Sociedade

Nostratamos de Resolver 24
anos depois (terceira parte)

DANIEL LIMA - 05/02/2020

Chegamos hoje ao penúltimo capítulo dessa minissérie editorial. O que está em jogo em forma de recuperação da memória é Nostratamos de Resolver. Um personagem que criei e expus publicamente no Teatro Municipal de Santo André, em maio de 1996, durante festa do Prêmio Desempenho Empresarial, da revista LivreMercado, publicação que criei e dirigi editorialmente durante quase duas décadas.

Nostratamos de Resolver é espécie de chute nos fundilhos nos mandachuvas e mandachuvinhas da região em forma de desafio a mudanças que já se sentiam indispensáveis há 24 anos.

Vejam a terceira parte que contempla 10 novas profecias, chegando-se à trigésima. Faltarão apenas dez. 

 Vigésima-primeira profecia

Polo Industrial de São Bernardo, aquele de tanta polêmica, finalmente foi resolvido. Indústrias não poluentes vão se instalar ali para atender mais de perto o fornecimento às montadoras de São Bernardo. A possibilidade de especulação imobiliária não se confirmou.

 Resultado -- O ponto positivo dessa profecia é que nem mesmo é possível dizer que houve decepção. Afinal, o que é esse Polo Industrial de São Bernardo que, mesmo um veterano do jornalismo regional, não consegue identificar 24 anos depois? E como não estou disposto a perder tempo em consulta ao acervo dessa revista digital, é melhor deixar para lá. Como se devem deixar para lá outras promessas dos anos 2000 que jamais se confirmaram, como o Polo Aeroespacial, o Polo de Gás e Óleo, O Polo Tecnológico Regional, essas coisas que agentes públicos produzem à exaustão sem comprometimento com o futuro --- apenas de olho na próxima eleição e certos de que a memória do eleitorado é curta.

 Vigésima-segunda profecia

Em conjunto, prefeitos do Grande ABC anunciam a inauguração de moderno complexo viário inter-regional que vai eliminar a baixa qualidade do trânsito. As obras despertam interesse de empresários que há alguns anos transferiram suas empresas da região por causa do chamado Custo ABC. Agora só existe Benefício ABC.

 Resultado -- Como não existe integração regional em nível minimamente necessário à sobrevivência dos negócios e da qualidade de vida, a ponto de o Clube dos Prefeitos virar penduricalho no esfarrapado organograma dos sete municípios, é claro que um moderno complexo viário ficou só na imaginação. O que contemplou o Grande ABC em forma de bólido de transtornos econômicos foi o Rodoanel que, do ponto de vista de logística econômica, beneficiou apenas e em parte o puxadinho construído em Mauá e, profundamente, a concorrencial região oeste da Grande São Paulo. A região de Osasco e Barueri nadou de braçadas em competitividade e deixou o PIB do Grande ABC a comer poeira.

 Vigésima-terceira profecia

Grande multinacional do Primeiro Mundo ganha concorrência para modernizar o trecho ferroviário que une o Grande ABC ao Porto de Santos e, por meio de conexões, ao Mercosul. Investimentos vão contribuir também para consolidar a economia do Grande ABC, até há alguns anos na iminência de descarrilar. Privatizado, o Porto de Santos volta a ser parceiro da região.

 Resultado – A privatização do trecho ferroviário que passa pelo Grande ABC e segue até a Baixada Santista atendeu apenas ao transporte de cargas durante a madrugada. A repetida chegada do Ferroanel é conto do vigário eleitoral porque há sempre alguém interessado em esquentar a bobagem. O transporte ferroviário que passa pelo território da região tem baixíssima conexão econômica local. Somos a multiplicação de zero por zero.

 Vigésima-quarta profecia

Investidores nacionais e internacionais descobrem São Caetano. Como resultado de trabalho de marketing da região, eles já estão transformando antigos galpões industriais em usinas de tecnologia de informática e robótica voltadas para o novo perfil industrial do Grande ABC. 

 Resultado -- São Caetano é o Município do Grande ABC que mais perdeu crescimento econômico neste século na Região Metropolitana de São Paulo. Está na lista dos piores resultados nessa área que conta com 39 municípios. O setor de serviços que se lançou à guerra fiscal na metade dos anos 1990 mascara a desindustrialização de São Caetano, recentemente ameaçada de perder a joia mais preciosa da discreta constelação industrial, no caso a General Motors do Brasil. Foi preciso a intervenção populista-fiscal do governador do Estado, João Doria, e da Administração Municipal, de José Auricchio Júnior, para que a GM não debandasse. Como extraiu vantagens tributárias, a multinacional decidiu investir na planta. Não se sabe até quando vai segurar a barra de quase um terço da riqueza de impostos de São Caetano. Certo mesmo é que São Caetano continuará com várias empresas de papel no setor de serviços; ou seja, as sedes estão em sua geografia, mas muitos trabalhadores registrados prestam atuação em outras localidades. Basta verificar que o setor de construção civil está paralisado, mas registra saldo de empregos elevadíssimo. A guerra fiscal instaurada pelo então prefeito Luiz Tortorello pouco antes das profecias de Nostratamos de Resolver, amenizou o desconforto industrial.

 Vigésima-quinta profecia

Pequenos varejistas da região acordam para a concorrência dos shoppings, supermercados e hipermercados. Unem-se em torno das Associações Comerciais e atendem a pedido dos líderes: trocam as novelas de televisão por cursos de Administração e Marketing.

 Resultado – Nada foi alterado no panorama institucional de negócios locais frente a concorrência de grandes companhias nacionais e de franquias. As empresas familiares do Grande ABC nos setores de comércio e serviços sofrem ante forças superiores. O preparo para a guerra do varejo é especialidade de empreendimentos que contam com investimentos volumosos. A guerra é desigual e se torna ainda mais desigual com o individualismo dos empreendimentos locais. Não há tempo para preparação, quanto mais para ações conjuntas. As entidades de classe não chegam às bases dos empreendedores e não estão organizadas para atuarem nem como prontos-socorros.

 Vigésima-sexta profecia

Terminais de computadores são instalados em massa nas salas de aula das escolas da região. Alunos estão plugados à Internet e também a uma rede de informações gerais sobre o Grande ABC. A rede dispõe de dados históricos regionais e de centenas de indicadores sociais e econômicos organizados por uma entidade cerebral formada por representantes de diversas áreas. Essa rede também é disputadíssima por investidores que estão de olho na região. 

 Resultado – A tecnologia computacional se adensou no mundo inteiro, e não faria do Grande ABC exceção. Mas o uso é puramente corporativo. Dados agregados da economia do Grande ABC são escassos, imprecisos e chegam próximo a algo que lembra um labirinto, tantas dificuldades práticas ao uso produtivo. Não existe na região uma espécie de central que reúna informações que facilitem a vida de quem quer investir num dos municípios. Um exemplo da balbúrdia geral envolve a aplicação do ISS (Imposto Sobre Serviços). O imposto responsável pela maior arrecadação direta dos municípios cedeu lugar a fratricida guerra fiscal interna. O festival de alíquotas se espalha por atividades afins. Pretendeu-se nos anos 1990 uniformizar a incidência do imposto em toda a região. Celso Daniel, então prefeito de Santo André, acreditou na medida e ficou para trás. A maioria dos demais titulares dos paços municipais rasgou os princípios de regionalidade e tascou alíquotas arbitrárias, ditadas pela conveniência arrecadatória a qualquer custo, sem vínculo algum com estratégia regional.

 Vigésima-sétima profecia

Antigas e novas emissoras de rádio da região deixam de lado o quase monopólio de transmissões religiosas. Aproveitando a nova realidade regional, investem para valer em radiojornalismo. O debate agora é saber quem ganha mais: as emissoras com audiência e faturamento em alta ou a cidadania, matéria-prima da programação.

 Resultado -- A Rádio ABC continua a ser a emissora que sobrou na região e que investe em jornalismo, mas sofre com barreiras de potência tecnológica e de estrutura profissional mais aguda. A pergunta que seus diretores mais ouvem é quando vão vender a emissora para os evangélicos ou ao qualquer ramo religioso. Como têm resistido, é possível que sigam em frente. Até porque há novos meios, caso das chamadas mídias sociais, que têm na Internet facilidades para a comunicação direcionada.

 Vigésima-oitava profecia

 A televisão torna-se realidade na região, com emissoras de considerável audiência. Com rádio, tevê e um conjunto de jornais, entre os quais um tradicional e comunitário diário e uma revista quinzenal especializada em economia local, a mídia do Grande ABC atinge todas as camadas e segmentos sociais com a mesma intensidade.

 Resultado – Seguimos sem retransmissoras de redes nacionais de televisão, ou seja, a programação que a população consome não tem intimidade com a cultura regional. Apenas a TV Globo conta ao meio-dia com programação dedicada à Região Metropolitana de São Paulo. Os principais problemas são abordados com frequência. Não escapamos, é claro, das manchetes de criminalidade, matéria-prima sempre farta numa área em que desigualdade social é muito maior do que muitos imaginam. Publicações impressas definham em circulação e em receitas. O vácuo entre o impresso e o digital ainda não foi superado no mundo inteiro. Não o seria tendo o Grande ABC como espaço territorial pioneiro.

 Vigésima-nona profecia

Indústria esportiva do Grande ABC é reconhecida em todo o Brasil. Os três principais clubes profissionais de futebol da região conseguem o que Curitiba alcançou em 1996: vagas no disputadíssimo Campeonato Brasileiro da Primeira Divisão. Importantíssimos elementos culturais, os três clubes do Grande ABC ajudam a consolidar a identidade regional.

 Resultado – A segunda década deste século não tem sido generosa com o futebol da região. Estamos fora do circuito nacional. Ou seja: não temos um representante sequer em qualquer divisão do Campeonato Brasileiro. Já contamos na Série A com São Caetano e Santo André. Já disputamos a Série B do Brasileiro com potencialidade de chegar ao topo da hierarquia nacional. Na primeira década do século tanto o Santo André quanto o São Caetano conquistaram o título paulista. Antes, o Santo André ganhou a Copa do Brasil e o São Caetano foi duas vezes vice-campeão brasileiro e, também, vice-campeão da Taça Libertadores da América. Na medida em que futebol é audiência e audiência gera patrocinadores milionários, mais nos afastamentos das competições mais importantes. Afinal, os clubes da região sofrem os efeitos da proximidade com a Capital e não contam com massa de torcedores que assegure audiência televisiva. A tendência de fortalecimento de clubes de massa tanto no âmbito nacional quanto estadual esteriliza o potencial do Grande ABC esportivo. A resistência dos clubes profissionais da região é meritória.

 Trigésima profecia

Empresários da região se organizam e convencem empreendedores nacionais a construir espécie de Anhembi regional. Agora, feiras nacionais e internacionais vão colocar a região no calendário de agentes especializados. Estandes regionais, que vendem a nova imagem e a nova realidade do Grande ABC, são distribuídos em pontos estratégicos do centro de exposições, estimulando novos investidores.

 Resultado – Por uma série de razões o Grande ABC não consegue conciliar população de três milhões de habitantes e arena reservada a grandes espetáculos. Como um antigo Anhembi está fora de cogitação, talvez a saída fosse contar com investimentos em casas de espetáculos de menor porte. E mais uma vez a proximidade com a Capital inibe investimentos. O conceito de que a maioria não vai a um espetáculo cultural apenas, mas a uma programação que envolve entretenimento, gastronomia e glamourização típicas da Capital, remete o Grande ABC à identificação de subúrbio. Sem contar o peso do Complexo de Gata Borralheira que, no caso, significa que o morador da região sempre vai preferir a vizinha e pujante Capital a alternativas locais. Algumas exceções gastronômicas, confirmam a regra geral. Mas há mais casos de conteúdo negativo. O esfacelamento da Rota do Frango com Polenta, corredor gastronômico que nos últimos anos perdeu seus três principais endereços, também tem a ver com o empobrecimento do Grande ABC, não apenas com mudanças no mercado de consumo alimentar. Os shoppings que se aventuraram a comercializar produtos de regiões mais nobres da Capital quebraram a cara e tiveram de recolher os produtos, substituindo-os por populares. Hordas de pobres e miseráveis crescem muito mais que o número de famílias ricas e de classe média tradicional.



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