Economia

Mercado imobiliário precisa
de um comitê de ética urgente

DANIEL LIMA - 26/07/2021

O frágil e de baixíssima representatividade Clube dos Construtores do Grande ABC (Acigabc) segue uma rotina quase jamais interrompida de mediocridade e interesses mais que questionáveis como suposta expressão do mercado imobiliário da região. Literalmente de pai para filho (de Milton Bigucci para Milton Bigucci Júnior) a entidade de poucos e quase sempre omissos integrantes não perde a oportunidade para dourar a pílula do setor.  

Dourar a pílula é uma expressão generosa que deve ser relativizada como ferramenta diplomática. Caberia algo mais contundente.   

O que o Clube dos Construtores faz mesmo em nova investida de um marketing corrosivo é puro exercício de insensibilidade num momento em que a Pandemia provoca danos irreparáveis à sociedade.  

Aliás, o que diferencia o sazonal (vírus) e o estrutural (agentes imobiliários insensíveis) é a impunidade, quando não o compadrio, sem falar em protecionismo, para não dizer perseguição.  

Ou alguém tem dúvidas de que o mercado imobiliário, de maneira geral, são as empreiteiras urbanas de financiamentos eleitorais geralmente ao arrepio da lei? Escândalos não faltam para confirmar a mistureba entre agentes públicos e agentes mercadistas.   

Lesando os consumidores  

Nem todo mundo do setor participa da festa democrática, por assim dizer, com ironia, claro. Somente os poderosos têm acesso às chaves dos cofres públicos em forma de informações privilegiadas.  

Os mercadores imobiliários interveem no campo especulativo que lesa os bolsos dos compradores com aval e apoio jornalístico em flagrante conflito com o interesse da sociedade.  

Imóvel, sobremodo imóvel residencial, faz parte da cesta básica das famílias. Uma cesta básica que, dado o financiamento, ultrapassa em muito os limites de curto prazo de tantas outras mercadorias. Comprar um apartamento ou uma casa não é o mesmo que comprar um quilo de arroz ou de feijão. É muito mais intenso o compromisso com o orçamento doméstico.  

Necessidade geral  

Meu primeiro imóvel foi pago em 15 longos anos. Comia um terço de meus salários. Qualquer atropelo no período poderia me custar inadimplência. Trabalhar para garantir a moradia era fundamental.  Morava até então em quarto e cozinha. Ratos entravam pelo buraco da porta da cozinha. Moradia para minha família de mulher e dois filhos era prioridade. Como é para grande parte da população brasileira.  

Por isso, entre a necessidade de uma vida com alguma qualidade e criminosas ações propagandistas, sempre fico com a primeira. Porque vivi na pele.  

Imóvel é, portanto, um bem que dura por várias gerações e, quando financiado, compromete mesmo larga parcela da renda familiar. Repito: não pode ser tratado como uma mercadoria qualquer.  

Respiradouro breve  

Os aspectos promocionais revestidos de especulação alucinógena de venda afetam duramente as famílias. A supervalorização na compra de imóveis novos chega em alguns casos a flertar com o estelionato em proporção semelhante à subestimação dos usados. Quando se pratica essa armadilha individualmente, as regras do mercado é que decidem. Isso é muito diferente de utilizar-se de uma entidade de classe para vender artificialidades.  

Lendo como voltei a ler na semana que passou informações completamente desprovidas de bases econômicas sólidas, porque vazias de conteúdo probatório, tive uma ideia simples para tentar evitar ou pelo menos minimizar os estragos sociais que o pai Milton Bigucci promoveu no Grande ABC ao longo do período em que presidiu o Clube dos Construtores, e que agora o filho Milton Bigucci Júnior ameaça dar continuidade.  

Entre os longos mandatos de mandachuva no Clube dos Construtores a família dos Bigucci só foi interrompida nos três anos de respiradouro de Marcus Santaguita, o oposto do antecessor e do sucessor.  

Ordem estatística  

Santaguita botou ordem na casa. Sobretudo ao acabar com a farra de industrialização de estatísticas mentirosas, fantasiosas, descortinadas pelo antecessor Milton Bigucci. Tudo comprovado exaustivamente por CapitalSocial e silenciosamente engolido pela mídia em geral.  

Foram enfrentamentos que sempre valeram a pena. A verdade dos números e das interpretações jamais foi condenada, embora não falassem tentativas. Só se comprovou verdadeira.  Tão verdadeira que o sucessor Santaguita abriu até onde foi possível a caixa de maldades e de privilégios individuais, corporativos e familiares do Clube dos Construtores. Uma gestão reformista que durou pouco.  

Uma das medidas mais profiláticas da gestão de Santaguita foi trazer para o seio informativo do Clube dos Construtores, agora de forma transparente, todos os dados da empresa privada que produz estatísticas para o Secovi em São Paulo (o Secovi é a entidade-maior do mercado imobiliário) e também às demais associações do gênero.  

Mercado turbinado  

A associação dirigida por Milton Bigucci, a qual chamo de Clube dos Construtores (como chamo de Clube dos Prefeitos o Consórcio Intermunicipal, e de Clube dos Municípios Mais Ricos do Estado o G-22 que criei), obtinha os dados oficiais mas não os compartilhava à sociedade.  

Mais que isso: os enfiava nas gavetas e os adaptava com os vieses de interesse corporativo do presidente Milton Bigucci. O que era bom para Bigucci era preservado, o que não era interessante era descartado -- e o que não aparecia nos dados, era inventado.  

Chegou-se a tal ponto a fúria deformadora de dados do então presidente do Clube dos Construtores que se aquecia de tal modo artificial o mercado imobiliário regional com informações que davam conta de participação relativa de 30% em confronto com a Capital. Uma vitalidade extraordinária que, de fato, jamais se efetivou.  

Há desde sempre um descolamento rigoroso entre o que há de efervescência na maior metrópole do País e a mediocridade da província do Grande ABC. Nos últimos anos de dados estatísticos mais confiáveis se chegou à verdade dos fatos. A participação do Grande ABC na vendas de imóveis residenciais não passa de 5% do registrado na Capital. Quando chega a 10% é um estouro da boiada.  E Milton Bigucci anunciava 30%, vejam só.  

Comitê de Ética 

O DataBigucci foi uma ferramenta que destilou no mercado imobiliário do Grande ABC uma deformação estatística e interpretativa que amarrou no poste da manipulação toda a mídia descomprometida com a realidade.  

Amarrou é força de expressão, porque o que se deu mesmo foi um processo de adesão incontida que tinha como fundo uma diplomacia de resultados comerciais em forma de publicidade e de suposto conteúdo motivacional para lubrificar as engrenagens do mercado.  

Fosse o Clube dos Construtores do Grande ABC agora sob o controle de Milton Bigucci Júnior diferente do Clube dos Construtores do Grande ABC do pai Milton Bigucci, uma das providências a serem anunciadas, e que já deveria ser anunciada, seria a constituição do que chamaria de Comitê de Ética dos Construtores.  

É claro que esse organismo que seria introduzido no estatuto do Clube dos Construtores não se constituiria em algo semelhante ao comitê de ética da CBF, esculpido para proteger os amigos e, circunstancialmente agora, com um presidente metido em enrascada de assédio sexual, colocado em campo para defenestrar um trapalhão.   

Comitê independente  

O comitê dos construtores teria um diferencial que, claro, assustaria os controladores do mercado imobiliário da região: teria a participação exclusiva de agentes da sociedade que se inscreveriam quer por indicação de entidades de classe como também de forma independente.  

Juro que gostaria imensamente de fazer parte do grupo. Sugeriria, aliás, dado o interesse social da atividade, que a representantes do Ministério Público obrigatoriamente fossem reservadas vagas.  

Já imaginaram os leitores um Comitê de Ética no mercado imobiliário? Já pensaram no quanto seria útil e inibidor de ações diretivas em descompasso com a demanda por transparência e realidade do mercado? Quantas mentiras cabeludas não implicariam protagonistas em crime de responsabilidade civil?  

Três sugestões  

Posso, de supetão, sem qualquer planejamento prévio, apenas no ritmo do dedilhar do teclado, listar alguns pontos a observar com critérios rigorosos pelo Comitê de Ética Independente do Clube dos Construtores: 

1. Confrontar os dados reais com as declarações de seus representantes à mídia, de modo a evitar que informações deformadas induzam a sociedade a acreditar que se vive situação econômica diferente da realidade.  

2. Varredura completa em produtos imobiliários entregues aos compradores com o sentido de constatar na prática o que se vende nas páginas de jornais não só quanto à qualidade dos materiais utilizados quanto também à metragem física. Não faltam informações que dão contam do milagre de tijolos e cimentos encolherem nas construções. 

3. Disciplinar ações de construtoras e incorporadores que, como marketing corrosivo de enganação, anunciam o esgotamento de vendas de empreendimentos como fórmula especulativa de despertar interesse suplementar dos potenciais adquirentes.  

4. Varredura completa na legislação que contempla os maiores empreendimentos imobiliários com o objetivo explícito de detectar irregularidades no uso e ocupação do solo. Esse é um filão de inesgotável manancial de deformações no setor, cuja origem é difícil de detectar porque oscila de acordo com cada situação. Há agentes públicos que tomam a iniciativa da maracutaia assim como há agentes privados que o fazem com desembaraço. Só em Santo André há dezenas de empreendimentos que soterram a legislação sem que qualquer medida tenha sido tomada pelas autoridades. Ou nos casos em que houve denúncias, nada se aplicou em forma de penalidade.   

É evidente que da toca desses coelhos não vai sair absolutamente nada. Como em tantas entidades de classe econômica e sindical. O Brasil é uma farsa em todos os quadrantes. No Grande ABC a impunidade é cavalar.



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