A manchetíssima (manchete das manchetes da primeira página) do Diário do Grande ABC de hoje é um convite à simplificação associada à imprecisão que encontra o porto inseguro do tropeço conceitual e numérico. “São Caetano cobra IPTU mais caro da região; S. Bernardo é 2º”, tem o mesmo sentido que o Estadão ou o próprio Diário do Grande ABC publicar a seguinte manchete: “Volkswagen vende SUV mais caro que carro popular”. Ou ainda: “Moradores do Morumbi têm IPTU mais caro que o do Jabaquara”. Mais uma? “São Caetano arrecada mais IPVA per capita do que Diadema”. Dezenas de potenciais manchetíssimas poderiam emergir. É impossível sufocar o ombudsman não autorizado que habita em mim. Mais uma vez.
Tudo isso que está aí em cima significa com clareza meridiana que a simplificação estanque, sem agregado de valor, é um fosso no caminho de quem pretende construir interpretações sobre qualquer coisa. Não há nada mais contraproducente do que enxergar o mundo sem nuances críticas.
O noticiário tem um viés flagrantemente condenatório a São Caetano (e a São Bernardo) por conta da linha editorial do Diário do Grande ABC que, só recentemente, com Tite Campanella no comando do Palácio da Cerâmica, descobriu que o paraíso não está naqueles 15 quilômetros quadrados, embora também não seja o inferno da vizinhança menos desenvolvida.
Origem de aumentos
Já escrevi centenas de textos sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano, que vem a ser algo como um aluguel permanente exercido pelo Poder Público Municipal sobre o acervo de imóveis particulares. Nada que não seja justo do ponto de vista social e econômico. O problema não é esse.
O problema é que, desde que a desindustrialização deu ares da graça e, principalmente, desde que acabou a farra inflacionária com o desembarque do Plano Real, as prefeituras correm atrás do prejuízo. A carga relativa do IPTU antes de 1994 era proporcionalmente irrisória na arrecadação geral dos municípios. Com o fim da inflação (e dos ganhos estratosféricos com a especulação financeira) e o desgaste da moeda (com redução do custo com fornecedores e funcionalismo), além da desindustrialização, o Grande ABC conheceu o outro lado da moeda, de abusos arrecadatórios.
Traduzir em ranking os números de arrecadação de IPTU dividindo-os pelo total de moradores é um erro crasso. Foi exatamente isso que o Diário do Grande ABC expôs hoje na manchetíssima e na página interna. O jornal subestimou ou ignorou série de fatores. Vou listar alguns pontos que devem ser levados em conta. Poderia expor mais uma dúzia de ponderações:
1. Valores absolutos ou per capita em confronto com valores absolutos ou per capita da arrecadação do ICMS.
2. Valores absolutos ou per capita em confronto com valores absolutos e per capita do PIB Geral.
3. Valores absolutos e per capita em confronto com valores absolutos ou per capital de Potencial de Consumo.
4. Valor do metro quadrado residencial de imóveis novos e usados.
5. Infraestrutura física do Município.
6. Infraestrutura social do Município.
7. Competitividade econômica.
8. Padrão de ensino público e privado.
9. Homicídios por 100 mil habitantes.
10. Média de crescimento do PIB neste século.
11. Qualificações logísticas que impulsionem a economia.
12. Distribuição da riqueza por faixas de renda.
13. Marcha da arrecadação em sincronia com desempenho econômico.
CapitalSocial aponta há muito tempo que São Caetano é o Município de maior custo tributário da região. E continua a ser. Inclusive na arrecadação do IPTU. A diferença é que CapitalSocial excomunga o que métricas simplificatórias glorificam. E que distorcem os resultados comparativos. E contextualiza a curva de aumentos de valores à situação econômica do mesmo período.
Contexto é valioso
Descolar o IPTU de contexto econômico é como analisar um jogo de futebol e atirar no lixo as manobras táticas praticadas de acordo com o resultado no momento.
No caso da manchetíssima de hoje do Diário do Grande ABC, é evidente uma tentativa de dissuasão crítica do custo político do prefeito Paulinho Serra que, na calada de uma noite da semana passada, com os vassalos do Legislativo, perpetrou aumento cavalar do IPTU que será pago a partir do ano que vem.
A sociedade de Santo André e da região como um todo está tão imersa em dispersão cuja fonte maior são as redes sociais que é incapaz de reagir coordenadamente. Mas o faz em silêncio na medida em que toma conhecimento do despautério. A indignação coletiva é discreta, portanto. É um caldo de cultura com consequências múltiplas.
Vou reproduzir na sequência uma das análises que escrevi há mais de três anos sobre a carga do IPTU na região, vista sob um dos ângulos que menciono na relação exposta acima.
Liderança evidente
Convém repetir que aquele texto observa apenas um dos ângulos que devem regular a crítica quanto ao custo de morar em determinado endereço. Há materialidades indiscutíveis mas também subjetividades respeitáveis que devem ser avaliadas.
Tirar a liderança de São Caetano do custo do IPTU é praticamente impossível, mas por razões mais amplas e interseccionadas do que imaginam os simplificadores. E, mais que isso, trata-se de uma ação temporalmente compartilhada por prefeitos que se sucederam. Tanto quando os medidores positivos na área de infraestrutura social, entre outros.
O grave em qualquer ranking que meça o tamanho do peso do IPTU no bolso dos contribuintes é subestimar a ação de prefeitos atuais, como Paulinho Serra. O tucano aplicou um golpe em pleno período de pandemia. Leiam o texto de fevereiro de 2018. Os conceitos seguem mais que válidos.
IPTU de Santo André é de Baixa
Competitividade no G-22 Paulista
DANIEL LIMA - 05/02/2018
O IPTU de Santo André (mesmo sem considerar os aumentos já volumosos registrados em 2016 e 2017, e muito menos a tentativa extravagante do prefeito Paulinho Serra neste 2018) está no nível de Baixa Competitividade Econômica no G-22, Grupo dos 20 maiores municípios do Estado de São Paulo (exceto a Capital), acrescentado de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Dois desses 22 municípios são de Alta Competitividade, nove de Média, 10 de Baixa e apenas um de Baixíssima – caso da turística Santos.
Desenvolvemos metodologia semelhante ao do começo deste século quando criamos o IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos. Analisamos durante três temporadas os 55 maiores municípios paulistas em 13 indicadores diferentes nas áreas econômica, social, criminal e de gestão pública.
Desta feita, restringimos estudos ao IPTU. Tudo por conta do impasse em Santo André. O prefeito Paulinho Serra suspendeu a cobrança do imposto com aumentos cavalares projetados para esta temporada.
Deixamos de lado à definição de valores tanto do IPTU de 2016 quanto de 2017. Ficamos com os números relativos a 2015. A metodologia envolve o cruzamento de dados desse imposto municipal com o PIB (Produto Interno Bruto) dos Municípios Brasileiros, divulgado sempre com defasagem de dois anos. Ou seja: para que IPTU e PIB fossem utilizados sem qualquer tipo de distorção, preferimos optar pela igualdade temporal –2015.
Santo André está no grupo de IPTU de Baixa Competitividade Econômica no G-22. Conta com as companhias de São Bernardo, São Caetano, São José do Rio Preto, Ribeirão Pires, Ribeirão Preto, Guarulhos, Diadema, Mogi das Cruzes e Campinas. Apenas dois municípios têm IPTU de Alta Competitividade, caso de Barueri e Paulínia. Nove municípios estão na categoria de Média Competitividade Econômica, casos de São José dos Campos, Sumaré, Taubaté, Jundiaí, Sorocaba, Rio Grande da Serra, Osasco, Piracicaba e Mauá. Capital da Baixada Santista, Santos é o único dos 22 municípios a constar do IPTU de Baixíssima Competitividade Econômica.
O conceito de Competitividade Econômica refere-se a um dos pontos que constam das planilhas de consultorias especializadas para investimentos. O preço da terra em forma de IPTU é avaliado não necessariamente como elemento decisivo. Não faltam vetores mais relevantes.
Quesito desclassificatório
Mas o custo do IPTU pode significar um dos critérios desclassificatórias na medida em que se colocam na balança quesitos que no médio e no longo prazo elevam os custos fixos. Além disso, dinheiro que sai dos contribuintes e é gestado pelo Estado em forma de Município geralmente não tem a produtividade social desejada.
Santo André e Osasco são exemplos a ser utilizados de forma didática para explicar a metodologia que adotamos à definição da grade do G-22 de competitividade do Imposto Predial e Territorial Urbano. Para que os leitores possam compreender os insumos que determinaram as divisões, Santo André e Osasco são emblemáticos.
Esses dois endereços parecem irmãos gêmeos nos valores absolutos arrecadados com o IPTU na temporada de 2015. Então, como se explica que Osasco está na divisão de Alta Competitividade e Santo André de Baixa Competitividade? Um na Segunda Divisão e o outro na Terceira Divisão.
O primeiro ponto sobre o qual estruturamos o ranking foi a escolha do IPTU per capita, ou seja, por habitantes, dos 22 municípios. A conta é simples: pega-se valor bruto do IPTU e divide pela respectiva população. Santo André arrecadou em 2015 (de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional) o total de R$ 218.152.633 milhões com o IPTU. Osasco arrecadou R$ 218.909.381. Observa-se que são montantes praticamente iguais. Quando se dividem esses valores pelas respectivas populações (710.210 mil habitantes de Santo André e 694.884 mil de Osasco), o IPTU per capita de Santo André é de R$ 307,16 e o de Osasco de R$ 315,04.
Agora, as diferenças
Diante dessa constatação, de manutenção da semelhança de valores absolutos de arrecadação geral e de média por conta por habitante, como se justifica – vale a pena repetir a pergunta – que Osasco tenha mais competitividade que Santo André? Teria a metodologia fracassado?
Agora entra em campo o vetor que determina o ranking de competitividade econômica do tributo. Trata-se da média do PIB per capita dos dois municípios. O PIB per capita de Santo André em 2015 foi de R$ 36.948 mil, enquanto o de Osasco chegou a R$ 94.810 mil. Uma vantagem de Osasco de 61,02%. É nesse ponto, portanto, que tudo até então semelhante entre os dois municípios começa a esboroar.
Para chegar definitivamente às diferenças entre Santo André e Osasco em competitividade do IPTU construímos uma equação em que dividimos o valor per capita do IPTU pelo valor per capita do PIB dos dois municípios. O índice final de Osasco é de 0,332%, enquanto o de Santo André é de 0,831%. Uma diferença de 60,00%. Resumo da ópera: o peso do IPTU em Santo André é relativamente maior quando contraposto a um indicador que exprime a produção de riqueza (PIB).
Traduzindo tudo isso, a metodologia definiu com precisão a distância entre os dois municípios --e entre as combinações dos 22 integrantes do agrupamento que selecionamentos com base no PIB de 2015 divulgado pelo IBGE. O que adotamos foi a comparação embasada na realidade que a definição de valores per capita carrega. Para comparar números de universos diferentes, aconselha-se a métrica por habitante.
Como homicídios
Uma analogia que contribui para a compreensão da metodologia adotada pode ser retirada do ranking de homicídios, definido pela ONU (Organização das Nações Unidas). Os resultados em números absolutos são cotejados com o número de habitantes. O Estado de São Paulo conta com o maior número absoluto de homicídios no País, mas apresenta os melhores resultados quando se adota a métrica internacional.
Por contar com praticamente um quarto da população do País, São Paulo tem mais homicídios que a individualidade dos demais Estados. Quando se faz a divisão com o número de habitantes, obtém-se o quadro real do ambiente criminal. Em 2015 foram mortos por assassinato no Brasil 59.080 pessoas, média de 28,9 mortos para cada 100 mil habitantes. São Paulo registrou média de 11,9 homicídios por 100 mil habitantes. Sergipe apresentou o pior resultado, com 57,3.
O Município da região com taxa mais elevada de IPTU (quanto mais elevada menor é a competitividade no tributo) é São Caetano, levemente acima de Santo André com 0,953% na relação entre o imposto e o PIB. São Bernardo está um pouco abaixo de São Caetano e de Santo André com taxa de 0,702%. Diadema, com 0,828% e Ribeirão Pires, com 0,886% completam a relação da região de Baixa Competitividade Econômico no critério. Também estão nesse agrupamento Campinas (0,828%), Guarulhos (0,718%), São José do Rio Preto 0,935%, Mogi das Cruzes (0,751%) e Ribeirão Preto (0,856%).
Os municípios de Média Competitividade Econômica no IPTU são Mauá (0,544%), Rio Grande da Serra (0,360%), São José dos Campos (0,436%), Sumaré (0,297%), Taubaté (0,416%), Jundiaí (0,280%), Piracicaba (0,369) e Sorocaba (0,370%). Santos ocupa posição exclusiva no critério de Baixíssima competitividade econômico com taxa de 1,642%.
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