Economia

Não é preciso
abraçar o mundo

TUGA MARTINS - 05/02/2001

De hora em hora uma fornada de pão francês sai da padaria experimental do Moinho Santa Clara, em São Caetano. É dessa maneira que a empresa testa contínua e ininterruptamente como a matéria-prima do principal parceiro da manteiga se comportará na casa do principal cliente: a padaria. O ritual aparentemente simples faz parte do rígido controle de qualidade aplicado pelo moinho, desde a chegada do grão até a distribuição da farinha para atacado e varejo. Foi apostando na excelência da qualidade e na concentração da clientela que a empresa de 73 anos e gestão familiar conseguiu sobreviver ao acirramento da concorrência desencadeado há 10 anos, quando o governo interrompeu os subsídios ao setor.

Para se manter financeiramente saudável, o Moinho Santa Clara concentrou esforços na demanda regional, investiu em estrutura enxuta e ágil, informatizou tanto o meio de produção quanto a área administrativa e conquistou a ISO 9002. Não poupou mudanças em procedimentos de todos os escalões de comando e instalou o controle de qualidade de hora em hora na fôrma de pão francês. Nos últimos três anos, a empresa investiu cerca de R$ 500 mil, 50% para equipamentos e 50% em recursos humanos. E ainda criou o SAC (Serviço de Assistência ao Consumidor), canal pelo qual panificadores têm acesso a dicas de como tirar o máximo de benefícios dos produtos, além de receitas inéditas de doces e salgados assinadas pelos gourmets do moinho. "Se o produto não estiver dentro dos parâmetros, não vai para rua" -- garante o diretor comercial, Christian Saigh.

A opção por valorizar geograficamente o próprio eixo de negócios no Grande ABC e Zona Leste da Capital tem garantido crescimento anual de 10% a 15% ao Moinho Santa Clara desde 1997. O projeto é avançar 15% anualmente também nos próximos três anos. Nem por isso o comando do Moinho Santa Clara consegue deixar de observar a abertura de novos nichos de mercado. A atenção não é para menos. Afinal, ainda se come pouco pão no Brasil: 28 quilos per capita/ano. Menos de um terço dos 93 quilos per capita/ano consumidos no Chile, 87 quilos per capita/ano na Alemanha ou 73 quilos per capita/ano na Argentina. Além disso, o Brasil consome somente 62% da farinha de trigo que o setor é capaz de produzir. Ou seja, tem capacidade instalada para moer 14 milhões de toneladas por ano e só consome nove milhões de toneladas. Se por um lado os números propõem campo mais que propício ao crescimento do mercado, por outro mostram falta de consumidores locais.

Não bastasse as questões domésticas, os moinhos brasileiros dependem da importação do trigo argentino. O trigo corresponde a 75% do custo do produto acabado. Além disso, a astuta Argentina aos poucos introduz no Brasil não apenas grãos, mas a própria farinha industrializada, concorrendo com a produção nacional. A farinha pronta entra no Brasil com taxa de importação que os argentinos já estão pagando com prazer.  Vendem ao País o grão de trigo mais caro agregando valor na forma de farinha. Quanto menor a safra nacional, maior a necessidade de importação, contribuindo para o déficit da balança comercial.

Além de averiguar a qualidade da farinha nos próprios fornos experimentais, distribuindo os pães entre funcionários, o Moinho Santa Clara conta com laboratório de análise química para testar o grão de trigo que chega. O mesmo acontece com a farinha já produzida. O procedimento é necessário porque o processamento do trigo não pode ser corrigido depois de iniciado. São considerados cor, umidade e teor de matérias inorgânicas nos grãos. Somado a isso, a farinha de trigo ainda sofre com as condições climáticas embora, 40% da qualidade do pão dependa do manuseio. Por conta disso, o SAC do Moinho Santa Clara é um dos departamentos mais ativos da empresa, sempre com dicas atualizadas sobre o preparo de massas variadas. "Desde a seleção da matéria-prima até o processo final de fabricação e distribuição, utilizamos padrão de controle dos produtos por meio de sistema de automação interligado a uma central de computadores. A central monitora cada etapa do processo de fabricação" -- relata Christian Saigh.

O Santa Clara chega a moer 500 toneladas de trigo por dia, suficientes para preparar 9,375 milhões de pães franceses de 50 gramas. Do total, 55% tem como endereço as padarias. O índice segue tendência do mercado nacional: 47% dos 15,5 milhões de toneladas de farinha de trigo produzidas por ano no País vão para padarias. O moinho de São Caetano abastece mais de dois mil estabelecimentos no Grande ABC e parte da Capital e a fidelização dessa clientela exige inovações constantes na produção. Neste ano criou a pré-mistura para pão francês embalada em sacas de 25 quilos. "O dono de padaria quer produtos facilitadores do dia-a-dia, quer economizar dedicação de mão-de-obra e tempo" -- expõe Christian Saigh. A aceitação do produto, comercializado desde março de 2000, foi além das expectativas do moinho. A pré-mistura já representa 15% das vendas.

A novidade empolgou tanto que em 2001 o Moinho Santa Clara planeja lançar pré-mistura especial para pizzas em embalagem com cinco quilos. "É outro nicho interessante, pois cada vez mais as pizzarias estão comprando farinha diretamente dos moinhos porque conseguem melhor preço" -- informa o diretor. Do restante da produção de 500 toneladas/dia, 35% vão para indústrias de pão e 10% são embalados em pacotes de um e cinco quilos para o varejo. O foco no cliente regional ainda tem como aliados a agilidade de entrega e o atendimento personalizado, itens que não constam das ofertas de grandes concorrentes que atuam em larga escala. A personalização do atendimento parte de relação estreita que permite desde chamar o cliente pelo nome até ter conhecimento do histórico da evolução de aquisições de produtos, como quantidade, tipo e periodicidade. O atendimento aos clientes é feito por frota terceirizada dedicada. Ou seja, prestadora de serviço exclusiva do Moinho Santa Clara.


Concentração -- Outro movimento do mercado que tem tirado o sono dos produtores de farinha de trigo é a concentração das grandes redes varejistas. Antes os mercados menores, localizados em bairros, eram clientes potenciais, mas as cadeias gigantes, além de engolir estabelecimentos de bairros, arrebatam consumidores das padarias, principais compradores dos moinhos de pequeno e médio porte.

Além da atenção redobrada no mercado, o Moinho Santa Clara aposta em marketing mais que direto: tenta conquistar o consumidor literalmente pelo estômago. Livro de receitas, patrocínio de programa de culinária na TV, participação em feiras e eventos do setor, divulgação em publicações segmentadas e apoio a jantar anual dos panificadores do Grande ABC formam pacote de marketing que absorve 5% das receitas. A empresa também conta com site na Internet -- www.moinhosantaclara.com.br --, por enquanto com papel institucional. O moinho ainda não entrou na era do e-commerce, mas não descarta a idéia de desenvolver projetos de B2B ou B2C (entre empresas e empresa-consumidor).

Com 65 funcionários diretos e 30 terceirizados, o Moinho Santa Clara concentra há 50 anos a produção em 16 mil metros quadrados em São Caetano. Os negócios foram iniciados em meados da década de 20 pelo italiano Emílio Gianini e em nada se parecem com a empresa de hoje. Em plena crise econômica o empreendedor utilizou maquinário inglês, de alta tecnologia para a época, para produzir cerca de 20 toneladas de farinha de trigo por dia. A produção era basicamente destinada à Capital e durou três décadas. 

Na mesma época foi fundada a Richard Saigh e Cia, atacadista de pequeno porte de secos e molhados, refino de sal e moagem de açúcar. Em 1952 a família Saigh decidiu ampliar a área de atuação e entrou no ramo de moagem de trigo. Naquela época faltava farinha de trigo no Brasil e os irmãos libaneses Richard e Eduardo Saigh importavam biscoitos da Argentina, trituravam e vendiam como farinha. Surgiu então a idéia de processar trigo. Instalaram duas unidades moageiras, uma na Mooca, em São Paulo, e outra em Santos. A produção máxima era de 60 toneladas de farinha de trigo por dia. "O princípio da moagem de grãos não mudou muito, mas evoluiu bastante" -- atesta o diretor comercial Christian Saigh. Máquinas mais compactas que se autorregulam durante a produção são exemplo da evolução produtiva.

Em 1959 a então viúva Maria Clara Gianini decidiu vender as ações do Santa Clara na sua totalidade. Como já acumulava experiência em dois moinhos de trigo, a família Saigh assumiu o comando da empresa de São Caetano. Além da área capaz de abrigar a unificação da produção, São Caetano mostrou-se atraente pela logística de distribuição de produtos acabados e recebimento de matéria-prima. A unificação das três unidades em um só local foi feita nos anos 70 e o Moinho Santa Clara passou a ser a única atividade dos Saigh. 


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