Sociedade

Complicadíssima Trindade em
dia de muita emoção. Entenda

DANIEL LIMA - 08/04/2021

Relutei durante muito tempo e até onde pude para não escrever este texto, que trata de algumas nuances pessoais do atual período de recuperação do ataque que sofri em primeiro de fevereiro. Um telefonema ontem, inesperado, me fez mudar de ideia. A Complicadíssima Trindade que me escraviza, como jornalista crítico que sou, jornalista adocicado que alguns gostariam que fosse e, completando, como pessoa física, que é a pessoa pessoal, me levaram a mudar de ideia. Portanto, zerem qualquer objetividade cabotina nessa decisão. É espiritualidade em alta na forma possivelmente mais intensa – de agradecimento.  

Vou revelar mais abaixo quem foi o autor do telefonema de ontem de manhã que me demoveu de manter à distância dos leitores detalhes dos dias subsequentes àquele atentado que hoje completa 67 dias. Antes, preciso explicar o que é a Complicadíssima Trindade que faz de mim gato e sapato de desafios e resistências. Sem a explicação, será difícil entender as razões das emoções fundas de ontem. Por que a Complicadíssima Trindade me escraviza? Veja:  

 Daniel Lima, jornalista crítico (ou seria cítrico?)  que todo mundo conhece, é uma obrigação moral e ética que me imponho. Não fosse assim, seria um centroavante sem fome de gol, um pregador sem alma, um advogado sem a gana de salvar o cliente -- e daí em diante. Portanto, a pessoa jurídica crítica é um dos três vértices de minha personalidade. Este é o Daniel Lima que não tem medo de nada porque botou na cabeça que a sociedade consumidora de informação não pode ser enganada deliberadamente. Basta a margem de erro da própria atividade jornalística cheia de armadilhas e subjetividades.  

 Leinad Amil, que alguns gostariam que fosse diferente de Daniel Lima, ou seja, que jogasse fora a indumentária moral e ética da crítica em troca de um proselitismo bajulador, entreguista, negociador, seria minha segunda pessoa jurídica. Leinad Amil, como se verifica, é o contrário de Daniel Lima.  Experimente escrever Daniel Lima de trás pra frente e verificará que o resultado é Leinad Amil. O mesmo Leinad Amil que já apareceu neste acervo de matérias de CapitalSocial em forma de galhofa, de cinismo declarado. Leinad Amil é a válvula de escape de Daniel Lima quando Daniel Lima quer mostrar o custo que seria ter um Leinad Amil em seu lugar.   

 Daniel José de Lima é a pessoa física de Daniel Lima e do asfixiado Leinad Amil. É a terceira ponta desse triângulo das Bermudas de complicações que, especialmente o primeiro, Daniel Lima, lhe impõe. Foi Daniel José de Lima o homem atacado num pet shop em São Bernardo. Recebeu um tiro à queima roupa e ficou 10 dias hospitalizado. E há mais de dois meses está em recuperação dolorida. Quem está pagando o pato é o Daniel Lima, que, como neste momento, escreve somente depois de engolir dois medicamentos para amenizar as dores nos ombros e no pescoço, onde está alojado o projétil do assassinato frustrado. Se pudesse, mesmo sabendo que Daniel José de Lima não tem culpa alguma no cartório, Daniel Lima o estrangularia.  

Buraco mais próximo  

Entenderam, agora, a referência à Complicadíssima Trindade? É assim que funciona a vida de um jornalista crítico, como muitos o são. No meu caso, o alvo do jornalismo crítico é mais complexo e periculoso quando comparado ao das grandes capitais. Aqui o buraco é mais próximo. Os destemperados, os inconformados e tantos outros menos impactados, mas que de alguma forma passam pelo escrutínio crítico, exercem maior poder depressão. E, em alguns casos, de ameaças, também. Aliás, sofri tantas ameaças ao longo da carreira que me sentia devedor de Daniel José de Lima. Mas eis que o bom-camarada Daniel José de Lima se meteu sem querer numa enrascada que, como disse, abomino.  

Decifrando um pouco mais as três personalidades conjugadas da Complicadíssima Trindade, os fatos são os seguintes; 

1. Daniel José de Lima, ou seja, a pessoa física, tem raríssimos opositores, adversários ou inimigos. Não me lembro absolutamente de nenhum. Até mesmo a mulher do assassino do pet shop, que contou mentiras cabeludas no inquérito policial, não deve ter queixa do Daniel José de Lima, vítima de seu marido. Ela acompanhou tudo e sabe o que aconteceu. Tanto quanto a gravação do ambiente, surrupiada pelo marido. Letícia Galera, o nome dela, deve inclusive baixar os olhos de vergonha caso se encontre com Daniel José de Lima. Já do Daniel Lima, que vem descendo o pau no marido e nela também, virou uma adversária, senão inimiga. Daniel José de Lima acha que o Daniel Lima tem intenções de lhe atrapalhar a vida. Só porque ele, Daniel José de Lima, atrapalhou a vida do Daniel Lima.   

2. Daniel Lima é o jornalista crítico (ou cítrico?) que coleciona desafetos entre mandachuvas e mandachuvinhas que o querem assassinado e triturado. São poucos que chegariam a esse ponto extremo, é verdade. A maioria se contentaria mesmo com algo mais simples, como um tiro na cara que o botasse no outro mundo. O preço da profissão é caro, mas jamais o abalou. Ele sabe os riscos que corre, mas não os teme, embora também não esteja disposto jamais a desafiar eventuais possíveis algozes. Só cumpre a missão profissional. De pessoa jurídica, como disse logo acima. Daniel Lima é um incômodo para Daniel José de Lima. E um tormento para o Leinad Amil estrangulado. 

 Leinad Amil se daria muito bem na vida se conseguisse sufocar o Daniel Lima e o Daniel José de Lima. Eles o impedem de fazer algazarras de diversos calibres. Fosse Leinad Amil o jornalista que tomasse o poder nesta revista digital ou que fizesse no passado de LivreMercado e de outros endereços apenas metade do que os adversários e inimigos de Daniel Lima gostariam, tanto um quanto o outro (ou seja, Daniel Lima e Daniel José de Lima) estariam nadando de braçadas numa vida de muita fartura material e posicionamento social destacado. Leinad Amil é um cara disposto a qualquer coisa. E não se conforma de viver enjaulado por Daniel Lima e Daniel José de Lima.   

Cadastro valioso  

Então, depois de tudo isso explicado, devo dizer que o período de convalescença que ainda me retém em casa, independentemente do Coronavírus, está sendo gratificante e amenizador das dores do parto.  

As sequelas físicas temporárias, que se revezam como prioridade de tratamento, dependendo do dia-a-dia, estão sendo curadas tendo como pano de fundo mensagens e telefonemas que tanto eu quanto o Daniel José de Lima agradecem. O Leinad Amil não tem vez nessa conjuntura porque, como se sabe, não ganha espaço na Complicadíssima Trindade. Exceto, claro, quando brinco, mudo de identidade e desapareço entre as entranhas de Leinad Amil, o bonzinho de boca e de bolso.  

Por razões estritamente profissionais, não posso revelar a maioria dos nomes entre os mais de dois mil leitores de CapitalSocial que constam das listas de distribuição do aplicativo WhatsApp. Não contabilizo os que chamo de emeiados, à parte do aplicativo – que são muito mais milhares, abastecidos de informações. 

Diariamente, mantenho contato com os cadastrados no WhatsApp, antecipando textos, aportando ideias e reproduzindo material editado nesta revista digital.  

Plateia variada  

Sem os leitores com os quais mantenho relações diárias provavelmente meu cotidiano não seria o mesmo. Passei sem essa turma durante pelo menos 40 dias após o primeiro de fevereiro. Os 10 dias de internação hospital e os 30 dias seguintes, quando os efeitos do próprio tratamento ainda se manifestavam duramente. Até porque o tratamento domiciliar deu prosseguimento ao hospitalar.  

Amigos, leitores, parentes, conhecidos, tudo quanto é gente ocupou meus dias ou, melhor dizendo, ocupam até hoje. Há a turma do Daniel José de Lima, que são parentes. Eles deram e continuam a dar força espiritual extraordinária. Irmãos, primos, sobrinhos, tios, todos estão no mesmo barco de sofrimento e satisfação. Nessa contabilidade também entram amigos mais próximos de Daniel José de Lima do que de Daniel Lima, por anterioridade de aproximação.  

Já o Daniel Lima, o crítico, convive com telefonemas e mensagens de fontes de informação, de leitores passageiros, de leitores que viraram amigos, de leitores até então distantes. É uma festa. Daniel Lima tem evitado, até por restrições médicas, falar com eles ao telefone ou recebê-los em casa. Nas poucas vezes em que foi tentado a falar ao telefone, sentiu o peso da emoção. Não conseguiu terminar a conversa. 

Espiritualidade e violência  

Ultimamente tem melhorado. Já não chora como antes. Lançou mão de uma terapia psicanalítica, por assim dizer, que aparentemente certeira. Faz incursões espirituais mescladas de séries violentíssimas da Netflix.  Parece loucura, mas tem dado certo.  

Daniel José de Lima banalizou a violência para tentar superar o trauma da violência. Os avanços são notórios. Ele não tem ideia de que haja algo semelhante recomendado por especialistas do ramo. Combater violência com violência virtual ajudou Daniel José de Lima a minimizar o impacto que sofreu.  

Isso não quer dizer que Daniel José de Lima já não tenha pesadelos que reproduzem com fidelidade a cena final do tiro no rosto, o ambiente infernal de uma UTI, e outros cenários. Mas cada vez mais em menores proporções. Menos, claro, o tiro no rosto, irremovível como invasor incontrolável.  

Para finalizar, Daniel Lima e Daniel José de Lima pedem desculpas a tantos amigos e leitores, e aos parentes, pela omissão dos nomes. É preciso preservar a todos. Além disso, claro, sem clichê, faltaria espaço para nomeá-los. 

Sérgio, o nome mágico 

O que levou Daniel Lima a escrever rapidamente sobre os dias que vive pós-tiro no rosto é o empresário Sergio De Nadai. Na verdade, para ser correto, não foi o empresário Sergio De Nadai, com o qual o jornalista Daniel Lima está rompido há muito tempos, por razões estritamente profissionais de ambas as partes.  Quem ligou foi o cidadão Sérgio De Nadai. E quem o atendeu foi Daniel José de Lima, pessoa física de Daniel Lima. 

O resumo da história é que Daniel José de Lima teve, no primeiro contato, uma conversa relativamente rápida com Sérgio De Nadai. Rápida, reconfortante e emocionante. Foram alguns minutos (e depois várias trocas de mensagens no celular) que restauraram a amizade pessoal de muitos anos.  

A grandeza humanitária de Sérgio De Nadai, perceptível às primeiras frases daquele telefonema, não poderia jamais ter como contrapartida algo que não fosse o que se deu: uma gratidão de Daniel José de Lima pela lembrança, pela solidariedade e, repetindo, pela grandiosidade humana.  

Um desafeto profissional foi colocado à escanteio e quem entrou em campo foi um amigo de muitos anos, que o agradeceu emocionado. Daniel José de Lima chorou como nos primeiros dias pós-internação hospitalar.  

Tocando o coração  

Talvez um outro dia, se der na telha, revelarei alguns nomes que constam da memória afetiva como portadores de gestos de carinho, amizade e atenção nesse período de muitas dores porque Daniel José de Lima passou. É uma coleção de emoções. De gente simples a figurões da política regional, embora estes poucos em relação à maioria das demais categorias, por assim dizer. 

Sérgio De Nadai é especial para Daniel José de Lima no sentido de desprendimento pessoal que demonstrou e que o tocou profundamente. As diferenças das pessoas jurídicas foram lançadas à distância e cederam vagas à memória afetiva dos tempos em que eram amigos, inclusive com pitadas de relações familiares circunstâncias. Ambos trabalhamos juntos no Diário do Grande ABC. 

Mensagem emblemática  

Sérgio De Nadai recebeu ontem em seu celular a mensagem que repassei a todos os cadastrados de CapitalSocial no WhatsApp. Escrevi que revelaria hoje o nome da pessoa que me teria levado a escrever o que acabo de escrever. Agora leiam a resposta que Sérgio De Nadai me enviou na sequência, um retrato fiel do que Daniel José de Lima e Sérgio De Nadai falaram de manhã: 

 Vou gostar de ler. Se você fizer uma aposta com certeza ninguém vai acertar. Mas quem ligou não foi o Sérgio (pessoa física). Foi o amigo – e podem duvidar: tem muitos irmãos que discutem, discordam e às vezes chegam até a se agredir. Mas quando você fala e age com o coração, é diferente. Eu também fiquei emocionado, pois não sabia como seria recebido. Mas quando, você Daniel, falou “Oi, Sergio, quanto tempo não nos vemos”, eu senti que tanto eu como você fizemos a coisa certa. Aquilo que Deus nos deu é AMOR. Estou muito feliz hoje. Tenho meu amigo de volta como há 40 anos ou mais. Obrigado, Daniel.  

Tempo de preparação  

É provável que o Daniel José de Lima de antes de primeiro de fevereiro último atenderia a Sérgio De Nadai como atendeu ontem, qualquer que fosse o assunto, mas certamente não seria a mesma coisa. O Daniel José de Lima pós-primeiro de fevereiro, que atendeu ontem de manhã o telefonema de Sérgio De Nadai, está muito mais sensível.   

Agora só falta passar a fase mais grave da pandemia do vírus para que Daniel José de Lima e Sérgio De Nadai possam se abraçar pessoalmente, como velhos amigos de tempos que valem a pena ser lembrados. Já não têm tanto tempo assim – e isso vale para tanta gente do entorno – para deixarem-se contaminar pelo amargor de contrariedades profissionais que sempre deveriam ficar encapsuladas nos respectivos compartimentos.   

No caso de que não se tem tanto tempo assim para invernos relacionais, o que pretendo dizer também é que por mais que Daniel José de Lima tenha nascido de novo em primeiro de fevereiro, ele não quer dar sopa para mais nada. A Complicadíssima Trindade que o envolve precisa ser mais didaticamente explicada e mensurada, como se tentou neste texto. E, portanto, não deve atrapalhar a pessoa física.  

Daniel Lima, Daniel José de Lima e o intruso Leinad Amil enviam um afetuoso abraço a todos os leitores, amigos e parentes que se manifestaram ou não, torceram e torcem pela recuperação da Complicadíssima Trindade. Este artigo é uma homenagem e um agradecimento público a Sérgio De Nadai pelo gesto magnânimo de humildade, carinho e amor por um semelhante repleto de paradoxos impostos pela natureza do trabalho.



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