Mostramos na semana passada dados inéditos de algumas variáveis do repasse do ICMS aos municípios do Grande ABC nos últimos 40 anos. Constatamos o quanto principalmente Santo André e São Bernardo desabaram. São quatro décadas perdidas. Agora vamos mostrar que não se pode generalizar a queda do repasse do dinheiro decorrente da geração de riqueza principalmente industrial.
O G-3M (Osasco, Guarulhos e Barueri), coladíssimo ao Grande ABC, viveu desempenho inverso. Ou seja: enquanto caíamos, o trio também pegadíssimo à Capital engatou uma quarta marcha.
Isso tudo significa em última análise que estavam todos enganados os acadêmicos que há mais de três décadas desfilavam argumentos inexoráveis sobre a desindustrialização generalizada na Grande São Paulo e, mais que isso, chegavam a louvar o que chamavam de descentralização produtiva. Eles negavam a palavra desindustrialização como síntese do processo e praticamente exortavam a interiorização industrial como fórmula mágica para aliviar os dramas sociais na Grande Metrópole.
TEORIA FRUSTRADA
Na verdade, Grande ABC e a Capital sofreram um bocado com a quebra do Valor Adicionado, mas a vizinhança à qual identifico no G-3M safou-se razoavelmente bem.
Os teóricos da descentralização industrial que de fato era desindustrialização não contavam com o contragolpe do Rodoanel. Mexeu-se fortemente na estrutura de custos de produção associada à localização.
Não é a primeira nem a última vez que lanço dados e avaliações sobre o comportamento de Guarulhos, Osasco e Barueri não só em confronto com os municípios do Grande ABC como também com os principais polos econômicos do Interior do Estado, um dos destinos programados de empresas industriais que abandonaram a região e a Capital.
VIRANDO O JOGO
Vamos logo aos dados do comportamento do repasse do ICMS (ou seja, da riqueza produzida) envolvendo o Grande ABC e o G-3M. Preparem-se para o susto.
Em 1979, ponto de partida dessas análises, o Grande ABC contava com 14,28% de repasse do Estado. Ou seja: de cada R$ 100,00 distribuídos aos mais de 600 municípios paulistas, mais de R$ 14,00 eram destinados aos sete municípios.
O G-3M de Guarulhos, Osasco e Barueri não passava de R$ 5,02%. Portanto, a participação relativa de Guarulhos, Osasco e Barueri não ultrapassava a 35,15% do que o Grande ABC amealhava. O controle do jogo industrial estava no Grande ABC. Éramos naqueles anos 1970 o endereço preferido pelos investidores industriais.
Na outra ponta, 40 anos depois, em 2019, a situação se alterou completamente. O trio formado pelos vizinhos à Norte e à Oeste da Grande São Paulo, passou a contar com 6,58% de participação estadual na distribuição de ICMS, enquanto o Grande ABC descarrilhou ao chegar a 6,56%.
JOGO EMPATADO?
O jogo está tecnicamente empatado, mas perdemos feio quando se vai à distribuição per capita dos valores acoplados ao ICMS. Contamos com 2,841 milhões de habitantes, enquanto a soma de Guarulhos, Osasco e Barueri alcança 2.4021,981. Temos quase um Diadema inteira a mais de população a ser atendida com os recursos do ICMS que constam dos orçamentos municipais.
Entre os muitos problemas que o Grande ABC enfrenta no confronto com o G-3M (G-7 versus G-3M, para simplificar) há de se acentuar um legado de LivreMercado/CapitalSocial que a maioria recusa a aceitar porque reconhecer a goleada sofrida é muito dolorido: o traçado do trecho Sul do Rodoanel, que supostamente comtempla o Grande ABC, é um tiro no pé e veio a reboque do traçado do trecho Oeste, que beneficia diretamente aqueles municípios.
LOGÍSTICA FATAL
Perdemos a disputa pela logística da maior passarela asfáltica da Grande São Paulo em direção à Baixada Santista e ao Interior do Estado. E perdemos não apenas porque o trecho sul chegou depois do trecho oeste, mas também porque o trecho sul é repleto de impedimentos à acessibilidade interna regional, enquanto o trecho oeste é um show de bola em articulação com os tecidos urbanos dos municípios que o abrigam.
Há outros fatores que também devem ser considerados em avaliações de competividade entre regiões tão próximas.
A própria geografia regional é um problema intrincadíssimo. Estamos limitados pela Serra do Mar e uma legislação mais que providencial de proteção à natureza. Os mananciais são um estorvo, quando não impeditivos a empreitadas de Desenvolvimento Econômico.
Jamais fomos capazes de criar alternativas para uso do solo protegido de forma produtiva e responsável.
DIVERSIDADE ECONÔMICA
Não vou martelar outra vez vetores estruturais do modelo industrial implantado a partir da metade do século passado, mas é impossível não correlacionar a concorridíssima matriz automotiva como raiz do processo de esvaziamento regional.
Os três municípios à Norte e à Oeste da Capital são mais versáteis e menos sujeitos a entrechoques macroeconômicos. Não têm a sustentação econômica e social num mesmo saco.
Guarulhos é um supermercado industrial e, com isso, dilui os impactos na medida em que não conta, por exemplo, com o calcanhar de Aquiles da indústria automotiva. Barueri adotou incremento econômico na área de serviços, principalmente de tecnologia. E Osasco fez da logística como apoio a atividades de serviços industriais e comerciais uma busca pela independência.
Na origem dessa análise, o ano de 1979, o G-3M só contava com Guarulhos como potência econômica a ameaçar a liderança de Santo André e São Bernardo, que, juntos, respondiam por 10,35% do total de 14,28% de repasse da região pelo governo do Estado.
PERDENDO ESPAÇO
Ou seja: sozinhas, Santo André e São Bernardo contavam com mais que o dobro da participação relativa de Guarulhos, Osasco e Barueri no repasse de ICMS. Quem poderia imaginar que quatro décadas depois a situação mudaria tanto?
Vamos pegar pelo colarinho explicativo pelos menos dois confrontos entre os muitos possíveis envolvendo os 10 integrantes desses dois blocos de municípios, no caso o G-7 do Grande ABC e o G-3M de Guarulhos, Osasco e Barueri.
São Bernardo liderava o repasse do ICMS de 1979 com participação de 5,94%. Muito à frente da também industrializada Guarulhos, que registrava 3,26%. Quarenta anos depois Guarulhos praticamente não sofreu rupturas produtivas, com participação de 3,47 no bolo do ICMS (um pouco acima dos dados de 1979), enquanto São Bernardo desabou para 2,43%.
Ou seja: em 1979 o ICMS repassado a Guarulhos representava 54,99% do que era destinado a São Bernardo. Em 2019, São Bernardo registrou 70% do que Guarulhos arrecadou com o imposto. Uma inversão total.
MAIS DERROTA
Também tem o caso do embate entre Santo André e Barueri que não deixa pedra sobre pedra em matéria de didatismo do desajuste de desempenho econômico. A viuvez industrial de Santo André não foi mitigada por atividades de serviços, de baixo valor agregado, enquanto Barueri trilhou caminho diferente, de serviços médicos e tecnológicos.
Resultado? Em 1979 Santo André contava com 4,41% de participação no bolo estadual do ICMS, enquanto Barueri não passava de 0,14%. Já em 2019, Barueri somava 1,94% contra 1,18% de Santo André. Conclusão? Barueri contava com apenas 3,17% da participação relativa de Santo André no bolo do ICMS em 1979 e 40 anos depois é Santo André que está em posição inferior, com participação relativa de 60,82% da concorrente.
PIB ARRASADOR
Quem adotar a conversa fiada de que repasse de ICMS não tem nada a ver ou apenas um pouco a ver com uma métrica mais tradicional, como o PIB (Produto Interno Bruto), vai cair do cavalo da argumentação.
Não há dados do PIB dos Municípios em 1979 (daí recorrermos ao ICMS como balanceador dos números), mas em 2019 os resultados são ainda piores para o Grande ABC: O PIB Geral da região (considerando-se, portanto, todas as atividades) registrou R$ 118.233.013 bilhões, enquanto que a soma de Osasco, Barueri e Guarulhos alcançou R$ 199.909.375 bilhões. Ou seja: o PIB da região significa 59% do PIB da vizinhança incômoda à Norte e à Oeste da Capital.
Vinte anos atrás, em 1999, quando começaram a ser divulgados os dados do PIB dos Municípios Brasileiros, o Grande ABC e o G-3M praticamente estavam empatados no PIB Geral: 26.884,25 versus R$ 22.017,40 favorável aos sete municípios locais. O jogo virou nas faixas do Rodoanel e variáveis até agora incontroláveis.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?