Tenho certeza absoluta, sintética e analítica, como se dizia no passado, de que grande parte dos leitores levantou mais que a mão, mas também os braços. Os mais radicais não teriam pudores: levantaram até as pernas. Afinal, vivemos tempos sombrios à direita, à esquerda e principalmente ao centro, ou falso centro, que, como os extremos, também é golpista no sentido indecoroso. Indecoroso porque age ardilosamente em nome da democracia, palavrinha mágica que acoberta as maiores canalhices. Mas isso não interessa diretamente agora.
A percepção de que o Brasil é uma ilha de complicações cercada de prosperidade ou de muito menos problemas por todos os lados do mundo não é uma conclusão desconectada do ambiente que respiramos. É tão latente quando o calor do sol. E do cheiro de golpe e contragolpe.
A pergunta supostamente respondida com volúpia política diz respeito à situação econômica.
A Grande Mídia esforça-se para concentrar atuação na política, porque a política sempre moveu a Grande Mídia, mas é a economia que dá respostas efetivas. E caudal de manipulações constantes.
Só o que interessa
O Brasil é o centro da crise econômica do mundo, segundo a Grande Mídia que, esperta, omite informações ou as contextualiza (como se verá também nesta análise) conforme a conveniência do momento.
Mais que tudo isso: a Grande Mídia também age no sentido de, ante a impossibilidade de omitir, torna as informações contraproducentes à linha editorial uma mistureba de manobras conhecidas de quem é do ramo.
Manchetíssimas e manchetes importantes, mas que poderiam supostamente desmentir ou mitigar especificidades do noticiário político e epidemiológico, como agora, são banidas de qualquer critério editorial equilibrado. A ordem geral e irrestrita é o alinhamento em torno de objetivos definidos previamente.
Ilha de verdade?
Quando se pretende minar, perseguir e derrubar um governo tido como inimigo, porque, entre outros ativos em meio a tantos passivos não se submete aos interesses de determinados poderes paralelos, a recomendação agora consorciada é minimizar o máximo o que possivelmente reduziria a carga de irresponsabilidade na condução do País.
Por isso, a sensação geral de que o Brasil é uma ilha de complicações econômicas e sanitárias ditadas por desvarios presidenciais no tratamento da Covid (e sem parentesco com o resto do mundo) ganha a forma de uma sala de aula lotada de alunos que, questionados sobre quem descobriu o Brasil, não vacilam um instante. Lá estão as mãos levantadas, quando não os pés.
Dito isto, vamos à prática de um exemplo. Pego um jornal insuspeito, o Valor Econômico, edição de sábado. O jornal faz parte da Organizações Globo e, claro, mantém linha editorial rígida opositora ao presidente da República. Mas é mais profissional do que os jornais convencionais não predominantemente econômicos, casos da Folha de S. Paulo, Estadão e o Globo. Além de outras mídias principalmente relacionadas às três publicações.
Problema mundial
A manchete de página do Valor Econômico começaria a reduzir o universo de alunos que levantaram a mão na sala de aula da obviedade: “Variante delta reduz ritmo da recuperação mundial”. Vamos aos trechos principais da matéria da Agência Bloomberg. Tenho certeza de que a sala de aula ganhará mais sensatez interpretativa ao fim da reprodução dos blocos principais da reportagem.
O ressurgimento da pandemia neste trimestre vem reduzindo o ritmo da recuperação econômica mundial, com a variante delta da covid-19 prejudicando as iniciativas para acelerar a reabertura de fábricas, escritórios e escolas. Em vez de entrar nos últimos meses de 2021 com a certeza de ter superado o pior da pandemia, está cada vez mais claro que doses de reforço das vacinas podem ser necessárias, a reabertura dos locais de trabalho vai demorar mas as fronteiras continuarão fechadas. Dados da semana passada apontam para uma evidente desaceleração em todo o mundo, com as infecções afetando viagens e gastos e agravando os gargalos de abastecimento que têm prejudicado a produção e o comércio. A alta dos preços de gasolina também desponta como uma ameaça.
Mais problema mundial
Nos Estados Unidos, as contratações desaceleraram drasticamente em agosto, para seu menor número em sete meses, enquanto os dados de check-ins nos aeroportos e as reservas em hotéis e restaurantes mostram uma demanda mais fraca. O principal indicador de sentimento de empresas da Alemanha se deteriorou e o setor de serviços da China contraiu e agosto. Uma medida mundial de manufatura registrou forte retração. Os medidores de atividade ficaram aquém das expectativas nas principais economias, de acordo com o Goldman Sachs Group, enquanto o Citigroup advertiu que a recuperação pode ser moderada, com um aprofundamento de disparidade entre setores e regiões. “A disseminação da variante delta tem desacelerado o processo de reabertura e nos levou a rebaixas as expectativas de crescimento em todo o mundo”, disse Robim Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais de Washington, em uma referência à sua previsão revisada de 5,7% para este ano, da anterior de 6,2%.
Mais problema mundial
Esse tropeço pode complicar os planos do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos) de deixar para trás as medidas de apoio contra a crise e reduzir o ritmo das compras de ativos ou aumentar as taxas de juros. No fim de agosto, o presidente do FED, Jerome Powel, fez um alerta sobre a persistente desaceleração do mercado de trabalho em meio à continua pandemia. “De uma retração nos serviços na China a uma queda bruta no aumento da oferta de empregos nos Estados Unidos, a variante delta prejudicada a recuperação econômica mundial”, disse Tom Orlik, economista-chefe da Bloomberg Economics. Na Alemanha, Jens Weidmann, presidente do Bundesbank (o bando central alemão), também citou os risos de um revés na recuperação econômica, enquanto o Conselho de Estado da China, o equivalente ao Gabinete do governo, ordenou um apoio extra às pequenas empresas.
Mais problema mundial
A gravidade da desaceleração econômica a partir daqui dependerá em grande parte da ciência. Economias com altas taxas de vacinação permitem que seus governos resistam a outra rodada de paralisações e optem, em vez disso, por medidas direcionadas, entre elas a exigência de prova de vacinação para frequentar locais públicos, como restaurantes. Para Weidmann, o avanço na vacinação significa “provavelmente que o impacto econômico não será tão grave” como nas ondas anteriores.
Mais problema mundial
(...) Mas a maioria dos emergentes enfrenta dificuldades, principalmente para obter o mesmo acesso a vacinação que os países desenvolvidos. Nas 39 economias definidas como “avançadas” pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a taxa de vacinação é de 58% em comparação com apenas 31% no resto do mundo – esse percentual inclui a massiva vacinação da China. Economias dependentes de manufatura e turismo, como Vietnã e Tailândia, foram obrigadas a fechar fábricas e as fronteiras. O Sudeste Asiático sofre um dos piores surtos de covid-19 do mundo. (...) Para Alicia Garcia Herrero, economista da Natixis, é provável que essa diferença de velocidade na recuperação entre as economias em desenvolvimento e avançadas se aprofunde: “Na verdade, a disparidade entre economias e emergentes e desenvolvidas vai piorar”.
Revelando erro
Poderia deixar para uma próxima edição, mas incorporo a este texto outra matéria, agora publicada pela Folha de S. Paulo (é claro que sem nenhum destaque editorial, diferentemente da origem do contraditório que se verá em seguida) que trata do PIB do segundo trimestre do Brasil, anunciado semana passada.
Trata-se de artigo do colunista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) sob o título “Dificuldades do jornalismo”, com a linha auxiliar “Gráfico publicado pela Folha não comparou de forma adequada evolução do PIB de países durante a pandemia do coronavírus”. Vamos aos trechos principais:
Mais Samuel Pessôa
Hoje vou atacar de ombudsman do jornal. Entrarei na seara de meu colega José Henrique Mariante. Na quarta-feira (1º), o IBGE divulgou o resultado da atividade econômica relativa ao segundo trimestre, O número, crescimento de 00,1% ante o primeiro trimestre, veio abaixo da expectativa de mercado. Na capa da Folha de quinta-feira (2) passada havia um gráfico comparando o Brasil com outros 29 países. Tivemos o pior desempenho. Será que o gráfico nos ajuda a entender como tem se comportado a economia brasileira em comparação com os demais? Penso que não. A segunda onda ainda estava muito forte no início do segundo trimestre e, portanto, um resultado pior do que o esperado era normal. A epidemia, um fenômeno global, apresenta dinâmicas específicas em cada país em um dado momento.
Mais Samuel Pessôa
A diferença entre os gráficos aqui e o da capa da edição de quinta-feira, além de haver um país a mais aqui, é a base de comparação. Eu considerei o último trimestre antes da epidemia, o 4º trimestre de 2019, como base de comparação, e a reportagem de quinta-feira, o trimestre anterior, isto é, o ao trimestre de 2021. A base escolhida por mim é mais adequada para comparar o desempenho econômico na pandemia de diversos países. A mensagem é muito diferente da informação da capa do jornal. Como em geral acontece, o Brasil se casou com a mediocridade. Mas não somos o pior caso. Longe disso. Há 16 países piores e 14 melhores.
Mais Samuel Pessôa
A economia ainda não superou as dificuldades com a epidemia. Outros serviços, um subsetor dos serviços que representa 15% da economia e 34% do emprego, ainda roda 7,2%% abaixo do nível pré-epidemia, e os serviços da administração pública, que também representam 15% da economia, operam 4,5% abaixo. A normalização de ambos nos próximos trimestres adicionará 1,8 ponto percentual na economia. Sobrará um resto da recuperação para melhorar um pouco os números de 2022.
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