Economia

EMPREGO INDUSTRIAL
É BURACO PROFUNDO

DANIEL LIMA - 06/02/2025

Guardem bem esse número: 57.337. Guardem bem também esse número: R$ 331.189.727 milhões. Guardaram mesmo? Explico: o primeiro número é o saldo negativo de trabalhadores industriais no Grande ABC nos últimos nove anos, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2023. O ano de 2024 deixo para outro dia. O segundo número é o valor monetário do quanto o Grande ABC perdeu de massa salarial em dezembro de 2023, só em dezembro de 2023, comparado a dezembro de 2014. Um número tem tudo a ver com o outro número. E quem perde feio é a economia do Grande ABC.

Resumo da ópera? Estamos fuzilados e mal pagos. E não é por falta de aviso. CapitalSocial conta a origem dessa derrocada desde março de 1990, quando começou a circular no Grande ABC com a marca LivreMercado. A diarreia econômica com profundas consequências sociais não para. A terapia vem sendo protelada, quando não mistificada. Com intervalo apenas excepcional dos anos do segundo mandato do prefeito Celso Daniel. E mesmo assim, a bem da verdade, com certa resistência.

OFÉLIA E FERNANDINHO

O Poder Público Municipal de plantão, ou seja, gozando do mandato, é negligente, quando não teimoso, quando não repulsivo, à verdade dos fatos. Adora bajuladores.

O Poder Público Municipal é uma espécie de Ofélia do Fernandinho do quadro humorístico da Globo. Lembram-se? O Fernandinho (Lucio Mauro) vivia às turras com a Ofélia (Claudia Rodrigues) por conta das limitações intelectuais, Ofélia dizia do alto da ignorância que só abria a boca quando tinha certeza.  

Entretanto, diante de uma visita ilustre e crítica às barbeiragens culturais da mulher, Fernandinho saia em defesa de Ofélia. Dizia que ela reunia sabedoria incomparável entre quatro paredes. E constrangia o visitante. A sabedoria imensa entre quadro paredes do Poder Público Municipal é a articulação para vender ao público externo uma matéria-prima chamada ilusionismo.

Para compreender de forma mais precisa e expansiva o impacto da baixa de emprego industrial, nada melhor que  pegar esses quase 60 mil desempregados e colocar no Estádio do Morumbi. Vai lotar. Se for colocar na Neo Química Arena, do Corinthians, vai sobrar gente. Será preciso solicitar ajuda ao Santo André e instalar o restante no Estádio Bruno Daniel. No campo econômico, significam 104 fábricas de empregos que a Toyota desertou em São Bernardo, escafedendo-se à região de Sorocaba. Dá para sentir o drama? 

ASSUNTO PROIBIDO

Pior que isso apenas a constatação de que o assunto é praticamente proibido na região. Ganha um milhão de dólares quem encontrar em qualquer noticiário ou editorial da mídia regional (a nacional não está nem aí com o Grande ABC, depois de explorar ao máximo o movimento sindical) algo que remeta a esses números.

Ainda há ignorantes na região que, apesar de todas as provas e contraprovas, colocam a desindustrialização em dúvida. São alienados ideologicamente congelados.  

Reservo diariamente, faça chuva ou faça sol,  tempo para prescrutar as entranhas do Grande ABC. Uma obrigação que deveria integrar o manual de atuação do Clube dos Prefeitos e das Prefeituras da região. Turmas que não estão nem aí com o presente, quanto mais com o futuro da região de três milhões de habitantes.

Vou detalhar em seguida alguns números desse balanço do emprego com carteira assinada no setor industrial da região (outro dia trato de outros municípios, que formam o G-22, as maiores economias do Estado de São Paulo), mas antes é preciso lembrar que um novo Clube dos Prefeitos está formado, com apenas dois remanescentes do período de quatro anos anterior. E até agora o que se lê e ouve não passa de embromação. De politicagem. De falsa democratização. Falta racionalidade. E foco.

TORNEIRA ABERTA

O emprego industrial no Grande ABC é mesmo um buraco sem fundo, com direito a uma recuperação estéril aqui, outra recuperação estéril ali, para, em seguida, nova derrocada. E vamos continuar a perder força porque, diferentemente do que afirmam os ignorantes que se aboletam em instâncias públicas, não temos capacidade logística, entre outros pontos, para sair da enrascada.

Perdemos competitividade que tivemos porque tivemos porque também fomos protegidos pelo Estado, com a chegada das montadoras. Quando o Estado caiu fora, fomentou guerra fiscal, depois do movimento sindical, e entramos em parafuso. E não saímos mais.

O déficit de emprego formal industrial em 2023, comparada a 2014, é apenas mais uma etapa de prejuízos. Acelerado por conta do desastre chamado Dilma Rousseff (o PIB da região caiu 22% nos dois últimos anos do governo da petista), e em seguida por conta da pandemia.

NINGUÉM ESCAPA

Muitos outros fatores tornaram o Grande ABC quase que um mico no setor industrial como força de investimentos. Já tratamos disso. Entra nessa conta o desastroso governo de Fernando Henrique Cardoso, que promoveu a maior carnificina de pequenas e médias indústrias na região, ao proteger as montadoras.

O Rodoanel autofágico também. E o metrô não será diferente. Vamos ganhar alguns pontos em mobilidade urbana, mas vamos perder feio em mobilidade social. Os dados do Rodoanel já mostraram o tamanho da encrenca.

Agora, finalmente, aos dados dos nove novos anos de estragos na economia do Grande ABC. A perda líquida de 57.337 empregos formais entre janeiro de 2015 e dezembro de 2023, tendo sempre dezembro de 2014 como âncora, não perdoou nenhum dos municípios da região. Eram 238.722 empregos industriais em dezembro de 2014. Viraram 181.385 mil em dezembro de 2023.

Proporcionalmente, o estoque mais impactado é o de Santo André, com baixa de 29,75%. Eram 33.439 postos de trabalho industriais em 2014 e passaram para 23.491 em 2023. Uma baixa de 9.948.

Se Santo André lidera a queda bruta do emprego industrial em termos proporcionais,  métrica mais adequada à avaliação, São Bernardo está bem adiante em termos absolutos: perdeu 20.801 postos industriais com carteira assinada no período, ou 22,56% do estoque de dezembro de 2014. Eram 92.211 trabalhadores. Passaram a ser 71.410.

DOENÇA HOLANDESA

A Doença Holandesa Automotiva, que é a dependência exagerada de uma atividade produtiva, mostrou as garras no período. E vai continuar a desafiar o futuro em forma de mais estragos. Afinal, trata-se do setor mais competitivo na indústria de transformação mundial.  Os chineses elétricos estão chegando para não deixar pedra sob pedra. E com o apoio governamental do presidente Lula da Silva, comandante do movimento sindical na região no final dos anos 1970. A vida e seus paradoxos.

São Caetano passou por perdas no emprego industrial praticamente iguais a São Bernardo em termos relativos: 23,17% do estoque foram para o ralo. Eram 26.410 trabalhadores em 2014 e em 2023 passaram a ser 14.487. Uma perda líquida de 11.913 postos de trabalho.

Bastariam os três mais importantes municípios do Grande ABC abrirem o bico da competitividade industrial para se chegar à conclusão óbvia de que perdemos o bonde da história. Mas os demais municípios engrossam o coro. 

JOGO EMPATADO

Diadema perdeu em números absolutos praticamente o mesmo que São Caetano: foram decepadas 11.977 cabeças industriais com carteira assinada. O percentual também é semelhante ao de São Caetano: o estoque sofreu  perda relativa de 22,58%. Em 2014 eram 53.028 trabalhadores industriais em Diadema, enquanto em 2023 não passavam de 41.051.

Mauá do Polo Petroquímico se salva na geoeconomia regional, mas também não se livrou das dores do parto da desindustrialização em forma de emprego formal: perdeu 9% no período. Uma queda de 2.210 postos de trabalho. Eram 24.099 e sobraram 21.889. O setor químico-petroquímico e o setor automotivo seguram as pontas da economia industrial da região. E também são os mais vulneráveis. As demais cadeias produtivas derreteram ao longo de décadas. Praticamente não sobrou nada.

Completando o circuito regional, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que não pesam mais que 2% do PIB Regional, também se deram mal no emprego industrial formal: Ribeirão Pires perdeu 1,7% estoque de 2014: eram 7.968 e ficaram 7.830. Rio Grande da Serra perdeu 21,69 %: eram 1.567 e sobraram 1.227. Rio Grande da Serra não deve ser levada a sério nesse quesito para efeitos dimensionais. Não tem tamanho para competir quando o prato a ser servido é o vatapá do mercado de trabalho.

CONTANDO MILHÕES

Agora vamos às contas do significado desse passivo  do emprego industrial na economia regional. Voltem ao primeiro parágrafo. Trata-se do segundo número. Aqueles milhões, entenderam? O que temos de forma prática é o quando representou de massa salarial o tamanho do desfalque físico de empregos com carteira assinada. A conta é simples: multiplicamos o tamanho do buraco pelo salário médio dos trabalhadores de cada um dos sete municípios da região.

Foi aí que chegamos a R$ 331.189.972 milhões. É importante verificar que esse resultado está restrito à perda de dezembro de 2023. Se, numa conta de padaria, mas não distante demais de contas de especialistas, esse total for multiplicado por 12 meses de 2013, chegamos a R$ 4 bilhões.

Repetimos: menos R$ 4 bilhões de recursos de trabalhadores industriais no mercado de consumo e de poupança da região somente em 2023. Com as devidas decomposições estruturadas na volumetria de perdas a cada mês, ao fim de 108 meses contínuos, qual seria o tamanho do prejuízo?

CONTA ESPECULATIVA

Para que a conta fosse perfeita, ou próximo disso, seria indispensável contar com resultados do estoque e de assalariamento médio por trabalhador a cada mês apurado. Não há fontes de dados que possam dar esse encaminhamento. Por isso especulamos. E especulamos apenas para que se tenha mesmo a dimensão dos estragos. Diferentemente de Ofélia, não abrimos a boca quando não temos certeza. E alertamos sobre isso.

Considerando-se apena as temporada de 12 meses de 2023, e levando-se em conta a projeção de perda da massa salarial dos trabalhadores industriais da região, os R$ 4 bilhões que evaporaram (não estamos considerando o 13º salário) significariam algo como mil apartamentos de classe média  de 50 metros quadrados em São Bernardo ou em Santo André. Aliás, a mesma classe média (e também os ricos) que perdeu representação no conjunto das famílias da região desde muito tempo.

Nada surpreendente: o PIB per capita do Grande ABC neste século correu à velocidade média de 30 quilômetros por hora, enquanto a média nacional é de 100 quilômetros. Se empatar com o Brasil sem rumo e sem prumo já é o fim da picada, imagine perder de goleada?

CASAL EVIDENTE

Nada disso, entretanto, tem importância para o Clube dos Prefeitos e à maioria dos prefeitos da região em seus respectivos redutos. Eles festejam varejismos que lubrificam a engrenagem compulsória  da maioria da mídia regional. Quem trata de coisas sérias é demonizado. O Grande ABC além de incompetente para lidar com as desgraças, se transformou em território macunaímico.  

O casal Fernandinho e Ofélia visto pelo buraco da fechadura de um escrutínio independente é um desastre diante da realidade dos fatos. Os observadores atentos sabem que tudo desmorona. Marqueteiros em forma de Fernandinhos tentam mistificar. Não adianta. A verdade sempre aparece. Ofélia são os Administradores Públicos atrapalhados. Não custa lembrar o óbvio.



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