Reproduzimos hoje (com respostas interpretativas inabaláveis) o segundo bloco de 10 profecias de Nostratamos de Resolver, personagem que criamos há quase 24 anos -- exatamente em maio de 1996, durante a festa do Prêmio Desempenho Empresarial no lotadíssimo Teatro Municipal de Santo André.
Hoje abordamos o elenco de projeções que vai do décimo-primeiro ao vigésimo enunciado. Observarão os leitores que sobrará quase nada de efetivamente realizado num quarto de século do Grande ABC.
Aqui, a confirmar a linha editorial de CapitalSocial, sucessora de LivreMercado, em se plantando tudo dá em absolutamente nada, ou quase nada.
Vivemos neste século, sem qualquer exagero, o pior período institucional do Grande ABC. O municipalismo fervoroso ganha cada vez mais força diante de forças regionais que se atomizam, porque abandonadas.
Quando se soma ao municipalismo a democratização das comunicações, com redes sociais assumindo funções parcialmente capturadas de mídias convencionais, o retrato se torna ainda mais dramático.
À parte os valores positivos da revolução digital, que transforma cada eleitor, cada consumidor, cada estudante, cada trabalhador, em ativo de participação social, sobressai-se, ainda, uma difusão de encaminhados de baixa objetividade. Mas isso é outra história. Vamos, portanto, a 10 novas profecias e lamentações de Nostratamos de Resolver.
Décima-primeira profecia
Representações industriais do Grande ABC, instaladas nas delegacias regionais dos Ciesps (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), conseguem dupla vitória: passam a trabalhar em conjunto no atendimento das necessidades institucionais da região e já não dependem mais de recursos da Fiesp. A perspectiva é que, assim como os trabalhadores tiveram o seu Lula, os empresários locais terão nomes reconhecidos em todo o País.
Resultado – Tudo continua como antes no quartel de Abranches de representação industrial do Grande ABC. As unidades do Ciesp seguem separadas, portanto com baixa sinergia. A dependência da Fiesp, a instituição-mãe, transforma as lideranças locais do setor em pontos nebulosos de representatividade. O arcabouço institucional do setor industrial no País é excessivamente centralizado e cada vez mais poroso no campo político-partidário. Uma entidade que representasse interesses em comum de pequenas e médias indústrias com raízes na região poderia dar guinada gradual na situação, mas não há ambiente para isso. Não bastasse tudo isso de contraproducente, ainda há um peso sobressalente de infinita inferioridade ante forças sindicais de trabalhadores na cobertura da Imprensa em geral. Os capitalistas enraizados na região são vítimas de discriminação jornalística. Suas organizações praticamente não ocupam espaços na mídia.
Décima-segunda profecia
Empresários e comunidade da região unem-se e compram o controle da CTBC (Companhia Telefônica da Borda do Campo). Nascida da livre iniciativa e da comunidade, a empresa é um dos marcos do crescimento da região e resistiu bravamente a muitas injunções político-partidárias. A partir da metade da década de 90, a empresa se preparou para voltar a ser privatizada.
Resultado – A CTBC foi privatizada logo depois do anúncio das profecias de Nostratamos de Resolver e com isso virou uma empresa de grandes conglomerados econômicos. No mundo da tecnologia de altos investimentos, não há espaço a organizações municipais e mesmo regionais. As gigantescas tomam cada vez mais espaço. A invasão no setor varejista, por exemplo, não tem limites legais e, sem alarde midiático, coloca a escanteio os pequenos estabelecimentos do setor, incapazes de competir com quem tem economia de escala.
Décima-terceira profecia
Depois de anos seguidos de desprezo às pequenas indústrias da região, o que resultou em elevados índices de quebradeira, boa parte das grandes organizações resolve priorizar para valer os fornecedores locais com política de parceria responsável e séria. Tudo para enfrentar a globalização. Que rima com regionalização.
Resultado – A cadeia de suprimentos industriais está cada vez mais competitiva. Não existem fronteiras ao atendimento aos grandes negócios de produção. Para pertencer ao jogo pesado de constar da lista de fornecedor de qualquer grande ou média indústria da região é preciso ser espécie de fortaleza de competitividade. Mais e mais as grandes indústrias recorrem a redes externas de fornecimento, quer na geografia nacional, quer no mapa-múndi de competitividade. Solidariedade não é exatamente o que se encontra nas relações locais entre indústrias e serviços. Não existe políticas de integração que envolvam diferentes organizações em tamanhos e em produtos.
Décima-quarta profecia
A Vila de Paranapiacaba, em Santo André, construída por engenheiros britânicos, supera anos de esquecimento e de deterioração. Agora, Paranapiacaba atrai milhares de turistas graças a investimentos de multinacionais inglesas instaladas no Brasil. Paranapiacaba não acaba mais.
Resultado – A infraestrutura física de Paranapiacaba tem recebido melhorias, a programação cultural tem picos de relevância popular, mas o imaginário que a colocava como um dos pontos de convergência maciça de turistas e a instalaria no roteiro nacional de atratividade se tornou exagero. Paranapiacaba pode não acabar mais, mas também não é uma peça preciosa a ponto de alterar o rumo de baixa visibilidade do que se pretende chamar de turismo do Grande ABC. Nossa vocação maior mesmo parece a de levar visitantes a atividades industriais. É o chamado Turismo Industrial. Fosse mais organizado e crítico, o Grande ABC poderia ter rico roteiro físico e informativo. E contaria uma história que parece não ter fim: como substituir indústrias por comércio, serviços e templos religiosos sem reagir. Centenas de antigas plantas industriais cedem espaços a setores pouco produtivos em riqueza. A Ford em São Bernardo foi apenas o capítulo mais vergonhoso dos últimos tempos.
Décima-quinta profecia
Explode a indústria imobiliária na região. Resultado da pressão do Fórum e do Consórcio, as Câmaras Municipais descobriram o óbvio: as excessivas restrições ao uso e ocupação do solo favoreciam a especulação, ao invés de evitarem. Agora quem quer casa tem casa. Quem quer empresa, tem espaço para ter empresa.
Resultado – O uso e a ocupação do solo regional pelo mercado imobiliário são um festival de safadezas, de exageros e de jogos espúrios de financiamento eleitoral. Há renitente crise imobiliária na região. Estima-se que mais de cinco mil salas comerciais seguem desocupadas ou com ocupação a preços de aluguel aviltantes. O descompasso de lançamentos e obras no período falsamente rico do governo petista provocou especulações no setor a ponto de o então presidente do Clube dos Construtores, Milton Bigucci, não só incentivar a aquisição de móveis com o uso de dados fraudadores da realidade como chegou ao ponto de cair no próprio conto ao se lançar em empreendimentos que, como os demais, sofrem duramente com a falta de demanda. O déficit habitacional no Grande ABC é retrato da situação média nacional, com o agravante de duplo problema: gente demais sem moradia qualificada e gente demais que colocou à venda moradias qualificadas, mas que não encontra compradores.
Décima-sexta profecia
O governador Mário Covas está sendo imparcial na distribuição de tíquete-moradia com recursos do ICMS. Surpreendendo a todos, pois até agora só atendia à Baixada Santista, sua principal base eleitoral, ele anuncia liberação de recursos financeiros para construção imediata de 10 mil casas populares no Grande ABC. Já não teremos tantos Alzira Franco.
Resultado -- O jogo político que faz brotarem investimentos habitacionais conta com duas senhas preferenciais. A primeira do governo do Estado e a segunda lançada pelo governo federal petista, de Minha Casa, Minha Vida. Falta transparência à definição dos beneficiários. Especula-se muito sobre estranhezas nos procedimentos que abasteceriam a fome dos investimentos com a necessidade de ganhos político-partidários. No fundo, no fundo, isso pouco importa porque a irrigação financeira está sempre correndo atrás de demandas mais prementes. O Estado, em forma de governo estadual e de governo federal, está cada vez mais debilitado em termos fiscais e orçamentários para corrigir os estragos habitacionais ao longo dos tempos.
Décima-sétima profecia
O deputado federal Clóvis Volpi, um dos apologistas da integração regional, reúne a Imprensa para anunciar o sucesso de seu projeto de lei. A Assembleia Legislativa aprovou a criação da Região Metropolitana do Grande ABC. Agora vai ser uma barbada o sucesso da região, já consolidada em termos institucionais pelo Fórum, pelo Consórcio e pela classe acadêmica.
Resultado – Tudo não passou de iniciativa inócua. As forças políticas e institucionais jamais se empenham para dar configuração gerencial diferenciada à Grande São Paulo. E bem que poderiam: os 22 milhões de habitantes distribuídos por 39 municípios significam o dobro da população de todo o Estado do Rio Grande ABC. A governabilidade metropolitana é uma das deficiências das classes dirigentes que controlam principalmente os executivos municipais. As intrigas partidárias impedem ações estruturantes. A Região Metropolitana de São Paulo é apenas um enunciado sem valor administrativo-gerencial.
Décima-oitava profecia
O Polo Industrial de Sertãozinho, localizado em Mauá e com disponibilidade de cinco milhões de metros quadrados, finalmente reforça a economia da região. Câmara Municipal aprova divisão da área e o prefeito decide investir na infraestrutura até então abandonada. Dezenas de pequenas indústrias já começam a ocupar espaços. Serão criados 10 mil empregos diretos. O gás encanado do vizinho Polo Petroquímico vai baratear o custo de energia.
Resultado – Falta muito do que poderia ser chamado de empenho da Administração Municipal no uso dos espaços do Polo Industrial de Sertãozinho. E muito poderia ter sido feito, não fosse Mauá um campo de batalha política permanente. A conquista do então prefeito Oswaldo Dias, de estender espécie de puxadinho do trecho sul do Rodoanel a Mauá, em conexão com a Zona Leste de São Paulo, incentivou a chegada de muitas empresas de logística, principalmente, quando um planejamento voltado ao adensamento de indústria de transformação poderia gerar muito mais riqueza. O crescimento do PIB de Mauá após a esticadinha do trecho sul do Rodoanel não acompanhou a velocidade dos municípios que formam a região de Osasco, território no qual o trecho oeste do Rodoanel gerou grande revolução econômica. Mauá poderia ter aproveitado bem melhor o bilhete premiado que recebeu.
Décima-nona profecia
Dirigentes das associações comerciais e industriais da região, que deram grande força à criação do Fórum da Cidadania, agora comemoram a criação da Federação do Comércio do Grande ABC. A entidade passa a ser uma das mais importantes do País. Seu presidente está decidido a atender as bases e concorrer ao Senado da República.
Resultado – As Associações Comerciais (e industriais apenas na nomenclatura, porque não têm intimidade nenhuma com o setor) são uma réplica das unidades do Centro das Industrias (Ciesp) no Grande ABC. Com a diferença de que as representações industriais são mais organizadas. A criação da Federação das Associações Comerciais é uma aposta no vazio. Não há interesse algum dos municipalistas que ocupam essas entidades em abrirem mão do que imaginam poderes institucionais que detêm em favor da racionalidade e do planejamento típicos de entidades regionais. Pelo andar da carruagem, todas morrerão abraçadas. Aliás, já estão morrendo abraçadas porque ao se comparar o quadro de associados efetivos com o universo de empreendimentos em cada Município, essas unidades ficam com uma parte ínfima e por isso mesmo pouco mobilizada.
Vigésima profecia
Representação do Grande ABC na Câmara Federal segue exemplo dos deputados estaduais e aumenta o número em Brasília. Agora são 12 deputados da região para brigar com as turmas de Sarney, ACM, ruralistas e empreiteiros há tanto tempo atrapalhando os passos do País rumo à modernidade.
Resultado – Se servissem para questões substantivas mesmo, não penduricalhos de migalhas orçamentárias, seria lamentável o fato presente de que o Grande ABC só conta com dois parlamentares em Brasília. Entretanto, como não existe correlação efetiva entre representação e representatividade em defesa dos interesses do Grande ABC, o melhor mesmo é afastar essa equação de suposto poderio regional. Ou seja: se o Grande ABC contar com dois, cinco, 12 ou mais deputados federais (e até mesmo um inédito senador da República) não haverá nada a comemorar enquanto eles não forem porta-vozes e pontas de lança de medidas que alterem o rumo da economia regional, porque a economia regional é o grande problema da região.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!