Sociedade

Até onde a genealogia reversa vai
sustentar defesa de um assassino?

DANIEL LIMA - 22/03/2021

Hoje se completam 50 dias desde que um tiro covarde, desfechado a 50 centímetro de distância, atingiu meu rosto. Fui atirado a uma distância de dois metros, ensanguentado. Estou vivo e me recuperando por muitas razões. Principalmente porque, segundo a ciência dos médicos, o Todo Poderoso entrou em campo e desenhou um labirinto extraordinário. O projétil criminoso contornou todas as entranhas neurológicas e se alojou no pescoço. Fez estragos suportáveis que se estenderão por longo tempo.   

Só espero que nenhuma genealogia reversa dinamite a verdade dos fatos a ponto de transformar assassino em mocinho e assassinado em bandido.  

Assassino e assassinado são a lógica da brutalidade naquele pet shop próximo à minha residência. Estar vivo é uma licença especial do destino. A letalidade contrariada não pode amenizar a intencionalidade efetiva e tampouco o desenlace milagroso.  

Canonizando o agressor  

A defesa do guarda municipal afastado das funções no Interior do Estado e recentemente guindado à função de leão de chácara travestido de pequeno empreendedor não pode usar mentiras e sofismas para a tentativa de salvação prisional de um assassino. O artigo recentemente publicado num jornal da região vai nesse sentido, no sentido da impunidade, quando não da canonização do agressor.  

A família Rabinovici, contratada para mitigar os desdobramentos judiciais do assassino, tem história de ação contra bandidos. Não haveria preço monetário e ético a transigir esse currículo.  

O pai, Rafael Rabinovici, provavelmente assessor do filho Gabriel naquele alinhavado canonizador de um assassino, chegou ao posto de delegado seccional em São Bernardo. Assassinos como o cliente de agora sempre foram combatidos e punidos sob a liderança daquele delegado de Polícia.   

Troca perigosa 

A genealogia profissional permite troca de lado, claro. Só não pode substituir fatos contundentes por mentiras convenientes, sob pena de agravar consequências de um ato fora de qualquer manual de civilidade.   O direito constitucional à defesa não significa liberdade para assassinar a verdade dos fatos.  

Já escrevi o suficiente sobre aquele assassinato interrompido pelo destino para não precisar repetir que o agressor fugidio até outro dia deve ser escrutinado nas profundezas psiquiátricas. Se o assassino foi capaz de, sem qualquer justificativa, nem mesmo uma frase em tom elevado, desfechar friamente uma bala no rosto de quem lhe opôs apenas a insatisfação da demora no atendimento num pet shop, imaginem o quanto ilimitadas possibilidades se abririam ante situação abrasiva.  

O caso anteriormente registrado em Indaiatuba, que motivou o afastamento do assassino, já teria sido vasculhado pelo jornalista que mora em mim caso dispusesse de condições físicas, clínicas e emocionais. A discrição resumidíssima do noticiário do Diário do Grande ABC abre as portas de um incidente trágico e, mais que isso, antecipador da personalidade de meu agressor. 

Covardia múltipla  

Não bastasse a covardia individual, meu assassino contou em Indaiatuba com a companhia de outros malfeitores vestidos de agentes da lei. O artigo de um dos Rabinovici, supostamente em nome de todos os Rabinovici, esteriliza a responsabilidade do leão de chácara matador.  

O assassinato de que fui vítima é indefensável dentro dos princípios de um jogo de contraposições que não infrinja pressupostos e que não afronte e viole a dignidade do assassinado. Não se trata, essa conclusão, de manobra subjetiva que se equipare em esperteza semântica ao título utilizado pelo defensor do assassino na página de artigos da Folha do ABC.  

Diferentemente do jogo de palavras denunciador do espírito da defesa, e que tem como endereço a atividade jornalística que exerço, a estrada que conduz à incriminação explícita, irretocável, definidora, do assassinato abortado, é o sistema de gravação do ambiente do pet shop.  

Cadê as imagens?  

O assassino, frio e calculista, agiu rapidamente para surrupiar as imagens daqueles momentos dramáticos. Compreende-se o instinto de sobrevivência de uma defesa que busca refúgio de apelação no negacionismo de provas materiais e testemunhais.   

Afinal, como erigir uma montanha de fraudes explicativas, como se percebe subsistir naquele artigo, se o material fosse exposto? Como negar as provas do crime? Como apagar o descer impetuoso da escada íngreme, arma em punho, e o tiro à queima-roupa? Como negar a inofensividade do assassinado preocupado apenas em utilizar as mãos para segurar as duas cachorras? Um assassinado cuja última frase antes do assassino foi uma expressão perplexa: “Você vai me matar?”. E o assassino atirou para matar.  

Se o equipamento tecnológico contemplar o ambiente de atendimento do pet shop, imagens e sons mostrarão detalhes dos fatos precedentes ao assassinato. Nenhum palavrão, nenhuma tonalidade de voz mais acentuada, absolutamente nada que merecesse o rótulo de discussão, partiram do assassinado. Fora apenas uma reclamação comedida quanto à demora seguida de resposta ríspida do assassino. Nada que tenha levado o assassinado a retrucar no mesmo tom. Absolutamente nada.  

Mostrem as imagens 

O desafio à genealogia reversa do assassinato é que a família Rabinovici colha junto ao cliente a integridade da gravação. Sem truques. Sem manipulação. Sem cortes. Se nada, por si só, justificaria o assassinato, mesmo uma discussão em altos decibéis ou uma troca de socos e pontapés (como já se insinuou numa variante de asfixia da verdade), imaginem então o nada do nada. Literalmente. Pois meu assassinato foi resultado de uma torpeza que associa a fórmula quântica do nada vezes nada.  

Para aniquilar de vez com o título do artigo da família Rabinovici na Folha do ABC (“A primeira impressão – nem sempre – é a que fica”) e, consequentemente, a seara que se abre à imaginação menos fértil de que se pretende fazer do ataque a melhor defesa, porque estamos em tempos sombrios, reitero a proposta: mostrem a gravação.  

Chamem a mídia, marquem uma coletiva de imprensa, preparem todas as ferramentas tecnológicas, instalem um telão e soltem as imagens e o som. O show macabro estará ao alcance de todos. A brutalidade doentia se manifestará sem retoques.  

Tudo seria pior  

Fico a imaginar o que teria sido aquele incidente se, ao invés de contar como a companhia de minha secretária, me dirigisse sozinho ao pet shop para trazer minhas cachorras depois de quatro horas de espera. Não é pecado especular sobre a possibilidade de ter sido assassinado com mais de um tiro, porque o campo estaria livre para qualquer estupidez ainda mais ampla.  

Em seguida, corpo estendido no chão, bastaria preparar um álibi e o assassino nem teria tido o trabalho de fugir. É claro que desapareceria com a gravação, da qual ninguém tomaria conhecimento. De resto, uma história mentirosa, mas bem contada resolveria tudo.  

Desconfio de que além de assassinado, seria alvo de esculacho moral. Teria morrido de morte matada porque extrapolei em alguma coisa os limites da razão e do bom comportamento social. Em nome do vale-tudo de direitos constitucionais prevaricadores éticos fazem miséria.  

Não creio que as insinuações dos Rabinovici, contidas naquele artigo, ganharão corpo e espírito para sustentar o insustentável.  

Criando narrativas 

Na ânsia de defender o indefensável, os Rabinovici chegam ao desplante técnico-argumentativo de que a mulher do assassino fora hostilizada nas redes sociais. Sugere-se que os supostas ataques tenham sido desferidos exatamente pelo assassinado que, vejam só, lutava pela vida num hospital e, 50 dias depois, em casa, faz uso comedido do único instrumento de comunicação de que sempre dispôs: o aplicativo WhatsApp. As dores físicas são um entrave ao dedilhar do teclado.    

Talvez aquelas linhas putrefatas de mentiras e insinuações ofensivas de um representante da família Rabinovici tenham sido um ensaio alucinado de algum contato mais próximo com o assassino na preparação de estratégia de defesa.   

Em outros trechos, chega-se ao ponto de criminalizar terceiros que, ante o noticiário, picharam a fachada do empreendimento. Fico a imaginar o que seria daquelas paredes com a massificação da informação completa do que se passara naquela recepção. Que tal preparar um telão ali mesmo e exibir a todos os interessados a gravação do assassinato?  

50 dias dolorosos  

Mostrem a gravação, caros Rabinovici. Façam seu cliente jogar limpo, ele que é um assassino implacável, cruel, insaciável. Tudo isso expresso e impresso na minha memória e da testemunha. A volúpia de descer aquela escada com a arma engatilhada e apontada para o rosto de um assassinado que teimou em contrariar a lógica da criminalidade letal é a primeira e única imagem de uma decisão criminosa.  

Ao se completarem 50 dias, o assassinado recupera-se dolorosamente das sequelas físicas, emocionais e clínicas. São muitas, por sinal. A arcada dentária inferior à esquerda do rosto é um esconderijo de complicações que o assassinado não ousa penetrar.  Espera o momento certo em que o tratamento vai virar prioridade. A imagem do aproximar do assassino a desfechar o tiro fatal invade inadvertidamente minhas noites de pesadelos.   

Hoje as prioridades são outras. Como, por exemplo, contornar as dores nos ombros e no pescoço impactados pelo tiro implacável de um assassino. Nada comparáveis, esses prejuízos, à glória de continuar a respirar como os mortais que insistem em viver mesmo contra a vontade de assassinos à solta.  

Que a família Rabinovici não manche a biografia de combate à criminalidade, entregando-se a uma defesa inescrupulosamente deletéria de um assassino covarde, implacável e cruel. Um assassino que não resiste a qualquer tentativa de impedir a força de uma primeira, única e insofismável impressão documentada em imagens roubadas. O assassino, é um pernicioso exemplar de desumanidade, temperado de desequilíbrio, agressividade, dolo e tudo o mais que se possa recolher no léxico de criminalidade.   Não há genealogia reversa que permita tanta flexibilidade, a ponto de jogar o passado na lata do lixo. 



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