Esta é a quarta e última parte da minissérie editorial que resgata o personagem Nostratamos de Resolver, criado por este jornalista. As 40 profecias de Nostratamos de Resolver foram apresentadas durante o editorial do Prêmio Desempenho da revista LivreMercado, em maio de 1996. Desenhava um Grande ABC diferente do que se estava vivendo. Vinte e quatro anos depois os resultados são catastróficos.
O Teatro Municipal de Santo André recebeu grande público naquela etapa do Prêmio Desempenho. Gente que acompanhou a terceira edição daquele que se tornou o mais tradicional evento da história regional. Foram 15 edições seguidas, com a distribuição de quase dois mil troféus. Tudo sob os rigores de auditoria externa na avaliação de decisões de um Conselho Editorial que chegou a contar com 250 participantes.
Nostratamos de Resolver foi espécie de desafio-deboche-sarcasmo que preparei à sociedade do Grande ABC. Notadamente aos gerenciadores públicos. Os resultados foram decepcionantes. Ou absolutamente dentro do esperado por quem sabe até que ponto a institucionalidade do Grande ABC funciona. Ou não funciona. Veja as últimas 10 profecias e os resultados 24 anos depois.
Trigésima-primeira profecia
Conhecidos pontos da indústria do prazer do Grande ABC, como a Avenida Dom Pedro II em Santo André e a Rua Jurubatuba em São Bernardo, substituem casas destinadas à troca de óleo por centros de recuperação e de profissionalização de menores. O que antes era assunto do Aqui Agora virou notícia do Fantástico e tomou todo um Globo Repórter.
Resultado – Os tempos são outros, a modernidade chegou em forma de aplicativos de celular em sintonia com a Internet, mas os antigos pontos de prazer mundano do Grande ABC proliferam. Nesse aspecto, a baixa mobilidade social e a queda do assalariamento médio contribuem para acesso aquecido de casas noturnas mais despojadas. Programas sociais direcionados a mitigar danos sociais no campo comportamental são raros e inconsistentes.
Trigésima-segunda profecia
Clubes sociais da região decidem justificar o nome e passam a atuar pelo conjunto da sociedade, integrando-se aos movimentos de valorização regional, como o Fórum da Cidadania. Esses clubes começam a multiplicar o sentimento de cidadania.
Resultado – A derrocada dos clubes sociais no Grande ABC segue a trilha do ambiente de segurança pública em constante desconfiança e sobretudo os novos costumes. O mercado imobiliário descobriu o filão de residência-clube e incorporou equipamentos de academia e lazer. Somente os clubes mais tradicionais do Grande ABC, e mesmo apenas alguns, ainda resistem às mudanças. Mas mesmo assim muito aquém da perspectiva que se tinha no final do século passado. A sociedade está cada vez mais fragmentada. Vive em guetos, em nichos. E agora conta com o reforça separatista dos aplicativos de celulares falsamente catalizadores de aproximações.
Trigésima-terceira profecia
Também os clubes de serviço, que têm os olhos postos na comunidade, resolvem juntar-se ao Fórum da Cidadania. Os clubes de serviços, especialistas em intercâmbios culturais, promovem agora ações voltadas para as necessidades socioeconômicas da região. Famosos consultores econômicos e sociais ligados a clubes de serviços internacionais passam a fazer do Grande ABC roteiro obrigatório de suas pregações.
Resultado -- Os clubes de serviços seguem na toada de sempre, sem enveredar por caminhos que já não tenham trilhado antes. Uma ou outra iniciativa social faz parte do roteiro, mas não há sinergia entre dirigentes. Cada um cuida do próprio quintal. A cidadania compartilhada sofre duros reveses com a perda de sincronia. A Feira da Fraternidade, marco de solidariedade em Santo André, virou fumaça. O prefeito Paulinho Serra tenta ressuscitamento, mas tudo não passa de marketing divulgado por forças de apoio ao tucano. Festas populares pipocam aqui e ali, mas sem consistência e abrangência. Com o fim das chamadas associações de amigos dos bairros, a degringolada social tomou conta.
Trigésima-quarta profecia
Clubes carnavalescos da região usam o bom senso e decidem realizar desfiles conjuntos, num sambódromo construído na divisa de Santo André e São Bernardo. Durante o restante do ano o sambódromo vira escola profissionalizante. As últimas notícias dão conta de que a Mangueira não será mais vista apenas na telinha. Vai se exibir como convidada. Ao vivo e em cores.
Resultado – Depois de vários anos de atuação mambembe, o carnaval de rua foi desativado no Grande ABC. Já há cinco anos escolas de samba e blocos não desfilam nas avenidas. Chegou-se a estágio em que prevalece o interesse pelos desfiles da vizinha Capital, que potencializou a festa mais popular do País. O esperado Carnaval do Grande ABC, que consistiria em reunir escolas de samba numa única cidade, num possível rodizio locacional, jamais foi levado a sério. A falta de cidadania municipal também está na raiz da fragilidade carnavalesca regional. Uma passarela do samba em local previamente escolhido poderia dar pontapé inicial em nova concepção de cidadania festiva. Nada, entretanto, consta da pauta regional. Os blocos carnavalescos que atuam nos respectivos redutos dos moradores são a alternativa encontrada, mas muito distante da efervescência da Capital. Como nas manifestações políticas dos anos recentes, quem aprecia carnaval vai para a vizinha Capital. O Grande ABC virou maçaroca suburbana.
Trigésima-quinta profecia
Nova pesquisa da revista Exame, sobre os 10 melhores endereços para investimentos no Brasil, aponta quatro municípios da região entre os 10 primeiros. Somados os índices das quatro cidades, e dada a condição regional, o Grande ABC recupera o terreno perdido e assume a pole position. O assunto é samba-enredo da escola de samba campeã do Grande ABC.
Resultado – De vez em quando surge algum ranking repleto de inventividade e despreparo técnico para tentar alçar algum Município do Grande ABC entre os principais do Estado ou do País. Tudo não passa mesmo de baboseira estatística, contrariando ranking do PIB Geral dos municípios do Grande ABC na Região Metropolitana de São Paulo. Entre os 39 endereços municipais da metrópole mais rica do País, as cidades do Grande ABC ocupam as últimas posições quando se levam em conta os resultados de 2000 em contraponto aos resultados de 2017, os mais atualizados. Ou seja: viramos lanterninhas em competitividade econômica e sofremos desgarramento na qualidade de vida. Em diversos indicadores econômicos o Grande ABC está cada vez mais parecido com a média brasileira. Quem quer pior prova do empobrecimento do Grande ABC?
Trigésima-sexta profecia
Intelectuais, sindicalistas, empresários, políticos e lideranças acadêmicas festejam: finalmente o Grande ABC ganhou sua universidade. Voltada para o trabalho, como sugeriu um consultor econômico em 1996, a instituição vai produzir o que até agora era um mito: a região terá mão-de-obra realmente capacitada não só em relação aos principais polos econômicos do País, mas em confronto com o Primeiro Mundo.
Resultado – Chegou mesmo a Universidade Federal do Grande ABC (UFABC), dez anos após Nostratamos de Resolver enunciar uma de suas profecias. Pena que a instituição é uma barriga de aluguel, como bem a definiu um especialista em educação de Terceiro Grau, o professor Valmor Bolan. Não há comprometimento da grade curricular com o presente, quanto mais com o futuro do Grande ABC. Em todos os indicadores que mais interessam à sociedade regional, e que dizem respeito ao Desenvolvimento Econômico, os resultados da UFABC são mais que ridículos: são desafiadores a uma reação coordenada por lideranças da região, as quais não existem para valer, porque preferem o silêncio e o corporativismo. O futuro de plástico do Grande ABC, como a revista LivreMercado sugeriu há mais de duas décadas como desdobramento natural de uma região que conta com o Polo Petroquímico, jamais foi sequer considerado na UFABC. A instituição de ensino está no Grande ABC, mas não pertence ao Grande ABC. Em uma década e meia de instalação custou R$ 5 bilhões aos cofres federais. Sem dar nada em troca ao Grande ABC.
Trigésima-sétima profecia
O lixo do Grande ABC agora vai para o lixo, isto é, para usinas ecologicamente seguras. Todos os problemas que durante anos preocuparam ambientalistas e industriais, gerando perdas ecológicas e financeiras, foram para a lata do lixo. Municípios se uniram, obtiveram financiamento a juros baixos e transformaram lixo reciclado em dinheiro que amortiza boa parte do investimento.
Resultado – A situação só se agravou nos últimos 24 anos. São Bernardo prometeu durante a gestão do prefeito Luiz Marinho que construiria em parceria com a iniciativa privada uma usina que transformaria lixo em energia. Tudo não passou de intenção. O projeto foi desativado. O Grande ABC não é exemplo de cuidados ambientais decorrentes do lixo. Inclusive no quesito de reciclagem. Promessas de elevação constante de reciclagem material tendo como base as coletas seletivas não fazem cócegas quando confrontadas com a realidade dos lixões.
Trigésima-oitava profecia
Prefeitos da região já começam a colher os frutos de convênios com organizações especializadas em recursos humanos: quadros do funcionalismo público municipal elevam a produtividade a níveis da livre iniciativa. A medida valoriza os eficientes e bota para fora os acomodados, já que a estabilidade foi para a cucuia.
Resultado – Os custos com a Administração Pública sobem a cada nova temporada. Como nos Estados e na União, o funcionalismo público segue vida própria e em muitas situações não passa de correia de transmissão demagógica do prefeito de plantão. Benesses se estendem até o limite máximo do orçamento cada vez mais comprometido com salários e direitos trabalhistas de ativos, pensionistas e aposentados. Nenhuma inovação surgiu no mapa de mesmices da gestão pública municipal do Grande ABC nos últimos 24 anos. A ordem é gastar e gastar sem referenciais que assegurem equilíbrio financeiro que não comprometam os investimentos. O Grande ABC ocupa posicionamentos mais que secundários em rankings de eficiência fiscal. Muito distante dos posicionamentos individuais dos municípios no PIB dos Municípios Brasileiros. Não há sintonia entre riqueza gerada e despesas contratadas.
Trigésima-nona profecia
Pequenas empresas deixam de sofrer com a discriminação empresarial do Brasil. A aprovação do Estatuto da Microempresa, luta de vários anos do Sebrae, deixa de confundir pequena e grande empresa, poucos e muitos impostos. Governo federal aprova legislação que protege o setor na área de financiamentos e impostos. Agora, quando se fala no assunto, não se trata mais de tapeação. Os juros já não são escorchantes e muitos tributos desapareceram.
Resultado – Medidas federais permitiram que surgissem no Grande ABC e no País como um todo os chamados microempreendedores individuais, além de estabelecerem proteções mitigatórias no campo tributário às pequenas e médias empresas. Adicionalmente no Grande ABC nada foi acrescentado. A parafernália tributária dos municípios, notadamente na aplicação do ISS (Imposto Sobre Serviços), atribuição dessa esfera governamental, dificulta intensamente as relações comerciais no âmbito regional. Alíquotas diferentes para atividades iguais são um inferno de discricionariedade a atrapalhar a vida dos empreendedores.
Quadragésima profecia
Convidados do Prêmio Desempenho Empresarial resolvem trocar ideias durante o coquetel e chegam à seguinte conclusão: jornalista travestido de Nostratamos de Resolver precisa de imediata internação. Está completamente maluco.
Resultado – O tempo, como se sabe, é o senhor da razão. Um balanço geral como o que acaba de ser feito agora, 24 anos depois dos enunciados de Nostratamos de Resolver num Teatro Municipal de Santo André lotadíssimo, é revelador à distinção entre quem tem compromisso social e aqueles que não passam de usurpadores de poderes. O Grande ABC é uma nulidade em termos institucionais. É uma faca sem gume, é um dia sem sol, é o fim da picada, um resto de toco, o toco sozinho.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!