990 para 17,6 milhões em 2000, segundo o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"O número de evangélicos brasileiros é maior do que toda a população do Chile e da Bélgica juntas. Se vivêssemos na França, seríamos 50% da população. Apesar de já representarmos 15,7% da população brasileira, crescem a violência doméstica, os divórcios, as uniões informais, a gravidez na adolescência, a corrupção, a criminalidade, a injustiça social. Que diferença estamos fazendo na sociedade? Nossa participação se limita a lotar templos? Será que estamos nos conformando com a tese do pensador cristão D. M. Lloyd-Jones, segundo o qual as igrejas estão cheias de gente vazia?" -- dispara sem meias-palavras em um dos editoriais do informativo da Primeira Igreja Batista.
Segunda Cidadã -- A disposição de fazer a diferença e oferecer ao rebanho algo além de textos bíblicos isolados do contexto social está materializada na Segunda Cidadã. A iniciativa foi criada na Primeira Igreja Batista de Santo André em 1996 justamente para estimular a conscientização do voto evangélico e desmistificar o estereótipo de que irmão vota em irmão ou no candidato que o pastor determinar. Terminado o período eleitoral, os encontros passaram a abordar temas de interesse da comunidade como saúde, educação, segurança e desemprego. Até mesmo a evasão industrial, assunto considerado indigesto por alguns líderes políticos do Grande ABC, já esteve na pauta de discussões na Segunda Cidadã. "Não podemos ficar por fora dos assuntos de nossa cidade, do local onde vivemos" -- avisa o andreense que tem pai alagoano e mãe pernambucana.
O pastor Levi Correa distribuiu 144 exemplares do livro Complexo de Gata Borralheira entre participantes do encontro sobre evasão industrial e as principais lideranças da igreja. O livro do jornalista Daniel Lima, que aborda o sentimento de inferioridade do Grande ABC em relação à Capital e aos governos estadual e federal, foi lançado em abril e está sendo levado gratuitamente a vários segmentos organizados da sociedade regional.
O debate político dentro da Primeira Igreja Batista de Santo André vai ganhar força novamente com a proximidade de mais uma eleição. Levi Correa de Araújo bem que gostaria, mas sabe que será quase impossível trazer Lula, Serra, Ciro Gomes e Garotinho para uma rodada de discussões tête-à-tête. Já articula, entretanto, a vinda dos pleiteantes ao governo do Estado de São Paulo, à Assembléia Legislativa e ao Congresso Nacional -- principalmente os do Grande ABC -- para apresentar seus planos de governo à comunidade evangélica. Pastor Levi toma o cuidado de evitar manifestações político-partidárias porque deseja que os fiéis analisem cada proposta e exerçam o fundamental direito de escolha, sem qualquer ponta de influência.
A Segunda Cidadã não está restrita às atividades de reflexão. O projeto também tem um braço executivo chamado Ação Integral de Primeira, que desenvolve trabalho comunitário no Bairro Cata Preta, em Santo André. A igreja programa encontro mensal para atividades interativas, lúdicas e de assistência social com moradores da área. O trabalho é espécie de projeto-piloto de uma organização não-governamental que o pastor Levi espera ver efetivada até o final do ano.
A Ação Integral de Primeira procura imprimir ritmo de trabalho que ultrapasse o assistencialismo puro. O grupo que está à frente do projeto quer estabelecer relação de amizade capaz de contribuir efetivamente para melhorar a qualidade de vida no local. A Primeira Igreja Batista de Santo André costuma enviar equipes de médicos, dentistas e até cabeleireiros à Cata Preta. Recentemente integrou-se ao mutirão de combate à dengue e ajudou a orientar os moradores na caça ao mosquito aedes aegypti.
Diversidade -- A determinação do pastor Levi em comprometer cada vez mais o rebanho com as causas sociais vai aos poucos tomando forma. Já são 45 grupos com mais de 400 membros da igreja envolvidos diretamente em pequenos trabalhos comunitários em Santo André. O efeito multiplicador desse exército já pode ser sentido na diversidade de temas que hoje são alçados à discussão, sem o receio de colocar o dedo nas feridas das diferenças sociais e principalmente do preconceito. Na Primeira Igreja Batista de Santo André há espaço para se falar sobre sexualidade no casamento, gravidez na adolescência, drogas, desemprego, criminalidade e desenvolvimento econômico. "Cristo nunca deixou de discutir os assuntos de cidadania" -- justifica o pastor, capaz de apontar em poucos minutos uma lista de passagens bíblicas com ênfase na tolerância e no perdão.
Levi Correa de Araújo tem consciência de que não é um pastor convencional e que às vezes cria polêmica, como todos que abominam o inconformismo e a acomodação. Casado com a professora de educação física Simone, pai de Sabrina e à espera do segundo filho, ele sonha -- como nem poderia ser diferente -- em pisar em Jerusalém, a cidade símbolo do cristianismo e palco de tantas guerras fomentadas por fanatismo religioso e intolerância política.
Das viagens que já fez pelo Brasil para acompanhar as missões da igreja, deslumbrou-se com a beleza da selva amazônica. Também conheceu Nova York e Londres, mas o momento mais marcante das viagens internacionais foi no deserto da Jordânia, na cidade de Petra. "Foi lá que conheci um templo escavado na rocha, o que me fez sentir como o famoso personagem Indiana Jones em uma das cenas dos Caçadores da Arca Perdida" -- cita.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!