Sociedade

MP ocupa espaço da MBigucci
no Marco Zero. Isso é ético?

DANIEL LIMA - 19/02/2020

Deixo a critério dos leitores a avaliação de um negócio imobiliário envolvendo o Ministério Público Estadual de São Bernardo e a Construtora MBigucci. Não fosse por algo que possivelmente é um detalhezinho sem importância para quem não leva a vida a sério e muito menos a ética e a moralidade pública, a relação comercial poderia passar em branco. Mas não pode passar em branco exatamente porque o que está em jogo é algo sagrado nas relações de Estado – a transparência.

O Ministério Público mantém com a Construtora MBigucci contrato cujos valores não são de conhecimento de ninguém, exceto entre as partes. O vínculo está relacionado à ocupação de espaço físico no condomínio Marco Zero, que, como explicação-síntese do que se trata historicamente, bem informados leitores chamam de Marco Zero da Vergonha. O empreendimento foi erguido em terreno da Prefeitura de São Bernardo após desfecho de licitação pública, em meados de 2008.

Convido os leitores a consumirem dois textos (publicados em 2011 e em 2013) sobre a o processo de licitação que culminou no arrematamento do terreno onde se construiu o condomínio residencial e de serviços Marco Zero, na privilegiada esquina da Avenida Kennedy e Avenida Senador Vergueiro. Uma fábrica ocupou aqueles quase 12 mil metros quadrados de terreno antes que o Grande ABC virasse o que todo mundo sabe – um território de desindustrialização irrefreável. 

Matérias explicativas

Produzi dezenas de matérias que colocaram o interesse público acima de interesses privados. Com detalhes e provas. E com encaminhamento ao mesmo Ministério Público de São Bernardo. A mesma instituição que virou inquilina, adquirente ou outra coisa qualquer do Marco Zero. No caso, se trata do mesmo órgão do MP Paulista, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).

O que coloco em discussão, antes de chegar aos textos que vão completar nove e sete anos, respectivamente, é até que ponto não estaria sob suspeição a relação comercial entre a empresa do ex-presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC (envolvido na Máfia do ISS da Capital, às vésperas de completar sete anos sem que se tenham informações sobre as penalidades legais impostas aos leões do mercado imobiliário) e o MP a quem recorri e dei com os burros nágua porque investigação para valer não houve. Tanto que jamais fui convocado a apresentar provas fartas de que dispunha e disponho.

Além da Máfia do ISS na Capital, que por si só já exigiria do Ministério Público Estadual distanciamento de qualquer empresa do conglomerado de Milton Bigucci, deve-se considerar também que não faz muito tempo o Ministério Público do Consumidor de São Bernardo denunciou os empreendimentos do então presidente do Clube dos Construtores como campeões de abusos contra a clientela.

Convém lembrar que a MBigucci contratou para enfrentar as manobras licitatórias envolvendo o Marco Zero uma banca de primeiríssima linha no País, cujo expoente é José Roberto Batochio, um dos criminalistas que defendem o ex-presidente Lula da Silva nas tramoias descobertas pela força-tarefa da Operação Lava Jato.

Para entender o caso

Decidi reproduzir apenas parcialmente (os textos são extensos, porque explicativos em todos os sentidos) duas das muitas matérias que preparei sobre o escândalo. Afinal, os dois textos definem bem tanto o caso Marco Zero como a atuação do Ministério Público Estadual. Não estou sugerindo (longe disso, aliás) algum pecado capital entre uma instituição pública e uma empresa privada. O que o passado de matérias mostra é que o empreendimento não poderia ser requisitado como exemplo de comprometimento social da MBigucci e da Prefeitura de São Bernardo.

A sugestão de leitura é apenas no sentido de que os leitores compreendam o caso e considerem se estaria este jornalista exagerando na iniciativa de propor relacionamento transparente inclusive quanto à situação imediatamente à anterior, de ocupação de espaço do mesmo órgão do Ministério Público Estadual na Avenida Kennedy, a 300 metros do Marco Zero.

Para completar (antes da chegada dos textos de um passado esclarecedor), não custa lembrar que jamais o empresário Milton Bigucci, responsável pelo negócio em questão, procurou o Judiciário para interpelar este jornalista quanto às denúncias de fraude à licitação da área do empreendimento Marco Zero. Provavelmente lhe teriam recomendado a opção pelo não enfrentamento --- entre outras razões porque havia uma batelada de provas cujas repercussões o colocariam numa zona de novos questionamentos. Algo que o MP preferiu não deflagrar. Acompanhem a matéria de 2011 e, em seguida, a matéria de 2013:

Saiba como Milton Bigucci se aliou

a concorrentes no leilão imobiliário  

 DANIEL LIMA - 19/10/2011

 O leilão de área pública de 15.989 metros quadrados na disputadíssima esquina da Avenida Kennedy com a Avenida Senador Vergueiro que a MBigucci arrematou em 10 de julho de 2008 tem dois pecados capitais. A empresa de Milton Bigucci, também presidente da Associação dos Construtores, participou de uma farsa com pelo menos dois dos outros cinco supostos concorrentes à compra do terreno localizado em São Bernardo. Mais tarde, um desses dois supostos adversários, juntou-se à empresa vencedora do leilão, numa sociedade cujo capital social de R$ 1 mil saltou para R$ 20 milhões. Ainda escreverei muito sobre esse que é um caso seguramente escandaloso, mas não único, envolvendo o setor público e construtoras da Província do Grande ABC. Há outros pontos obscuros sob análise. (...). O conjunto da obra de irregularidades envolvendo a área que pertencia à Prefeitura de São Bernardo começou com o tratamento quase sigiloso de publicidade dado ao leilão. Poucos empreendedores do setor foram comunicados. A presidência da Associação dos Construtores, exercida por Milton Bigucci, não enviou qualquer comunicado às empresas filiadas para tornar a disputa mais intensa. A proximidade do dirigente com o Poder Público, por conta de relações institucionais, o coloca potencialmente em vantagem concorrencial.

Mais leilão fraudulento

 O simulacro de leilão da área pública contou com revestimento democrático. Seis empresas participaram do suposto embate. Milton Bigucci representou a Big Top 2 Incorporadora, empresa criada um mês antes exclusivamente para participar do leilão e da qual detinha apenas 1% do capital social de R$ 1 mil. Os outros 99% pertenciam à Construbig Construções e Empreendimentos Imobiliários, espécie de holding do Grupo MBigucci, e da qual Milton Bigucci detém 50% do capital social. A outra metade é de sua mulher. Outros dois parceiros da jornada, disfarçados de concorrentes, tiveram atuação ativa no leilão: a Braido Comercial e Administradora, associada à Sabbahi Construtora e Incorporadora, e a Butterfly Even Empreendimentos Imobiliários. Tanto a Braido quanto a Even são peças-chave da engrenagem que lubrificou a disfarçada disputa. Uma empresa de pequeno porte e duas pessoas físicas participaram do reservadíssimo embate, sem qualquer influência efetiva no resultado final, exceto para dar roupagem concorrencial à trama: Absoluta Construtora e Incorporadora, José Candido Santana e Fabiana Tomaz Carusi. 

Mais leilão fraudulento

 O valor venal estabelecido à área, de R$ 12 milhões, estava muito aquém da realidade do mercado imobiliário, como CapitalSocial já revelou. Mas a possível argumentação de que os referenciais de mercado poderiam ser subjetivos se dissolve como blindagem quando se vai ao campo do arremate propriamente dito. A empresa de Milton Bigucci, Big Top 2, ganhou a concorrência ao oferecer R$ 14 milhões, dos quais R$ 750 mil à vista e o restante em oito parcelas mensais, corrigidas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) da Fundação IBGE. A fraude do leilão da área em que a marca MBigucci pretende construir um condomínio misto, residencial e comercial, ganha formato irreversível quando se registram pagamentos de três das oito parcelas, mais precisamente da segunda, da terceira e da quarta: nas duas primeiras Milton Bigucci efetiva o pagamento correspondente a apenas metade das parcelas. Os valores complementares são pagos pela Braido Comercial e pela Even. Na terceira parcela, Milton Bigucci paga novamente metade dos valores e a outra metade é quitada exclusivamente pela Braido. O circuito de irregularidade teria sido suspenso em seguida por conta de alerta quanto à impropriedade denunciatória do esquema utilizado no leilão.

Mais leilão fraudulento

 A provável argumentação de que Milton Bigucci teria se socorrido de empréstimos das duas aliadas do leilão não resistiria à devassa contábil. E tampouco legitimaria a operação. Especialistas em leilões não têm dúvida de que houve conluio entre as empresas para efetivar o arremate da área pública a preço muito abaixo do mercado, embora legalmente próximo do valor venal, na maioria das aquém da realidade. Como foi o caso do terreno arrematado. Um dos fiscais que acompanharam o leilão na sede da Secretaria de Finanças de São Bernardo afirma que as partes diretamente envolvidas na fraude procuraram dar ares de seriedade e competitividade à disputa, mas que, após rápido intervalo, por conta de problemas técnicos num dos computadores que registravam o certame, representantes formais e informais das três empresas definiram-se pelo desenlace. Os registros bancários dos depósitos da Even e da Braido para complementar os valores devidos pela empresa de Milton Bigucci provam irregularidade, que contraria frontalmente a legislação sobre licitações públicas.

Mais leilão fraudulento

 O desencadeamento da operação fraudulenta não se esgota nos depósitos bancários. A Big Top 2 Incorporadora Limitada, tendo à frente Milton Bigucci, ganhou um novo acionista em 4 de maio de 2010, ou seja, quase dois anos após o arremate da área pública. Foi admitida na sociedade exatamente a Braido Comercial e Administradora, de São Caetano. O capital social da Big Top 2 foi alterado para R$ 20 milhões (era de R$ 1 mil quando da constituição da empresa, em maio de 2008). Com a admissão da Braido Comercial e Administradora na Big Top 2, seu representante, João José Dario, passou a ocupar o cargo de administrador, assinando pela empresa. Milton Bigucci afastou-se da Big Top 2 como acionista individual, mas manteve-se como representante da Construbig Construções e Empreendimentos Imobiliários, que até então detinha 99% do capital social e passou a contar com metade das ações. 

Marco Zero: fraudadores zombam

do MP com estelionato informativo

 DANIEL LIMA - 25/02/2013

 A promotora criminal do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de São Bernardo, Mylene Comploier, foi enganada pelos empresários que arremataram irregularmente o terreno público que a MBigucci está anunciando com a marca de Marco Zero, entre a Avenida Kennedy e Avenida Senador Vergueiro. Os fraudadores do leilão da área pública zombaram da capacidade investigativa do MP ao prestarem informações que têm todas as características de estelionato informativo. O MP preferiu a versão rocambolesca dos fraudadores a esclarecimentos e provas de CapitalSocial. O empresário Milton Bigucci e parceiros da Even Construtora e da Braido Construtora disseram ao MP que o Brasil já vivia crise no mercado imobiliário quando o leilão público daquele terreno foi realizado. A versão foi dada para justificar dois passes de puro ilusionismo. Primeiro, subestimar o valor de mercado do terreno, arrematado por R$ 14 milhões quando especialistas garantem que custaria o dobro. O valor venal, com defasagem de quase um ano e sempre muito abaixo do valor de mercado, estava em R$ 11,9 milhões. Segundo, o ambiente econômico no País explicaria a união de esforços financeiros para a formação de uma associação empresarial supostamente após o leilão. 

Mais zombarias 

 Tanto num caso quanto no outro, as informações prestadas ao Ministério Público não passam de descarada mentira. A nulidade daquele leilão já poderia ter sido requerida tanto pela Prefeitura de São Bernardo como pelo Ministério Público porque o ritual legal foi completamente desvirtuado. O Ministério Público Estadual de São Bernardo acreditou na versão mais que ensaiada da MBigucci, da Braido Construtora e da Even Construtora, empresas que arremataram irregularmente o bem público. Ao solicitar em janeiro último o arquivamento da denúncia de CapitalSocial, com o adendo de que poderá retomar as investigações assim que novos fatos surgirem, a promotora criminal Mylene Comploier escreveu a seguinte observação sobre o contexto econômico de julho de 2008, quando foi realizado o leilão, confiando tão e exclusivamente nas declarações de quem encetou a operação fraudulenta: “Ocorre que, pelos documentos carreados aos autos do presente persecutório, as empresas “Big Top 2”, “Even” e “Braido” uniram esforços em fase posterior à arrematação do imóvel, nos moldes de uma “joint ventura” tendo por escopo a consecução de um empreendimento imobiliário (...). Tal fato não é revestido de natureza delitiva eis que o ordenamento jurídico pátrio não veda a possibilidade de empresas associarem-se visando a determinado fim. Certo é que tal expediente afigura-se corriqueiro, sobretudo em épocas de instabilidade econômica, tal como aquela em que se deu a licitação em comento – meados de 2008, período em que se configurou crise no mercado imobiliário caracterizada por repercutir em diversas países (incluindo-se o Brasil), de modo a gerar instabilidade nos empreendimentos a longo prazo”. 

Mais zombarias 

 O equívoco da promotora criminal foi acreditar demais nos fraudadores do terreno público e desconsiderar sequencialmente as iniciativas de CapitalSocial. Nada mais estranho, porque desde o princípio da denúncia sobre a irregularidade, em outubro de 2011, CapitalSocial prontificou-se a prestar informações e provas ao Ministério Público. A conclusão da promotora criminal Mylene Comploier encaminhada ao Judiciário de São Bernardo foi no mínimo apressada ao não reunir o escopo de algo que poderia ser considerado investigatório de verdade. Prevaleceram depoimentos e defesas formais apenas dos interessados em manter a fraude a salvo de punições – no caso, representantes das empresas arrematantes e três das demais empresas que participaram do leilão encenado. Mesmo se estivesse disposta a desconsiderar a iniciativa de CapitalSocial, bastaria leve pesquisa eletrônica para que a promotora criminal Mylene Comploier desqualificasse a justificada financeira dos representantes das três empresas que se associaram irregularmente no processo licitatório. CapitalSocial recorreu a arquivo de papel próprio e em alguns casos a consultas na Internet e coloca à disposição do Ministério Público todas as cópias que desejar. 

Mais zombarias 

 Presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci é vítima de suas próprias declarações. Provavelmente ele acreditou, como os demais representantes das empresas, que não haveria contestação ao quadro econômico desenhado para fortalecer a tese mais que flácida de que o compartilhamento na aquisição daquele terreno teria relação com esfriamento do mercado imobiliário, que, segundo suas declarações, já vivia momentos delicados no Brasil. (...) Milton Bigucci mentiu ao Ministério Público sobre os efeitos da crise internacional a bordo de hipotecas imobiliária nos Estados Unidos, principalmente. Quando o terreno público foi arrematado, a crise do chamado subprime passava longe do Brasil. Na edição de 22 de maio de 2008, portanto menos de dois meses antes do leilão, realizado em 10 de julho do mesmo ano, o jornal Estadão editava a seguinte manchete em alto de página: “Emprego na construção dispara 185% no trimestre”. Alguns trechos da reportagem clareiam o ambiente econômico brasileiro no setor de construção civil naqueles dias, em contraste com as declarações dos empresários ouvidos pela promotora criminal: “Com o aquecimento do mercado imobiliário, o emprego na construção civil disparou 185,5% no País no primeiro trimestre de 2008 em relação a igual período do ano passado. Segundo levantamento do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), de janeiro a março foram abertas 118.852 vagas no setor. No mesmo intervalo, em 2007, foram criados 39.873 postos de trabalho. “O crescimento do momento é consequência de investimentos feitos há dois anos pelas construtoras”, disse o diretor de Economia do Sinduscon, Eduardo Zaidan. Ele lembra que, nesse período, os empréstimos da poupança para imóveis aumentaram de maneira significativa, empresas importantes captaram grande volume de recursos abrindo capital (IPOs) e a renda familiar cresceu. (...) No Estado de São Paulo, foram criadas nos primeiros três meses do ano 37,8 mil vagas no setor de construção, o que representa uma alta de 126,6% na comparação com igual período de 2007. (...). Na capital paulista, de janeiro a março, surgiram 17,5 mil empregos com registro em carteira. O total é 96% superior a igual período em 2007.



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