Sociedade

Mostre a língua para você
mesmo e veja se tem Covid

DANIEL LIMA - 28/01/2021

Não estou brincando. Se fosse você, não perderia tempo. De manhã, de tarde, de noite, todos os dias da semana, mostre a língua para você mesmo. Essa é uma das maneiras mais seguras para descobrir se você foi contaminado pelo vírus chinês. O Coronavírus não manda recado; ataca mesmo. Inclusive pela boca e, também ou principalmente, a boca.   

Três meses depois de ser abatido por esse demônio, descobri que tudo começou na boca; ou especificamente na língua. Que não é ferina. Foi ferida. E eu pensando que meu dentista fizera alguma bobagem. Justamente ele, um profissional experiente, boa praça, gente de primeira classe.  

A paranoia do Coronavírus nos leva a cometer injustiças. Quantos dos que já foram colhidos pelo trem do vírus chinês não imputaram responsabilidade a inocentes? É uma caça às bruxas familiares, principalmente.   

Tenho prova documental do estado de saúde precário de minha língua no começo de novembro. Registrei no meu celular aquele pedaço de carne e a boca cheia de dentes (não todos porque a infância de dificuldades não permitiria ficar a salvo) e enviei ao meu dentista quando já estava com sintomas do vírus chinês.   

Documentação a leitores  

Achava que não tinha nada uma coisa a ver com a outra. Ou seja, a língua estava ferida e inchada porque possivelmente fora vítima de um gesto menos delicado do dentista. Nem me passou pela cabeça, muito mais pelos dentes, que estava ali a semente do diabólico vírus chinês.  

É a essa boca que os leitores de CapitalSocial que constam de minhas listas de transmissão de WhatsApp terão acesso juntamente com esta matéria. Eles vão receber o pacote completo. E entenderão que não se trata de alucinação. A imagem é suficiente para acreditar que a língua ferida é um filé mignon em lugar errado.  

Ao contrário das más línguas, o vírus chinês não me deixou com sequelas mentais e tampouco encurtou o que é comprido.  

É verdade que, em novembro, novembro inteiro, minha cabeça pirou mesmo. A cognição foi para o chapéu. O vírus chinês é múltiplo e específico nos ataques. Fui impactado por cinco dos 15 sintomas mais propagados pelos especialistas. A cabeça foi o alvo principal. Até desconfio de que o maldito tenha feito algum pacto como os bandidos sociais da região. Para desgosto deles, estou recuperadíssimo. Prontíssimo. Decididíssimo a tudo que se refira à responsabilidade social do jornalismo. Em nome do qual decidi fazer essa revelação.  

Companhia tenebrosa  

Portanto, se fosse você continuaria a leitura deste texto, porque este texto é leitura obrigatória para ajudar a salvar você da reta. Não morra pela boca. Não pretendia escrever uma linha sequer sobre a experiência pessoal com o Coronavírus, mas não deu para resistir à experiência da língua. Tenho obrigação social de compartilhar o conhecimento de uma especialista e a experiência própria.  

Passei 30 dias terríveis, novembro inteiro, por causa do vírus chinês. Nada, entretanto, comparado àqueles que deram entrada nos hospitais e àqueles que viraram estatística de letalidade. Sou um felizardo. Agora estou recuperado e, ao que parece, imunizado naturalmente. Naturalmente é força de expressão. Imunizado à fórceps. Falta saber por quanto tempo.  

Não pretendo escrever detalhes sobre minha companhia diabólica por 30 dias de novembro. Pode até ser que dia destes decida mudar de ideia, dizer o quanto o vírus chinês mudou minha vida. Pretendo, agora, apenas reproduzir a razão científica de sugerir a você que mostre a língua no espelho para você mesmo. Não perca tempo. Faça disso um ritual diário. Uma vez em cada período do dia. Não custa nada. Ou vai dizer que já está cansado de ver sua própria cara?  

Estudos comprobatórios  

Está no jornal espanhol El País, versão em português, o mapa da minha mina informativa. Sob o título “Estudo com mais de 600 pacientes descreve a “língua de covid-19” como um sintoma do coronavírus. Vou reproduzir vários trechos da reportagem: 

 Quando a primeira onda da pandemia arrasou os hospitais espanhóis na primeira boreal de 2020, muitas salas de cirurgia tiveram de ser fechadas para dar lugar a pacientes de covid-2019 em estado crítico. Com suas cirurgias de tumores de pele canceladas no hospital madrilenho La Paz, a dermatologista Almuden Nuño González se apresentou para trabalhar como voluntária no hospital de campanha montado às pressas no recinto de feitas da Ifema, em Madri, no qual começavam a chegar, no final de março, centenas de pacientes com covid-19. A médica não pôde evitar observá-los com olhos de dermatologista e começou a apontar sintomas marcantes, como a “língua de covid-19”. “Encontramos algumas alterações na língua que ate então não tinham sido relacionadas com a covid-19: é uma língua dilatada, como se estivesse inchada, com áreas de seu dorso com pequenos buraquinhos onde as papilas estão achatadas. Vê-se como uma língua com manchas rosadas”, explica Nuño González, cuja equipe anunciou suas descobertas nesta terça-feira em um comunicado.  

Mais língua ferida  

 A dermatologista e seus colegas estudaram 666 pacientes internados entre 10 e 25 de abril de 2020 no hospital de campanha da Ifema. A média de idade dos pacientes era 56 anos e quase metade era de origem latino-americana. Todos tinham pneumonias leves ou moderadas. A análise dos médicos mostra que mais de 25% deles apresentavam também alterações na mucosa oral, como a papilite lingual transitória (11%) – doença inflamatória que causa pequenas protuberâncias na língua --, úlceras bucais (7%), língua dilatada com marca dos dentes nos laterais (7%), sensação de ardência (5%) e inflamação da língua com a citada despapilação (45), segundo os resultados da pesquisa, já publicados em setembro na revista especializada British Journal of Dermatology.  

Mais língua ferida 

 Nuño González destaca que outros fatores poderiam explicar alguns desses sintomas, como certos medicamentos ou a ventilação com oxigênio, que seca a boca e pode irritar a língua. “Mas a língua despapilada se deve 100% à covid-19, porque não ocorre por nenhuma outra circunstância em nenhum tratamento”, afirma. “É uma descoberta que pode auxiliar no diagnóstico, como a perda do olfato ou do paladar. São sintomas muito característicos, acrescenta.  

Mais língua ferida 

 Muitos especialistas alertam desde o segundo trimestre de 2020 para a existência desses possíveis sintomas. Em maio, por exemplo, a dentista Carmen Martin Carreras-Presas, da Universidade Europeia de Madri, publicou três casos de úlceras ou bolhas na boca supostamente associados à covid-19. Em julho, a dentista Milagros Diaz Rodríguez, da mesma universidade, descreveu outros três casos de sintomas na cavidade oral ligados ao coronavírus, como a sensação de ardência e a despapilação da língua.  A dermatologista Almudena Nuño González diz que esses primeiros informes foram recebidos com ceticismo, por se referirem a muitos poucos casos. “Nós, ao estudarmos um número tão grande de pacientes, pudemos efetivamente demonstrar que esses sintomas estão relacionados com a covid-19”, afirma Nuño González, nascida em Madri em 1983.  

Mais língua ferida  

 O epidemiologista britânico Tim Spector, do King´s College de Londres, também assinalou nos últimos dias que está recebendo dezenas de informes sobre lesões na língua, por meio de um aplicado no qual os doentes de covid-19 descreveram seus sintomas. “Specttor confirmou na população geral com covid-19 leve, em suas casas, o que nós vimos em pacientes internados com pneumonia”, afirma Nuño González.  

Resistindo aos desafios  

Isto posto, vamos em frente. Meus 30 dias com o vírus chines foram pedagógicos porque aumentou a convicção de que alguém precisa escrever determinadas verdades numa região em que a conveniência e a hipocrisia fazem parceria exagera e desastradamente consagradora.  

Raramente durante aqueles 30 dias cheguei a pensar em passar desta para outra muito melhor. E mesmo nessas vezes meus questionamentos jamais avançaram o sinal de trocar as mãos e a alma do jornalismo inconformado pelos pés e as vísceras do jornalismo covarde.



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